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Insegurança em Lisboa ou mera perceção? Um raio-X aos pontos mais problemáticos da capital

Carlos Moedas fala em zonas em que o tráfico de droga está à vista de todos e os furtos aumentaram. Pede mais polícia nas ruas e mais poder para a Polícia Municipal, o que gerou polémica. Ainda antes do triplo homícidio na Penha de França esta semana, a posição das juntas de freguesia e o retrato do que afinal se passa.

 

O cenário da insegurança em Lisboa traçado pelo Presidente da Câmara Municipal é dramático, com zonas em que o tráfico e o consumo de drogas estão à vista de todos, “praticamente sem qualquer intervenção das autoridades”, com roubos e furtos “um pouco por todo o lado, com incidência nos eixos centrais” e com um “aumento da criminalidade violenta com recurso a armas de fogo e a violência empregue em muitas das ações contra pessoas e comerciantes” — como caso do assassinato de três pessoas na Penha de França na última quarta-feira. A realidade que Carlos Moedas diz ao Observador estar espelhada nos dados mais recentes, como o Relatório Anual de Segurança Interna, tem sido, no entanto, contrariada pelas autoridades (incluindo pela própria ministra da Administração Interna, Margarida Blasco), que preferem falar num aumento do sentimento de insegurança, ou seja, uma perceção com pouca sustentação na evolução dos índices de criminalidade.

Mas, afinal, o crime está ou não a aumentar na capital? Em que se baseia o Presidente da autarquia, o que a PSP e restantes autoridades têm a dizer? E o que se passa em cada uma das freguesias da cidade? O Observador faz um raio-X aos principais problemas de insegurança em Lisboa.

Das 24 freguesias de Lisboa, há pelo menos 15 que têm pontos de preocupação identificados pela polícia — que oficialmente não revela essa informação para não criar estigmas. Mas o Observador explica quais são essas “áreas quentes” da capital, que se dividem em três grandes categorias: zonas de grande aglomeração, zonas de diversão noturna e zonas com ligação ao tráfico e consumo de drogas. Além de tentar perceber ao longo dos últimos dois meses as preocupações em cada uma dessas juntas de freguesia, o Observador questionou também as restantes, onde não estão identificados quaisquer pontos de preocupação pelas autoridades.

Ao Observador, a Direção Nacional da PSP limita-se a garantir que “tem, consecutivamente, incrementado o policiamento nas cidades de Lisboa e do Porto, nas diferentes áreas de preocupação, através do policiamento contínuo e de proximidade, de policiamento discreto (não uniformizado) e de operações planeadas de investigação criminal, de controlo e fiscalização rodoviária, com o constante e permanente empenhamento de diferentes valências dos respetivos comandos territoriais e da Unidade Especial de Polícia”. Na mesma resposta, a PSP destaca ainda a necessidade de “complementar estas ações com um policiamento intensivo em diversos pontos das duas cidades, nomeadamente em zonas de grande aglomeração de pessoas, zonas turísticas e comerciais”. E acrescenta que apenas não identifica os territórios em causa publicamente para “não estereotipar quem neles vive, trabalha ou os visita”.

 

Mapa dos pontos de maior preocupação identificados pela polícia e ainda os problemas detetados por cada junta

[ Clique nas freguesias no mapa para ler mais ]
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Crimes contra a propriedade, furtos por carteiristas, roubos (por oportunidade ou por esticão) e venda ambulante, nomeadamente, de droga falsa ("louro")
Distúrbios e alguns furtos em zonas de diversão noturna
Tráfico e consumo de drogas

“Os dados são claros”, garante Moedas, que critica falta de visibilidade da polícia

Para o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa é claro que há hoje “mais criminalidade e mais criminalidade violenta” na capital, sublinhando que as participações registadas na cidade aumentaram 6,6% e que a criminalidade violenta e grave subiu 1,2% em Lisboa — mas é importante referir que estes dados usados pelo autarca são referentes ao distrito de Lisboa e não à cidade em si. Mas Moedas não se fica apenas pela leitura dos números do último Relatório Anual de Segurança Interna: “O sentimento de segurança e aquilo que consigo percecionar junto das pessoas, das comunidades e dos Presidentes de Junta de Freguesia, é preocupante e naturalmente os dados oficiais poderão não espelhar no seu todo a realidade. Seja por falta de acesso a uma esquadra ou, pura e simplesmente, porque as pessoas consideram, como muitas vezes, referem de ‘que já nem vale a pena’”.

Evolução da criminalidade geral

(A nível nacional aumentou 8,2% / no distrito de Lisboa aumentou 6,6%)



Evolução da criminalidade violenta e grave

(A nível nacional aumentou 5,6% / no distrito de Lisboa aumentou 1,2%)

Os problemas de insegurança, segundo o autarca, são transversais — “eu diria que toda a cidade me preocupa” –, ainda que se sintam de forma intensa “no centro histórico da cidade, nos seus eixos centrais e nas zonas de diversão noturna”, sendo que a situação também se tem “complicado em alguns bairros onde tradicionalmente já existiam problemas como o tráfico e consumo de drogas”. Carlos Moedas refere-se assim ao perímetro da Baixa de Lisboa e pontos de grande aglomeração de pessoas — nomeadamente à noite, como é o caso do Bairro Alto, Cais do Sodré e Santos. Mas, igualmente, a áreas em que as preocupações estão centradas no tráfico e consumo de drogas, como o vale de Alcântara (e toda a Avenida de Ceuta), a freguesia de Santa Clara e a zona do Beato, que concentra grande parte da resposta de todo o município a pessoas em situação de sem-abrigo.

É no que toca ao combate e prevenção do tráfico de droga que o presidente da Câmara Municipal de Lisboa lança críticas à atuação da polícia e demais entidades, dizendo ser uma realidade que acontece “à vista de todos, praticamente sem qualquer intervenção das autoridades”.

Sobre outros tipos de criminalidade, num longo email enviado ao Observador destaca os roubos e furtos — que “acontecem na cidade um pouco por todo o lado” — e a “criminalidade violenta com recurso a armas de fogo”: “A falta de visibilidade da polícia está também na origem de muitos desacatos com agressões graves e perturbação da ordem pública. Ou seja, a prevenção quase não existe, restando apenas a reação e, mesmo nestes casos, apenas quando os meios estão disponíveis”.

E termina, sublinhando que “a segurança é o maior ativo de Lisboa” — um ativo que não “podemos colocar em causa”: “A prioridade só pode ser trabalhar de forma empenhada para o seu reforço”.

E é, precisamente neste contexto, que nos últimos dias (já depois destas respostas ao Observador) veio revelar ter dado instruções à Polícia Municipal, até aqui com funções essencialmente de fiscalização, para fazer detenções — estando agora a procurar uma fundamentação jurídica para esta suposta decisão já tomada, o que está gerar muita contestação. Carlos Moedas descreve, no entanto, a sua decisão como “uma grande mudança na filosofia de atuar na cidade”.

Ministra insiste que o que aumentou foi o sentimento de insegurança

Mas o cenário descrito pelo autarca tem outras leituras. Numa grande entrevista concedida ao Observador, a ministra da Administração Interna, Margarida Blasco, defendeu em julho que era preciso haver “mais patrulhamento na cidade”, salientando estarem “identificados os chamados ‘pontos negros’”, numa referência às áreas de preocupação identificadas pela PSP e que o Observador revela agora em mapa: “Isto é um trabalho que é cruzado com outro tipo de áreas, porque eles também têm a divisão de informações. É um trabalho depois operacional, que é feito nos comandos e eles sabem fazer a tal análise, no sentido de fazer deslocar as equipas”.

Na mesma entrevista, Blasco falou no reforço de policiamento de rua, como a principal medida a ser tomada para combater o que diz ser o sentimento de insegurança. Mas, se concorda com Carlos Moedas na parte de ser necessário maior visibilidade, a ministra contestou que o crime esteja efetivamente a crescer.

Entrevista de Margarida Blasco ao Observador, 10 jul 2024

“Nós podemos falar aqui de segurança e insegurança. Perceciona-se que haja uma maior insegurança, mas — tenho sempre um mas — aquilo que entendo é que Portugal continua a ser um país muito seguro. Agora, existe efetivamente uma mudança em termos cartográficos, em termos de pessoas, e é preciso conhecer essa realidade. Se as pessoas começarem a ver que há mais polícias, e o engenheiro Carlos Moedas também tem a Polícia Municipal que também anda na rua, têm um sentimento de segurança. Mesmo que ela não seja visível, porque muitas vezes trabalham à civil. Queria deixar uma mensagem no sentido de as pessoas poderem confiar na polícia”, disse.

Entrevista a Margarida Blasco: Como ministra da Administração Interna não admito qualquer xenofobia ou radicalismo dentro da polícia

Sobre as preocupações do autarca de Lisboa em relação à evolução dos índices de criminalidade, a ministra foi clara sobre o que pensa: “Não quero contrariar aquilo que o senhor Presidente da Câmara de Lisboa disse. Faço o discurso pela positiva: a polícia está a trabalhar para uma polícia efetiva de proximidade. E aquilo que nós queremos é que as pessoas confiem na sua polícia e que vejam a polícia na rua — porque ver mais polícia na rua diminui esse sentimento. Não é que haja mais insegurança, é o sentimento — e aí já é uma perceção que parte de cada um e nós tentamos ler e traduzir. É por isso que nós estamos a trabalhar. E realmente a visibilidade, carros mais caracterizados, por exemplo, pode fazer aumentar a sensação de segurança”.

“Sentimento de segurança não se cria só com mais polícias na rua”, responde PSP

A Direção Nacional da PSP defende, no entanto, ao Observador, que os problemas que existem não se resolvem apenas com uma maior visibilidade, nomeadamente o sentimento de insegurança de parte da população. “Sem prejuízo da constante e permanente análise e avaliação das dinâmicas sociais, culturais e criminais das nossas áreas de responsabilidade, e da firme ambição na melhoria de bem servir os nossos cidadãos que todos os dias queremos alcançar, é nossa convicção que para melhor servir é também importante esclarecer que o sentimento de segurança não se cria somente com mais polícias na rua”.

Sobre a Baixa de Lisboa, a PSP afirma mesmo que a criminalidade diminuiu no primeiro semestre deste ano, em comparação com o mesmo período de 2023 — na freguesia de Santa Maria Maior, em Lisboa, “tanto a criminalidade geral como a criminalidade violenta e grave diminuíram, comparando com o período homólogo do ano transato”.

O Observador apurou ainda que, numa análise mais ampla, o Comando Metropolitano de Lisboa da PSP também registou, no primeiro semestre, uma diminuição de 13,97% da criminalidade geral denunciada na sua área de responsabilidade (9 concelhos do distrito de Lisboa).

E, por isso, algumas das respostas que têm de ser dadas não passam sequer pela atuação da polícia. Segundo a Direção Nacional, “além de mais e melhor policiamento, é também importante detetar, analisar e intervir junto de diferentes problemas socioculturais e económicos existentes nos nossos territórios”.

Os problemas segundo a PSP

  • Falta de iluminação pública;
  • Degradação do espaço público;
  • Falta de habitação e sobrelotação da que existe;
  • Problemas de adição e falta de apoio/intervenção social nesta área;
  • Deficiente integração a quem chega ao país;
  • Necessidade de revisão do licenciamento dos estabelecimentos de restauração e bebidas, nomeadamente em relação aos horários;
  • Falta de implementação da vídeo proteção.

A PSP desmente ainda a falta de visibilidade e de policiamento preventivo denunciada por Carlos Moedas: “Estamos determinados em fazer das preocupações dos cidadãos as nossas preocupações, pelo que a Polícia de Segurança Pública desenvolve o seu esforço de planeamento operacional e gestão dos seus recursos atendendo, em primeiro lugar, a um policiamento preventivo, e em segundo em corresponder aos fatores criminológicos habituais e aos fatores criminológicos de exceção e, por último, às situações de sobressalto social, em especial do sentimento de insegurança das populações”.

Sublinhando que a polícia “e os seus polícias” “estão disponíveis para apoio e auxílio à população 24 horas por dia, 365 dias por ano, quer com atendimento permanente para receção de denúncias e participações, quer com resposta no terreno com meios auto e apeados”, a Direção Nacional da PSP apela “a toda a população que denuncie todos os crimes que tenha conhecimento, quer na condição de vítima ou testemunha”: “Quanto mais célere for esta denúncia, mais depressa serão efetuadas diligências para se chegar à identificação do(s) autor(es) do(s) crime(s).

Para que o seu trabalho tenha melhores resultados, a PSP lembra que conta com o apoio de todas as entidades. “A PSP tudo continuará a fazer em prol dos portugueses, de quem escolhe Portugal para viver e de quem nos visita, comprometendo-se com mais e melhor trabalho, com mais e melhor serviço, contando naturalmente com o apoio de todas as entidades com responsabilidade nas matérias acima referidas”, como é o caso da Câmara Municipal de Lisboa.

Câmara de Lisboa diz estar a fazer a sua parte

Concordando que o “fenómeno do aumento da criminalidade e do sentimento de insegurança deverão ser combatidos através de uma estratégia nacional”, Carlos Moedas dá conta de que o Governo tem “a especial responsabilidade de dar uma resposta de forma integrada”. Já no que respeita à parte da autarquia, tudo está a ser feito, adianta: colabora “com tudo o que lhe é solicitado e também com iniciativas próprias, como são o caso de apoios na habitação para polícias deslocados ou instalações para funcionamento de esquadras de proximidade”.

Sobre a Polícia Municipal de Lisboa, Moedas explica que esta tem um “papel fundamental” e “tem um registo muito proativo”. “Se fizermos uma comparação com o efetivo da PSP na Área Metropolitana de Lisboa, estamos numa proporção de 426 para mais de 6 mil polícias da PSP na cidade. Nas suas áreas de competência tem aumentado os seus índices de eficácia e de motivação, o que muito se deve à ação de comando e à valorização que tenho procurado dar aos nossos agentes da Polícia Municipal”, diz, acrescentando que tem trabalhado para “otimizar os recursos existentes”, de forma a “libertar mais polícias para as ruas”.

“Nas suas áreas de competência, a Polícia Municipal tem aumentado os seus índices de eficácia e de motivação, o que muito se deve à ação de comando e à valorização que tenho procurado dar aos nossos agentes da Polícia Municipal”

Citação de Carlos Moedas ao Observador

Defendendo que “o problema de fundo é o recrutamento para a PSP” — que tem competência por definir toda a responsabilidade e estratégia de Segurança na cidade –, Moedas explica que isso tem implicações na Polícia Municipal: “Precisamos de mais 200 desde o início do mandato e recebemos apenas 25 elementos”. Ainda assim, o balanço traçado do trabalho desta polícia é positivo, desenvolvendo projetos de policiamento comunitário em 14 territórios da cidade, em colaboração com as forças de segurança, com a finalidade de procurar criar um clima de paz social e de perceção de segurança, nas comunidades locais, desde logo, pela maior visibilidade”, diz o autarca ao Observador, insistindo: “A visibilidade é fundamental”.

Aliás, a falta de meios é transversal e Moedas assume ser necessário valorizar os polícias, que diz “conhecer bem”: “Não tenho dúvidas de que são homens e mulheres que dão tudo o que têm e, grande parte das vezes, em condições muito difíceis. Têm de ser mais reconhecidos e valorizados e também com melhores meios para o desempenho crucial das suas funções ao serviço da população.”

O Observador colocou algumas questões sobre a segurança na cidade à Polícia Municipal de Lisboa, que encaminhou todos os esclarecimentos para a Polícia de Segurança Pública.

Polícia Marítima garante ter registado mais crimes na sua área e aposta na visibilidade

Nas áreas da responsabilidade da Polícia Marítima os crimes têm aumentado. Ao que o Observador apurou, nas praias da grande Lisboa, como as da Costa da Caparica, começa a preocupar o fenómeno das rixas entre gangues juvenis. No final de julho houve vários incidentes com facas, que continuaram no início de agosto. Numa das situações, um jovem foi brutalmente agredido ao final da tarde, pelas 18h, levando mesmo a que esta polícia marítima aumentasse o dispositivo. A maioria dos grupos estão identificados, havendo uma relação com o consumo e pequeno tráfico de droga. Na prática, estes jovens acabam por se reunir nos areais à volta da cidade — vindos de bairros de Lisboa e da margem sul –, transformando a praia em campos de batalha para ajustes de contas.

O fenómeno da violência entre grupos de jovens, ainda que com contornos diferentes, é também destacado pela junta de freguesia de Benfica (ver mapa), onde se tem assistido a alguns incidentes e rixas, o que é já considerado uma preocupação.

Ainda que diga não se querer pronunciar sobre casos em concreto, a Polícia Marítima diz que, “atualmente, é a atividade criminal associada aos fenómenos grupais juvenis que constitui a maior preocupação” na sua área, confirmando que é “consideravelmente mais expressivo nos espaços balneares frequentados pelas populações das áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto”.

Além destes “grupos de jovens que se deslocam com enorme facilidade através da atual rede urbana de transportes públicos e se concentram diariamente nas praias, locais onde têm vindo a provocar desacatos”, a Polícia Marítima diz estar também estar atenta e preocupada com “a questão das concessões na praia que, sendo para apoio balnear, se têm transformado em estabelecimentos de diversão e atraem milhares de pessoas ao longo do Verão”. Dado o grande afluxo de pessoas, adianta a mesma fonte, “é natural que as atividades ilícitas, de natureza contraordenacional e criminal, também aumentem neste contexto”.

O que diz o RASI sobre crimes praticados por gangues em Lisboa

“A criminalidade grupal, definida como o cometimento de crime por três ou mais suspeitos, também assinala um aumento de 14,6% nas ocorrências registadas. Este fenómeno tem apresentado maior incidência nas áreas metropolitanas, em especial nas Zonas Urbanas Sensíveis (ZUS), caracterizando-se maioritariamente pela formação espontânea de grupos de jovens com uma idade média de 23 anos, motivados por fatores de lealdade e identificação de grupo com o bairro, com o género musical ou meio escolar frequentado, e centrados essencialmente na prática de roubo, furto, ofensa à integridade física e ameaça”

No que toca à violência associada a grupos juvenis e de jovens, os suspeitos têm idades entre os 15 e os 25 anos, com uma considerável expressão na Área Metropolitana de Lisboa.

“Continuam a verificar-se algumas dinâmicas associadas a rivalidades entre grupos oriundos de diferentes zonas ou bairros da área metropolitana. Esses conflitos costumam ser referidos em músicas e videoclips de subculturas musicais que apresentam referências hiperlocais e hiperpessoais (especificamente a uma área geográfica, ocorrência em particular, indivíduo ou data específica). A esse respeito, importa destacar o papel desempenhado pelo digital, nomeadamente as redes sociais, que se apresentam como extensão do grupo e do próprio bairro”.

Fonte: RASI 2023

Tendo em conta todos estes fenómenos, para a Polícia Marítima não há dúvidas de que mais do que uma mera sensação, hoje há mais insegurança: “Objetivamente, e de acordo com os dados do último Relatório de Segurança Interna publicado, foi registado um aumento no último ano, tanto na criminalidade geral, como na criminalidade violenta e grave. Em linha com essa tendência, a Polícia Marítima registou, em 2023, mais 37 crimes do que havia registado em 2022 (906 e 869, respetivamente)”. E para tentar contrariar “o sentimento de insegurança que possa eventualmente estar a aumentar”, a Polícia Marítima revela que “tem vindo a desenvolver um importante esforço na gestão dos seus recursos, procurando adotar, na maior extensão possível, um modelo preventivo e de proximidade ao cidadão”.

Em paralelo, esta força de segurança diz estar a desenvolver “diversas operações de vigilância”, com vista “à análise situacional de determinados locais e à análise preditiva de futuras ocorrências, assim como ao nível da recolha de informações operacionais que permitam uma atuação mais oportuna e dirigida”. E, para que a prevenção e o combate a estes crimes sejam eficazes, é fundamental a cooperação policial entre forças e serviços de segurança, “como vem sendo demonstrado, nomeadamente, pela implementação dos planos de segurança existentes em determinadas praias (que envolvem a Polícia Marítima, a PSP, a Polícia Municipal e a GNR)”.

Ao Observador, a Polícia Marítima diz ainda ser “necessário continuar a realizar um reforço de visibilidade da autoridade do Estado junto da população, incluindo operações dirigidas de combate à criminalidade em toda a área de jurisdição, em cooperação com outras forças e serviços de segurança”. O que nem sempre é fácil, dado os recursos existentes, tornando-se, por isso, “imperativo continuar a fazer uma gestão eficiente dos elementos da Polícia Marítima, maximizando o patrulhamento e a presença visível em zonas criteriosamente identificadas, promovendo junto da população e, em particular, dos frequentadores das áreas balneares, o aumento do sentimento de segurança”.

A terminar, esta polícia reconhece a “carência de efetivos”, dizendo que “para o mitigar está em curso a formação de 50 agentes, estando ainda previsto este ritmo de recrutamento anual manter-se nos próximos quatro anos”.

Estações, terminal de cruzeiros e aeroporto também são pontos de preocupação

Ao que o Observador apurou, a PSP define como pontos de especial preocupação algumas infraestruturas, como o aeroporto de Lisboa, da Gare do Oriente, a estação de Santa Apolónia, a de Entrecampos e o terminal de Cruzeiros — tudo por serem locais de grande aglomeração e de entrada de pessoas na cidade (e no país).

Ao Observador, a Administração do Porto de Lisboa (APL), questionada sobre os desafios de segurança e indicadores de criminalidade em infraestruturas como o terminal de cruzeiros, garantiu que “todos os terminais portuários do Porto de Lisboa cumprem a legislação relativa à existência e implementação de planos de proteção que visam prevenir a introdução ilícita de pessoas ou objetos nos cais e navios”. “Estes planos são ferramenta eficaz, pois asseguram mecanismos de proteção que, no entanto, apenas se refletem dentro das instalações portuárias e das embarcações nelas acostadas. Deste ponto de vista, nenhum indicador nos leva a crer existir um aumento da prática de atos ilícitos ou criminosos, dentro dos terminais portuários do Porto de Lisboa”, explica ainda.

MIGUEL A. LOPES/LUSA

Salientando não ter intervenção nem ser sequer “indiretamente parte da ação policial organizada para combate à criminalidade”, a APL afirmou não ter outros dados que não os do Relatório de Segurança Interna de 2023: “Por esse motivo reforçamos que no exterior dos terminais do Porto de Lisboa e em termos de tendências gerais, apenas as autoridades policiais ou judiciais se poderão pronunciar sobre o tema da segurança e do policiamento”.

Já a CP – Comboios de Portugal respondeu que segurança nas estações “é da responsabilidade da Infraestruturas de Portugal”, rementendo todos os esclarecimentos para esta entidade, que não respondeu até à publicação deste artigo. Também a ANA – Aeroportos de Portugal, questionada sobre os desafios de segurança no Aeroporto de Lisboa, não enviou qualquer resposta às questões colocadas.

“Nunca como agora circularam tantas drogas em Portugal”

Campo de Ourique, Santa Clara, Lumiar e Beato — estas são algumas das juntas de freguesia que explicam ao Observador que parte dos problemas nas suas zonas estão relacionados com o tráfico e o consumo de drogas, com especial destaque para a situação no vale de Alcântara e na Avenida de Ceuta.

João Goulão, presidente do conselho directivo do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD), conhece bem a realidade e explica ao Observador que a sensação de insegurança descrita nesses pontos da cidade de Lisboa “não é apanágio único de Portugal”. “Vem sendo sentido em muitos locais do espaço europeu, não é por acaso que, por exemplo, o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, que se centrava muito no acompanhamento das questões relacionadas com a saúde, com a oferta de tratamento, de estratégias preventivas relacionadas com drogas, foi agora transformado em agência europeia para as drogas, com um mandato reforçado no âmbito das questões ligadas à segurança”.

O médico afirma que para esta realidade contribuem tanto as características da população consumidora, como as próprias substâncias que circulam e os próprios padrões de consumo — “o policonsumo”. Sobre relatos de consumo de substâncias como o gás de isqueiro em zonas da cidade como o Beato, João Goulão confirma que são diversas as substâncias utilizadas atualmente: “A questão do gás ilustra bem o que estava a dizer. As pessoas estão a utilizar uma panóplia alargadíssima de substâncias que alteram o seu estado de consciência”. E na base de tudo pode estar uma “manifestação de um sofrimento social que vem crescendo também em toda a Europa”, justifica.

Além do gás de isqueiro, destaca um “surto, que parece ter diminuído, de utilização do gás hilariante (óxido nitroso)”. Em causa está, como no caso do gás de isqueiro, um produto lícito, usado em várias atividades lícitas. Mas, no caso do óxido nitroso, depois de se detetar que estava a ser usado como droga, este acabou por ser “incluído na lista de substâncias psicoativas e viu a sua comercialização para uso recreativo dificultada”. Além disso, assiste-se a um “uso muito significativo de medicamentos psicotrópicos fora do uso terapêutico”.

São muitas as substâncias usadas hoje, além das que são vulgarmente chamadas de “drogas clássicas, que são proibidas ou de uso ilícito”, sublinha o médico ao Observador, a propósito da situação vivida na cidade de Lisboa. “Nunca como agora circularam tantas drogas em Portugal. O uso de substâncias lícitas, como o álcool, como os medicamentos, juntamente com substâncias ilícitas, com novas substâncias psicoactivas — os tais coquetéis — faz com que possa dizer isso. Quando digo que nunca circularam tantas drogas, é no sentido da diversidade e não da quantidade disponível”.

No caso do antigo Casal Ventoso, João Goulão garante que os problemas que existem atualmente naquela zona de Alcântara só vão aumentar se nada for feito. “Enquanto não conseguimos satisfazer as necessidades básicas dos nossos cidadãos e daqueles que se vão juntando a nós também — integração na sociedade, acesso à habitação, aos cuidados de saúde, aos níveis mais básicos de cidadania — estes problemas só podem aumentar”.

Sobre o que se passa naquela área da cidade, o médico alerta para o risco de cristalização do fenómeno. “As pessoas vão migrando, vão passando de um local para o outro território. E é importante que esses territórios não cristalizem como o polo de atração e de fixação”, afirma, acrescentando que é isso que pode estar a acontecer de novo no Vale de Alcântara.

Aumentou o número de detidos por tráfico de droga

“No que concerne ao tráfico de estupefacientes, o território nacional possui características geográficas muito específicas que propiciam operações de tráfico destas substâncias, desenvolvidas por organizações criminosas de âmbito transnacional, as quais introduzem quantidades significativas de cocaína e haxixe em território nacional, com a colaboração de grupos criminosos de origem portuguesa e com o principal intuito de abastecer o mercado dos países europeus. De destacar os aumentos no número de detidos por tráfico de estupefacientes (+9,2%) e das apreensões efetuadas (+13,6%).”

Fonte: RASI 2023

Em outras áreas, como o Beato, que acolhe uma parte significativa das respostas à população em situação de sem-abrigo (em que se registam percentagens elevadas de pessoas com dependências de álcool e drogas), João Goulão acredita que “haveria vantagem em diversificar esse tipo de respostas em vários territórios da cidade, porque senão os poucos existentes transformam-se também em polos de atração e só vão crescer”.

Sobre as drogas clássicas, o especialista lembra a predominância da heroína nas décadas de 80 e 90 — e como a estratégia seguida em Portugal foi eficaz: “Fomos conseguindo, paulatinamente, mas fomos conseguindo esses progressos. Neste momento temos limitações ao nível da capacidade de resposta para oferecer tratamento. O ICAD foi constituído com alguma efetividade a partir de apenas de 1 de abril, estamos ainda nos primeiros passos, mas um dos grandes objetivos que temos é eliminar listas de espera e permitir um acesso facilitado a todos aqueles que pretendem tratar-se”.

Atualmente há, no entanto, desafios maiores, nomeadamente com a proliferação do crack. “As pessoas quanto mais usam, mais querem usar. Por outro lado, em muitos casos, e contrariamente ao que acontecia com os nossos conhecidos utilizadores de heroína, que eram tipicamente pessoas cordatas, pouco dadas à violência, os utilizadores de crack passam, com alguma facilidade, ao ato. São mais difíceis de tratar, menos fáceis de lidar, em boa verdade.” Além disso, exemplifica, em relação ao crack, não há “armas terapêuticas como temos em relação à heroína, com a substituição por opiácio, com medicamentos que aliviam o sofrimento pela carência, nomeadamente a metadona, e que nos permitem contribuir para o equilíbrio das pessoas e para estar em tal processo de doença”.

A disseminação do crack e o que esta droga provoca nos utilizadores é, por isso, mais um motivo que pode impactar na segurança ou sensação de insegurança em determinadas áreas. “Está disseminado, ganhou muito dos espaços que umas décadas atrás eram ocupados pela heroína. Tudo por ser mais barato e porque a heroína se autodesprestigiou, digamos assim, por ser associada à ideia da degradação”. Ainda assim, remata, o crack ainda não é o principal gerador de problemas no que toca a dependências: “Colocaria em primeiro lugar o álcool, mas logo em segundo lugar o crack”.

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