Dezasseis associações reuniram-se para subscrever uma Carta de Direitos do Património Cultural Português com “princípios civilizacionais” que visam instar o Estado a que assuma “maior ousadia no investimento, na salvaguarda, na promoção, nos recursos e na formação técnica“.

A carta é tornada pública na véspera da celebração, na terça-feira, do Dia Internacional dos Museus, tendo partido de um debate promovido pela Plataforma pelo Património Cultural (PP-Cult), à qual pertencem as associações que a subscrevem, como a Comissão Nacional Portuguesa do Conselho Internacional dos Museus (ICOM-Portugal), a Associação dos Arqueólogos Portugueses (AAP), a Associação Portuguesa de Museologia (APOM) ou o GEOTA.

A carta alerta para o facto de os bens culturais estarem “sujeitos à degradação e envelhecimento naturais, ao abandono e ruína, ao desinteresse das tutelas, às intervenções desadequadas” e considera que “é urgente, a este respeito, saber desmontar o argumentário pobre de quem advoga a destruição ou vandalização de monumentos, esculturas, ‘obras de arte’ em geral, apregoando ideias antigas, normalmente revestidas de pseudo-modernidade, debaixo de invocações religiosas, políticas, estéticas, morais ou outras”.

As 16 associações salientam que os bens culturais “têm direito a ser conservados e protegidos, estudados, analisados, ensinados e vivenciados através de legislação adequada”, pois estes “têm direito à existência, à sua continuada vivência estética, material e simbólica“.

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O conjunto de signatários acrescenta que estes bens “não se esgotam nos ‘temas’ representados e nos ‘contextos’ temporais precisos em que foram gerados. Independentemente da sua maior ou menor qualidade e originalidade de criação, eles exprimem sempre discursos com sentido de futuro, sendo por isso trans-contemporâneos, ou seja, persistem com ativa vivencialidade e projetam sentidos históricos, estéticos e ideológicos percetíveis e recontextualizáveis”.

A carta sublinha que é esse o papel dos bens culturais: “interagirem em cada situação histórica como testemunho ou como interlocutor de fruição e resignificação. Não são por isso apenas passado, são sempre e sobretudo presente, sendo ainda projeções possíveis do futuro”.

Os Bens Culturais têm direito inalienável de salvaguarda, inventariação e classificação através de políticas, recursos e organismos públicos adequados às suas especificidades disciplinares”, defendem.

Segundo o documento, um dos direitos dos bens culturais é “apelar à resistência das comunidades perante casos abusivos de iconofilia”, isto é, os grandes colecionadores de arte, que a usufruem individualmente.

Para as entidades subscritoras da carta, os bens culturais não devem “ser subjugados a interesses individuais ou coletivos que lhes imponham utilização, função ou rentabilidade que possam de algum modo provocar a sua destruição, mutilação, descaracterização ou perda absoluta do significado com que foram criados”.

Os bens culturais devem “desempenhar uma função de cidadania por assumirem sempre um valor testemunhal e poderem protagonizar um desejável espaço de encontro e concórdia”.

A carta defende “o escrutínio crítico e integridade física em cada nova situação ou tempo histórico” dos bens culturais e ao “direito de inclusão face à heterogeneidade (religiosa, social, rácica, política) dos seus interlocutores, mantendo com os mesmos relações de interpelação criativa”.

O décimo ponto sustenta que “os bens culturais têm direito a dar cumprimento às suas mais-valias históricas, estéticas, pedagógicas e sociais em qualquer tempo, pelo que nenhum os pode considerar seus e, pelo contrário, os deve usufruir com a humildade de pensar no ‘ontem’ e no ‘amanhã'”.

A expressão “bens culturais” é conforme à designação na Lei de Bases do Património Cultural Português, de 2001, e abrange “as manifestações da História, Arqueologia, Arte, Etnografia e Antropologia, o património documental e arquivístico, mas também os patrimónios imateriais e intangíveis e o próprio património natural e ambiental enquanto construção” que resulta da ação humana.

Esta definição, referem as entidades signatárias encontra-se igualmente fixada na legislação internacional da Organização das Nações para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, na sigla em inglês), do Conselho da Europa e da União Europeia.

Além do ICOM-Portugal, AAP, APOM e GEOTA, a carta é subscrita pelas associações dos Amigos dos Castelos, Portuguesa de Arqueologia Industrial, de Defesa do Património de Sintra, dos Historiadores da Arte, pela Associação Portuguesa para o Património Industrial/TICCIH-Portugal, pelo Círculo Dr. José de Figueiredo, pela Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas, Profissionais da Informação e Documentação (BAD), pelo Fórum Cidadania Lx e Fórum de Conservadores-restauradores, pelo GECoRPA, pelos Ofícios do Património e da Reabilitação Urbana (OPRURB) e pela Associação Portuguesa de Turismo Cultural (PROGESTUR).