786kWh poupados com a
i

A opção Dark Mode permite-lhe poupar até 30% de bateria.

Reduza a sua pegada ecológica.
Saiba mais

25 anos de CCB. “Fizemos tudo à portuguesa, mas com profissionalismo”

Maria José Stock liderou a equipa que há um quarto de século fez arrancar o CCB. Em entrevista, admite que esta foi uma obra faraónica, comenta a instalação de um hotel e critica o Museu Berardo.

O Centro Cultural de Belém (CCB) abriu ao público há exatamente 25 anos – a 21 de março de 1993, um domingo, com festa de entrada livre para muitos milhares de pessoas. A inauguração foi tudo menos consensual. “Pedras mortas e ocas”, diziam visitantes aos jornais. “Salas vazias e paredes nuas”, criticavam outros. Um quarto de século depois, a obra faraónica do cavaquismo é parte integrante da paisagem cultural de Lisboa. E a data redonda é assinalada a partir desta quarta-feira com a exposição “CCB 25 Anos”, aberta até 27 de maio no Centro de Congressos. Mas há mais: 10 de julho, a exposição de arquitetura “Building Stories” e a instalação em cortiça “Uma Praça no Verão”; 28 de outubro, MozartFest; 05 de dezembro, estreia do espetáculo de teatro “Fausto”, encomenda especial ao grupo Mala Voadora.

Poucos terão tantas memórias do início como Maria José Stock, a professora de ciência política que Pedro Santana Lopes, então secretário de Estado da Cultura, convidou para a comissão instaladora do CCB em 1991. O edifício desenhado pelos arquitetos Vittorio Gregotti e Manuel Salgado será concluído em 92 e começa por acolher a primeira presidência portuguesa da então Comunidade Económica Europeia. Finalmente, na Primavera de 93 o CCB abre portas, gerido pela Fundação das Descobertas, criada com esse propósito.

Maria José Stock torna-se administradora com o pelouro cultural, comercial e de marketing. Nunca deixou de dar aulas. Saiu em 1996, voltou à universidade e em 2002 presidiu ao Instituto Camões. É a primeira mulher doutorada pela Universidade de Évora, vive em Sintra e tem 70 anos. “Sou apartidária, nunca tive feitio para estar em partidos políticos”, afirma.

12 fotos

Que memórias tem do dia 21 de Março de 1993?
Foi emocionante. Abrimos a toda a gente com o Concerto de Primavera. Houve milhares e milhares de pessoas a passarem por ali, muitas delas nunca na vida tinham entrado num equipamento cultural. Foi uma festa muito gira. Os dias de preparação tinham sido loucos, estivemos lá 24 sobre 24 horas. Tivemos a Orquestra Sinfónica, os Madredeus, instalações, tudo o que se possa imaginar. As pessoas olhavam e mexiam nas pedras, tocavam nas paredes, uma coisa perfeitamente incrível. Foi comovente. Isso criou a perspectiva nova de que o CCB era das pessoas, tinha sido feito para as pessoas e não para uma elite cultural.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O edifício já estava a funcionar em pleno nesse dia?
Decorriam obras no Grande Auditório e no Pequeno Auditório, mas decidimos abrir porque o Centro de Exposições já estava pronto. Claro que fomos criticados, houve quem pensasse que aquilo teria de ter começado com o tipo de programação da Gulbenkian, mas não era esse o nosso propósito. Não queríamos nem complementar nem entrar em competição com a Gulbenkian, como é evidente. Teria sido uma estupidez.

Quando em 1991 o governo criou a Fundação das Descobertas (quem em 1999 passou a Fundação CCB), o objectivo era o de fazer da instituição um “agente potenciador e difusor da criação artística e de acontecimentos com repercussão internacional”. Foi o que aconteceu nestes 25 anos?
Acho que sim, estamos todos de parabéns, incluindo os contribuintes, que pagaram o CCB. A primeira grande exposição, “O Triunfo do Barroco”, foi um sucesso em número de visitantes. Criou-se uma apetência enorme. O nosso principal objectivo foi o de criar novos públicos e diversificar a programação, falar para um público jovem e para pessoas que nunca tinham tido acesso à oferta cultural, que era reduzida naquela época. Parece-me que o CCB conseguiu isso, sem dúvida nenhuma.

"Em 1992 a finalização das obras ia a meio, tivemos de readaptar. O centro de exposições, por exemplo, foi adaptado para receber a comunicação social. O Pequeno Auditório funcionou para as reuniões e o Grande Auditório, que ainda nem estava acabado, ficou fechado e tivemos de suspender as obras por causa da presidência das comunidades."

Como é que chegou à administração?
Entrei em 1991 para a Secretaria de Estado da Cultura, no consulado de Pedro Santana Lopes. Ele tinha criado um gabinete de instalação dos espaços culturais do CCB. Eu dirigi esse gabinete. Éramos quatro pessoas: eu, Ruy Vieira Nery na área da música, José Monterroso Teixeira na área dos espetáculos e Teresa Leal Coelho na área das exposições. Começámos a planear a programação, a ideia para o CCB. Quando criaram o espaço, pelo menos na altura em que estudei os dossiers, pensaram num espaço para exposições, um espaço para espetáculos e um centro de reuniões, mas não tinham pensado mais nada em termos do conceito e da programação subjacente. Eu ia acompanhando as obras, com os dois arquitetos autores do projeto. Na altura, o primeiro-ministro Cavaco Silva decidiu que a presidência portuguesa das comunidades seria no CCB. Isto em 1992. A finalização das obras ia a meio, tivemos de readaptar. O centro de exposições, por exemplo, foi adaptado para receber a comunicação social. O Pequeno Auditório funcionou para as reuniões e o Grande Auditório, que ainda nem estava acabado, ficou fechado e tivemos de suspender as obras por causa da presidência das comunidades.

Qual era o seu local de trabalho?
Primeiro, em 91, na própria Secretaria de Estado, no Palácio da Ajuda. Durante a presidência portuguesa, no CCB. Eu estava lá todos os dias, de manhã à noite. Depois dos seis meses da presidência, fecharam o CCB, tivemos de sair e fomos para Alcântara.

21 fotos

À época, a imprensa criticou esse encerramento temporário. Dizia-se que o CCB era um sorvedouro de dinheiro e que as obras nunca mais acabavam.
Sim, acho que esse período foi mal gerido. Houve ali uma certa fricção com o Ministério das Obras Públicas, eles não nos quiseram lá dentro e para nós foi desagradável. Mas hoje consigo perceber: no fundo, estávamos a ocupar espaço e eles queriam poder terminar as obras à vontade. Só voltámos ao CCB em janeiro de 93, mas aquilo ainda não estava preparado para começarmos a trabalhar. Foi uma fase um bocado complicada. Vestimos a camisola. Teve que se fazer a reinstalação de tudo.

Era um edifício-fantasma?
Não havia nada. Ainda nem tínhamos telefones ou computadores. As histórias que tenho desse primeiro mês davam para escrever um livro.

Quer contar um ou dois episódios?
Uma vez abrimos uma porta e caiu o tecto da casa de banho. Noutra, estamos em reunião e entra uma pessoa a perguntar se queremos comprar frangos, porque está uma carrinha de assar frangos à entrada do CCB. Foi hilariante. Uma vez entrou pela sala dentro um operário que saiu por uma porta em frente e depois veio outro atrás dele a perguntar se tínhamos visto um colega dele passar. Engraçadíssimo. Acho que havia um operário que até dormia lá. Uma vez entrámos por uma porta, andávamos a fazer o reconhecimento do edifício, e encontrámos um operário que nos respondeu: “Isto aqui é o meu espaço”. Acho que ele dormia lá, num colchão.

"Acho que não [foi uma boa ideia instalara ali o Museu Berardo], porque aquele espaço não foi pensado para ter ali uma coleção permanente. Foi pensado para nos incluirmos nos circuitos internacionais das exposições itinerantes." 

Qual era o estado de espírito da equipa inicial?
Espetacular. Aquele grupo inicial vestiu a camisola, éramos muito poucos, uma “task force”. Deram-nos as condições mínimas, mínimas para pormos aquilo a andar, um orçamento muito reduzido, eram verbas do Fundo de Fomento Cultural. Acho que trabalhávamos 18 horas por dia, era uma loucura perfeita. Eu saía de casa de manhã e chegava à uma da manhã. Lembro-me de andar lá de jeans e sapatos de ténis a ajudar a montar exposições e na régie a ver como as coisas estavam a funcionar. Fizemos de tudo. Tudo feito à portuguesa, mas com muito profissionalismo. Como tínhamos pouco dinheiro, decidimos, ainda antes da abertura ao público, fazer eventos com lançamento de produtos no Centro de Reuniões, que era o único espaço já terminado. Fizemos, por exemplo, a apresentação de um carro, acho que da Renault, e houve muitas críticas. A comunicação social olhou e pensou: “Então fizeram uma coisa deste tamanho para atividades culturais e agora estão a fazer apresentações de automóveis?” Mas nós precisávamos de angariar receitas para podermos ter dinheiro suficiente para a programação.

O edifício também recebeu críticas, dizia-se que era um elefante-branco ao lado do Mosteiro dos Jerónimos.
Criticavam a localização e o conceito arquitetónico, diziam que parecia uma escultura e não um edifício. Discordei sempre. Acho que o CCB faz um excelente enquadramento à praça, bem melhor do que o que estava antes, que eram umas ruínas, e acho o edifício lindíssimo, fantástico, o espaço interno é fabuloso. No fundo, essas críticas tinham que ver com o tempo que as obras demoraram e o custo. Tudo demorou e custou mais do que o inicialmente programado. Estas coisas são assim, as derrapagens. O dinheiro era do erário público, nós todos é que estivemos a pagar e o mecenato só entrou depois, na programação inicial. Aliás, sem os mecenas, só com as dotações públicas, não se tinha conseguido, de todo, fazer uma programação de qualidade para aquele espaço.

9 fotos

Que concertos ou exposições lhe estão na memória?
Desde logo o primeiro grande concerto com Montserrat Caballé [Setembro de 1993], absolutamente fantástico. Era só por convite, mas tivemos de abrir as portas todas do Grande Auditório porque houve uma afluência de público inacreditável. De repente, chegaram pessoas que não tinham sido convidadas, mas que sabiam do concerto e queriam ouvi-la cantar. Dei ordens expressas para que se abrissem as portas todas para o exterior. Era um concerto de smoking, ou algo assim, como se usava na época, e o público entrou, encheu o Grande Auditório, gente sentada em todo o lado, no foyer, no espaço exterior, tudo. Toda a gente ouviu Montserrat Caballé. Lembro-me de outro espetáculo, quando Lisboa foi capital da cultura em 1994, o “Alice”, de Robert Wilson e Tom Waits. Fui comprar o espetáculo a Hamburgo, uma das coisas mais fantásticas que apresentámos no CCB. Trouxemos a [soprano] Kiri Te Kanawa, os Stomp, imensas coisas. Fizemos uma exposição fantástica sobre veículos espaciais soviéticos, outra sobre a história do cinema em colaboração com a Cinemateca de Turim. Fora do meu papel como diretora cultural, houve coisas excelentes no tempo de Mega Ferreira, de Vasco Graça Moura, a Festa da Música criada por Miguel Lobo Antunes.

Instalar o Museu Coleção Berardo no CCB, em 2007, foi uma boa decisão?
Acho que não, porque aquele espaço não foi pensado para ter ali uma coleção permanente. Foi pensado para nos incluirmos nos circuitos internacionais das exposições itinerantes. Por exemplo, fomos nós que trouxemos pela primeira vez a World Press Photo. Mas essa decisão não foi tomada no meu consulado, é posterior, e não tenho acompanhado a gestão, embora vá lá muitas vezes. Razões haverá para que se tenha decidido nesse sentido, mas penso que não o teria feito. Agora, também não sei com que condições foram confrontadas as posteriores administrações. Se calhar, entenderem por bem ou então não tiveram outro remédio. Eu já conhecia a coleção, foi apresentado um pedido de parecer antes de eu sair, em 1996.

"Hoje há naquela zona um ou dois hotéis, mas na altura não havia nada. Não tenho nenhuma crítica a fazer, pode até ser uma fonte de receita para a programação cultural e para o CCB poder entrar no circuito internacional das exposições."

Ainda hoje se diz que o CCB foi uma obra de regime, quase faraónica. Como é que comenta?
Bem, aquilo quase parece uma mastaba, nesse sentido acho que se aplica dizer que foi uma obra faraónica. Se foi uma obra de regime? Foi feita num determinado momento, é conjuntural.

Marcou uma fase do exercício do poder em Portugal?
Claro que sim. Nesse sentido, dizer obra de regime não é necessariamente mau.

A atual administração quer lançar até junho um concurso público para construção de um hotel e um espaço comercial no CCB. Concorda?
Desde o início que se pensou nisso. Hoje há naquela zona um ou dois hotéis, mas na altura não havia nada. Não tenho nenhuma crítica a fazer, pode até ser uma fonte de receita para a programação cultural e para o CCB poder entrar no circuito internacional das exposições.

17 fotos

Saiu do CCB em 1996…
Na altura, o professor Fraústo da Silva, que foi para presidente da administração, até me convidou para ficar como consultora, mas não tinha nexo. No fundo, aquilo foi um filho meu e eu não ia ficar a ver destruírem imensas coisas…. Uma nova administração tem sempre perspectivas novas, não tinha nexo que eu ficasse como consultora. Gostei muito da passagem pelo CCB, entreguei-me de alma e coração, se calhar era mais nova e tinha outra garra. O CCB é como um filho. Tenho dois filhos e o CCB é como um terceiro filho. Mas tinha a minha carreira como professora universitária. Voltei à Universidade de Évora e depois criei o departamento de ciência política na Universidade Lusíada em Lisboa.

É verdade que foi a primeira mulher a doutorar-se em ciência política na Universidade de Évora?
Exatamente. O meu orientador foi Marcelo Rebelo de Sousa e o meu patrono de sempre, digamos, desde a licenciatura, foi Adriano Moreira. Foram membros do júri na prova de doutoramento. Naquela altura qualquer membro do júri podia arguir a tese. Foi em 1989, um ano extraordinário. Caiu o Muro de Berlim e eu fiz o doutoramento. Foi exatamente na mesma altura.

Assine por 19,74€

Não é só para chegar ao fim deste artigo:

  • Leitura sem limites, em qualquer dispositivo
  • Menos publicidade
  • Desconto na Academia Observador
  • Desconto na revista best-of
  • Newsletter exclusiva
  • Conversas com jornalistas exclusivas
  • Oferta de artigos
  • Participação nos comentários

Apoie agora o jornalismo independente

Ver planos

Oferta limitada

Apoio ao cliente | Já é assinante? Faça logout e inicie sessão na conta com a qual tem uma assinatura

Ofereça este artigo a um amigo

Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.

A enviar artigo...

Artigo oferecido com sucesso

Ainda tem para partilhar este mês.

O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.

Ofereça artigos por mês ao ser assinante do Observador

Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.

Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante . Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.

Atingiu o limite de artigos que pode oferecer

Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.

Aconteceu um erro

Por favor tente mais tarde.

Atenção

Para ler este artigo grátis, registe-se gratuitamente no Observador com o mesmo email com o qual recebeu esta oferta.

Caso já tenha uma conta, faça login aqui.

Assine por 19,74€

Apoie o jornalismo independente

Assinar agora