GES/BES Os arguidos e os crimesde um dos maiores casosda Justiça em Portugal
Começa esta terça-feira um dos maiores processos da justiça portuguesa. Ricardo Salgado é o principal arguido e a ele juntam-se outros 17. Saiba quem são, que funções tinham no universo do Grupo Espírito Santo e por quais crimes serão julgados nos próximos meses.
Dez anos depois da queda do Banco Espírito Santo, o julgamento do processo do caso BES/GES começa esta terça-feira. Serão julgados 18 arguidos — 15 pessoas e três empresas — e mais de 300 crimes.
Da investigação deste caso, que durou cerca de seis anos, resultou uma acusação, deduzida em julho de 2020, que tem mais de quatro mil páginas. O principal arguido é Ricardo Salgado, antigo presidente do BES, que será julgado por 62 crimes e é considerado pelo Ministério Público o autor de todos os esquemas que aconteceram dentro do Grupo Espírito Santo e que deixaram prejuízos de milhões de euros.
Este é um dos maiores processos da história da Justiça em Portugal e vai contar ainda com a presença em tribunal de cerca de 700 testemunhas.
Os arguidos
Clique nas figuras para ler mais
Ricardo Salgado
Amílcar Morais Pires
Isabel Almeida
Francisco Machado da Cruz
Paulo Ferreira
Manuel Fernando Espírito Santo
João Martins Pereira
António Soares
Pedro Pinto
Nuno Escudeiro
Pedro Serra
Pedro Costa
Cláudia Faria
Alexandre Cadosch
Michel Creton
Rioforte
Eurofin
Espírito Santo Internacional (ESI)
×
Ricardo Salgado
Esteve 20 anos à frente do BES e é considerado pelo Ministério Público como o “big boss” do Grupo Espírito Santo. É o arguido que vai responder pelo maior número de crimes (62): 29 de burla qualificada, 12 de corrupção ativa no setor privado, 7 de branqueamento, 5 de falsificação de documento, 4 de infidelidade, 2 de falsificação de documento qualificada, 2 crimes de manipulação de mercado e 1 crime de associação criminosa. Os crimes de burla terão gerado prejuízos superiores a 11 mil milhões de euros.
Para o Ministério Público, Ricardo Salgado criou uma estrutura “composta por empresas e por pessoas” que “permitia a expropriação do BES e o prejuízo dos seus clientes”. Para isso, recrutou José Castella (um dos principais arguidos do processo, mas que em março de 2020 morreu), Francisco Machado da Cruz, Amílcar Morais Pires e Isabel Almeida, “mediante a divisão de tarefas e funções que a cada um se encontravam adstritas”, para um plano que se desenvolveu entre 2009 e 2014.
António Morais Pires
Descrito pelo Ministério Público como um dos “cérebros das operações criminosas”, Amílcar Pires chega agora a tribunal acusado de 11 crimes de burla qualificada, 7 de branqueamento, 2 de falsificação, 1 de infidelidade, 1 de manipulação de mercado, 1 de associação criminosa e 1 crime de corrupção passiva. Foi administrador financeiro do BES, era considerado o homem de confiança de Ricardo Salgado e participou, segundo o Ministério Público, na associação criminosa formada por Ricardo Salgado, tendo, por exemplo, assegurado a venda da dívida própria aos clientes do BES com o objetivo de cobrir perdas irrecuperáveis noutros negócios do banco.
Em conjunto com Ricardo Salgado, Amílcar Pires — que é indicado também como um dos principais arguidos neste processo — terá “criado um mercado de títulos com o único propósito de obter dinheiro de clientes”, refere o MP, acrescentando que “gozou, no GES, de um estatuto remuneratório superior ao conhecido aos demais acionistas de topo do Grupo Espírito Santo”.
Isabel Almeida
A antiga diretora do departamento financeiro, de mercados e de estudos do Banco Espírito Santo vai a julgamento por 19 crimes: 1 de associação criminosa, 1 de corrupção passiva, 11 de burla qualificada, 5 de branqueamento e 1 de manipulação de mercado.
Isabel Almeida reportava diretamente a Amílcar Morais Pires, administrador financeiro do BES, era considerada o seu braço direito e é apontada pelo Ministério Público como um dos membros da associação criminosa liderada por Ricardo Salgado. Isabel Almeida terá sido recrutada por Ricardo Salgado para, entre 2009 e 2014 — ano da queda do banco —, garantir a captação de dinheiro dos clientes do BES para as empresas do grupo. No fundo, defende o Ministério Público, Isabel Almeida terá assegurado a colocação, direta e indireta, de dívida da ESI, da Rioforte, da ES Irmãos, da ES Tourism, da Escom e da Esfil nos clientes do Grupo BES. E terá garantido também que os clientes do banco investiam os seus recursos em papel comercial da ESI e da Rioforte, numa altura em que não era conhecida a situação de insolvência da ESI, nem o risco de integridade patrimonial da Rioforte. Os clientes, defende o Ministério Público, terão sido condicionados, “com base em informação falsificada”, a investir em títulos tóxicos “que, além do mais, não valiam o preço que por eles foi cobrado”.
Francisco Machado da Cruz
Ficou conhecido como “commissaire aux compte” e era o contabilista do Grupo Espírito Santo. O Ministério Público considera que desde 2009, a ESI, holding de topo do GES, estava insolvente e que Francisco Machado da Cruz sabia dessa situação. Aliás, a investigação acredita mesmo que Ricardo Salgado mandou Machado da Cruz fazer atos de “viciação das demonstrações financeiras da ESI”. E terá também avançado com um conjunto de operações de financiamento da ESI na Suíça, no Luxemburgo e no Panamá.
Francisco Machado da Cruz será julgado por 32 crimes. Além de um crime de associação criminosa, chega a este julgamento acusado de 19 crimes de burla qualificada, um de corrupção passiva, 4 de manipulação de mercado — pelas “demonstrações financeiras deturpadas” da ESI —, 2 de falsificação de documentos e 5 de branqueamento de capitais. Em relação aos crimes de burla qualificada, o ex-contabilista do GES é acusado de ter ajudado a gerar prejuízos de mais de 7,2 mil milhões de euros.
Paulo Ferreira
Até 2014, ano da queda do BES, Paulo Ferreira foi diretor do departamento financeiro, que era liderado por Isabel Almeida. Está acusado pelo Ministério Público de um crime de associação criminosa, um crime de corrupção passiva no setor privado, três crimes de burla qualificada, um crime de manipulação de mercado e um crime de branqueamento de capitais.
À exceção do crime de burla qualificada, os crimes de que Paulo Ferreira está acusado — foi o último a ser constituído arguido, em junho de 2020 — estão relacionados com o emprego das mais-valias da venda do BES Luxemburgo na eliminação de passivo do GES. Já os três crimes de burla, defende a acusação, decorrem do uso das unidades do Grupo BES na venda de obrigações de outras empresas do grupo, o que provocou prejuízos ao banco superiores a um milhão de euros.
Mas há mais prejuízos: a acusação do MP aponta ainda 791 milhões de euros de prejuízos por emissões do BES Luxemburgo e mais 813 milhões de euros de perdas pela venda de ações preferenciais de três sociedades veículo do Crédit Suisse e EG Premium a clientes do Grupo BES.
Manuel Fernando Espírito Santo
Vai a julgamento por oito crimes, todos de burla qualificada. Manuel Fernando Espírito Santo é da família de Ricardo Salgado, mas pertence a um ramo diferente — faz, aliás, parte de um dos cinco ramos que integravam o Conselho Superior do Grupo Espírito Santo.
Os crimes de burla qualificada pelos quais será agora julgado estão relacionados com as operações de emissão de dívida e venda de títulos que ajudavam a financiar em cascata as empresas do GES, envolvendo entidades como a ES Tourism, ESB Panamá, a Rioforte, a ES Irmãos e a Esfil. Os prejuízos que resultaram destes crimes rondam, segundo a acusação do Ministério Público, os 3,7 mil milhões de euros.
João Martins Pereira
Em 2003, saiu da PwC, onde era auditor, para o cargo de diretor do BES, por convite de Ricardo Salgado. Será julgado por três crimes de burla qualificada — todos em co-autoria com Manuel Fernando Espírito Santo, José Manuel Espírito Santo, Amílcar Pires, Isabel Almeida, João Martins Pereira e José Castella.
Os três crimes imputados pelo Ministério Público foram alegadamente cometidos em 2014. Num deles, João Martins Pereira é acusado — em conjunto com outros arguidos — de lesar clientes do banco no valor de 336 milhões de euros, através da venda de papel comercial da Rioforte. Noutro crime, é acusado de aplicar dívida da Rioforte que resultou em prejuízos de 1,84 mil milhões de euros para os clientes e, por último, é acusado de colocar dívida da Espírito Santo Irmãos com prejuízos para os tomadores no valor de 184 milhões de euros.
António Soares
Esteve no Departamento Financeiro, de Mercados e Estudos (DFME), onde reportava a Amílcar Morais Pires e a Isabel Almeida. E foi administrador do BES Vida. António Soares chega a julgamento por suspeitas de ter ajudado a montar alegados esquemas de emissão de dívida para financiar empresas do GES e a colocá-la junto de clientes do BES, servindo-se também da constituição de veículos, nomeadamente do Eurofin – segundo a acusação, foi “constituído um núcleo no DFME que, a par do negócio do banco, tratou do negócio que com ele conflituava e que beneficiava Ricardo Salgado”.
Será julgado por um crime de associação criminosa, um de corrupção passiva no setor privado, seis de branqueamento, seis de burla qualificada e um de manipulação de mercado. Os crimes de burla — praticados em coautoria — terão resultado em prejuízos de perto de 4,36 mil milhões de euros.
Pedro Pinto
Passou também pelo Departamento Financeiro, de Mercados e Estudos e esteve no departamento de gestão discricionária de carteiras. As operações em que esteve envolvido, segundo o Ministério Público, terão gerado prejuízos de 4,35 mil milhões de euros. Pedro Pinto será julgado por um crime de associação criminosa, seis crimes de burla qualificada, seis de branqueamento de capitais, um de corrupção passiva, um de manipulação de mercado, um de falsificação de documento e dois de infidelidade.
Nuno Escudeiro
Esteve no Departamento Financeiro, de Mercados e Estudos (DFME), onde reportava a Amílcar Morais Pires e a Isabel Almeida. E foi administrador do BES Vida. António Soares chega a julgamento por suspeitas de ter ajudado a montar alegados esquemas de emissão de dívida para financiar empresas do GES e a colocá-la junto de clientes do BES, servindo-se também da constituição de veículos, nomeadamente do Eurofin – segundo a acusação, foi “constituído um núcleo no DFME que, a par do negócio do banco, tratou do negócio que com ele conflituava e que beneficiava Ricardo Salgado”.
Será julgado por um crime de associação criminosa, um de corrupção passiva no setor privado, seis de branqueamento, seis de burla qualificada e um de manipulação de mercado. Os crimes de burla — praticados em coautoria — terão resultado em prejuízos de perto de 4,36 mil milhões de euros.
Pedro Serra
Pedro Serra chegou a ser subdiretor do Departamento Financeiro, de Mercado e Estudos. Para o Ministério Público, Pedro Serra, em conjunto com outros arguidos como António Soares e Nuno Escudeiro, “aderiram aos fins criminosos da sua hierarquia, a troco, quer da perspetiva de progressão na carreira, quer do pagamento de bónus anuais em dinheiro”. Será agora julgado por um crime de associação criminosa, corrupção passiva, manipulação de mercado, falsificação de documentos e dois crimes de branqueamento.
Pedro Costa
Fez parte da administração da ESAF — Fundos de Investimento Mobiliários e reportava diretamente, segundo o MP, a Salgado e a Morais Pires. Pedro Costa terá dado indicações a trabalhadores para que estes fizessem “transações com títulos a preços díspares dos valores cobrados por outros atores, com o único propósito de transferir liquidez para as sociedades EUROFIN, que a entregaram à ESI para que esta pagasse dívida contraída junto de clientes”, lê-se na acusação.
Será agora julgado por um de corrupção passiva no setor privado, dois de burla qualificada, três branqueamento, um de manipulação de mercado e dois de infidelidade.
Cláudia Faria
Reportava diretamente a Amílcar Pires, era diretora-adjunta do BES, e faz parte do grupo que o Ministério Público acusa de liderar um processo de colocação de dívida da ESI e da Rioforte em clientes do BES, “ao abrigo de programas chapéu, construídos pelo BES”. E terá, juntamente com Pedro Pinto, Alexandre Cadosch e Michel Creton, executado um esquema para que a Eurofin comprasse títulos a desconto e os vendesse temporariamente a clientes do BES por um valor muito superior.
Cláudia Faria vai responder em julgamento por um crime de associação criminosa, um de corrupção passiva no setor privado, dois de burla qualificada e um de manipulação de mercado.
Alexandre Cadosch
Presidente da Eurofin — estrutura que financiava os prejuízos do BES, segundo o MP —, Alexandre Cadosch funcionava como intermediário entre a Suíça e os negócios que a acusação considera ruinosos. Aliás, segundo o Ministério Público, Cadosch terá sido recrutado diretamente por Ricardo Salgado para “realizar, em benefício próprio, negócios com o BES e, assim, captar liquidez, fundamentalmente, junto de clientes do banco”. Terá, juntamente com Pedro Pinto, Cláudia Faria e Michel Creton, executado um esquema para que a Eurofin comprasse títulos a desconto e os vendesse temporariamente a clientes do BES por um valor muito superior.
Alexandre Cadosch será julgado por 18 crimes: um de associação criminosa, seis crimes de burla qualificada, oito crimes de branqueamento, um crime de falsificação de documento, um crime de infidelidade, um crime de manipulação de mercado.
Michel Creton
Tal como Alexandre Cadosch, Michel Creton também trabalhou na Eurofin e chegou, aliás, a ser acionista. À semelhança do outro arguido suíço, Creton terá sido recrutado por Ricardo Salgado para “realizar, em benefício próprio, negócios com o BES e, assim, captar liquidez, fundamentalmente, junto de clientes do banco”, acredita o Ministério Público.
Michel Creton segue para julgamento acusado de 17 crimes: um de associação criminosa, seis de burla qualificada, sete de branqueamento de capitais, um de falsificação de documento, um de manipulação de mercado e um de infidelidade.
Rioforte
Sediada no Luxemburgo, esta empresa — agora em insolvência — foi criada com o objetivo de servir a área não financeira do Grupo Espírito Santo e era detida na íntegra pela ESI (Espírito Santo Investments). Para o MP, a Rioforte “funcionou, na prática, como entidade financeira, que se endividou para conceder empréstimos à ESI e à ESR [Espírito Santo Resources], ficando, tal como os demais credores destas, comprometida com a situação patrimonial negativa e irreversível, das mesmas”.
Em 2009, cinco anos antes da queda do BES, para que fosse possível obter financiamento junto de investidores, Ricardo Salgado terá conseguido aprovar no Conselho Superior do GES “uma estratégia que tornou a Rioforte (contrariamente à ESI) numa empresa com contas auditadas e consolidadas”. Essa estratégia permitiu a venda de papel comercial da Rioforte que lesou clientes do BES em mais de 330 milhões de euros.
A Rioforte vai agora a julgamento por um crime de associação criminosa e seis crimes de burla qualificada.
EUROFIN
Com sede na Suíça, a EUROFIN funcionava como gestora de ativos, mas era também, segundo o MP, financiada com os prejuízos do BES. Ou seja, Ricardo Salgado terá criado na EUROFIN um “um centro de acompanhamento de entidades offshore/Fundos de Investimento que realizaram transações com o dinheiro oriundo dos investimentos dos clientes do BES”. O problema é que nem os órgãos de governo do BES, nem os auditores tinham conhecimento desta tática.
É através da EUROFIN que os dois arguidos já referidos anteriormente — Alexandre Cadosch e Michel Creton — entram neste processo. Terão sido escolhidos diretamente por Ricardo Salgado, tendo ficado como acionistas da EUROFIN.
Em 2009, a EUROFIN já acumulava perdas de “várias centenas de milhões de euros”, mas o mais grave, segundo o MP, é que “tinha instrumentos de dívida vendidos a clientes do BES que estavam a atingir a maturidade e tinham que ser reembolsados”. Uma vez que não existia capacidade financeira para pagar o passivo em questão, Salgado terá utilizado os recursos do BES para financiar as estruturas da EUROFIN. “Foi, então, concebido um esquema fraudulento em que o banco se endividou junto dos seus clientes, através da emissão de obrigações próprias”, refere a acusação. Estas obrigações terão sido apresentadas aos clientes como produtos de rentabilidade garantida. Entre 2009 e 2013, acrescenta o MP, “Ricardo Salgado delapidou o património do BES para satisfazer os seus interesses pessoais, explorados através da EUROFIN”.
A EUROFIN será assim julgada pela prática de um crime de associação criminosa, seis crimes de burla qualificada, seis crimes de branqueamento de capitais, um crime de falsificação de documento e um crime de corrupção passiva no setor privado.
ESI
É uma das holdings estruturantes do Grupo Espírito Santo e vai agora a julgamento por um crime de associação criminosa e um crime de burla qualificada.
No final de 2009, a Espírito Santo Internacional (ESI) estava em bancarrota com capitais próprios negativos de, pelo menos, 961 milhões de euros e a situação agravou-se no final do ano de 2012. E terá sido nesta altura que Ricardo Salgado decidiu manter a ESI “como estrutura chave na captação de liquidez junto de terceiros”, admite o Ministério Público, acrescentando que o então presidente do BES não apresentou, como deveria ter feito, a ESI a escrutínio judicial. O objetivo de Salgado seria então manter a aparência de regularidade das contas da ESI para conseguir empréstimos a esta holding e para garantir ainda a emissão de produtos financeiros destinados aos clientes do BES.
Ofereça este artigo a um amigo
Enquanto assinante, tem para partilhar este mês.
A enviar artigo...
Artigo oferecido com sucesso
Ainda tem para partilhar este mês.
O seu amigo vai receber, nos próximos minutos, um e-mail com uma ligação para ler este artigo gratuitamente.
Ofereça até artigos por mês ao ser assinante do Observador
Partilhe os seus artigos preferidos com os seus amigos.
Quem recebe só precisa de iniciar a sessão na conta Observador e poderá ler o artigo, mesmo que não seja assinante.
Este artigo foi-lhe oferecido pelo nosso assinante .
Assine o Observador hoje, e tenha acesso ilimitado a todo o nosso conteúdo. Veja aqui as suas opções.
Atingiu o limite de artigos que pode oferecer
Já ofereceu artigos este mês.
A partir de 1 de poderá oferecer mais artigos aos seus amigos.