Para a maioria dos lisboetas, chamar um táxi, chamar uma ambulância ou encomendar uma pizza é uma tarefa relativamente fácil: basta fazer um telefonema, explicar o que se quer e dizer em que rua se mora. Depois, é esperar. Para os moradores da urbanização Nova Amoreiras a situação é mais complicada. Apesar de o condomínio se situar no centro da capital e de estar ocupado desde 2012, as duas ruas que o compõem ainda não têm nome.

Na Nova Amoreiras, os moradores desesperam por as ruas não terem nome, a polícia é constantemente chamada a regular o estacionamento e a câmara municipal só tem solução para um arruamento, mas ainda não sabe quando será implementado.

Situada nos terrenos onde antigamente se erguia o Colégio Marista, numa zona conhecida como Quinta do Mineiro, a urbanização Nova Amoreiras tem como único acesso uma artéria aberta no que antes era um prédio da Rua Artilharia 1. Essa artéria, que depois conflui com a Travessa das Águas Livres e liga à Rua das Amoreiras, não tem nome, tal como a rua que parte dessa e termina numa rotunda que serve a entrada de serviço dos prédios de habitação e escritórios.

A situação está longe de ser desconhecida para a Câmara Municipal de Lisboa. Aliás, no site Lisboa Interativa, da autarquia, os dois arruamentos estão identificados como “Rua Sem Nome”.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

rua_sem_nome770

Captura de ecrã do Lisboa Interativa onde é possível ver a “Rua Sem Nome”

 

Atualmente, à falta de nomes para as ruas, toda a zona é conhecida simplesmente como urbanização Nova Amoreiras, como garantiu ao Observador um agente da polícia que patrulhava a zona. A morada oficial, e aquela para onde todo o correio daqueles prédios é endereçado, é a Rua Artilharia 1, números 71 a 77, um edifício que não existe.

Mas nem é o correio o que mais preocupa os moradores. Nos dois edifícios de habitação moram cerca de 40 famílias e o edifício de escritórios, com entrada pela Avenida Duarte Pacheco, está ainda longe da capacidade máxima. Como as ruas não têm nome, a Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa (a EMEL) não pode regular o estacionamento e este é feito de forma desordenada praticamente todos os dias, como garantiu ao Observador um morador da urbanização que pediu para não ser identificado. Nestes prédios, – onde um apartamento T5 pode custar mais de 1,5 milhões de euros e o arrendamento de um T2 chega a custar mil e quinhentos euros mensais – moram pessoas de uma classe média-alta e algumas figuras públicas, pelo que o pedido de anonimato é constante.

“Todos os dias temos carros a ocupar passeios, passadeiras e portões, incluindo o portão de acesso de bombeiros”, conta um dos habitantes, que receia que a ocupação progressiva do edifício de escritórios venha a piorar a situação. O caos no estacionamento leva a que as chamadas para a polícia sejam frequentes. “Estamos dez minutos só para identificar a zona”, conta. Fruto de as ruas não terem nome, a própria polícia não se entende: “Consoante o dia, somos direcionados para as esquadras do Rato, de Campo de Ourique ou de Campolide”.

Contactada, a esquadra da PSP do Rato esclarece que a zona é da sua responsabilidade, tal como consta, aliás, do já referido Lisboa Interativa.

Rua Sem Nome2

Captura de ecrã do Lisboa Interativa, onde se vê que a urbanização fica na zona de jurisdição da Esquadra nº 22, a do Largo do Rato

Eu policio, tu policias

Junto ao portão que dá acesso a um pequeno jardim interior – e que tem a indicação de que é para serviço de bombeiros – estão colocados alguns pilaretes em plástico que, ainda assim, não impedem o parqueamento de carros mais pequenos. A rotunda fronteira, com uma área calcetada a rodear um relvado, também é usada para deixar o automóvel ilegalmente, o que impede que um veículo pesado se movimente.

Num dos dias em que o Observador visitou o local, a administração do condomínio tinha colocado alguns pinos triangulares na estrada para impedir que os automóveis bloqueassem a entrada dos bombeiros e por ali pudesse entrar um camião que vinha fazer uma entrega de mobiliário de jardim. No entanto, alguém chamou a polícia e tanto o condutor do camião como o responsável pelo condomínio foram avisados de que a colocação daqueles pinos não era permitida e foram multados. Foi a segunda vez que o condomínio tentou receber o mobiliário de jardim, sem sucesso. A menos de 100 metros, outra patrulha policial – esta chamada pelos moradores da zona – multava dezenas de automóveis estacionados nas faixas de rodagem. 

No portal “Na minha rua”, usado pelos munícipes de Lisboa para fazerem queixas e pedirem à câmara ações específicas nos seus bairros, há pelo menos sete entradas relativas às ruas sem nome das Amoreiras.

“(nem sei como classificar esta ocorrência, a opção “rua sem nome” não está disponível). Vivo há 2 anos e meio nesta rua, aberta ao trânsito há mais de 3 anos, e a mesma continua sem nome atribuído, tal como a outra construída no projeto Quinta do Mineiro. Já escrevemos para a CML, mas não há resposta. Isto é muito pouco prático quando alguém tem que se deslocar a minha casa, pois a morada oficial é “Rua Artilharia Um”, seguida de um número que não existe (!). Completamente incompreensível!”, lê-se numa delas.

Numa outra, pode ler-se:

“A rotunda é utilizada para estacionamento. Apesar de a PSP já ter ido lá multar várias vezes, a situação mantém-se. O estacionamento na rotunda inviabiliza o acesso de um carro de bombeiros ao portão existente no empreendimento Nova Amoreiras para esse efeito. Se houver um incêndio em algum dos 4 edifícios que compõem o empreendimento não há qualquer maneira de os bombeiros lá chegarem. Esta situação é grave e urgente e ninguém parece interessado em resolver. Aguarda uma tragédia?”

Rua Sem Nome1

Captura de ecrã do Google Maps, que ainda mostra toda a área antes de haver ali qualquer edifício novo

Uma rua para um arquiteto, a outra…?

A urbanização Nova Amoreiras esteve, desde o início, envolta em polémica. O projeto inicial para os terrenos do antigo Colégio Marista é de 2002, mas foi alterado em 2006 e passou a permitir maior densidade de construção. Os moradores das redondezas mostraram-se sempre contra aquela construção, alegando que violava o Plano Diretor Municipal (PDM) da altura.

Segundo Filipa Veiga, coordenadora cultural da Junta de Freguesia de Santo António, “já foi pedido” que se atribua um nome à rua entre a Artilharia 1 e a Travessa das Águas Livres “a meio de 2014”. A responsável admite que a prioridade da junta foi melhorar as infraestruturas da área antes de tratar do topónimo. A zona, disse, esteve “quase um ano sem eletricidade” pública, pelo que foi nesse sentido que foram desenvolvidos os primeiros esforços.

Um técnico do núcleo de toponímia da Câmara Municipal de Lisboa confirmou ao Observador que, para a referida rua, há um nome proposto, que foi aceite pela Comissão Municipal de Toponímia, tendo agora que ser votado favoravelmente numa reunião camarária. De acordo com o gabinete da vereadora da cultura, Catarina Vaz Pinto, que tem o pelouro da toponímia, ainda não há data prevista para que o nome da rua seja discutido. A Junta de Freguesia de Santo António propôs que aquela artéria se chame Arquiteto Cosmelli Sant’Anna.

Para a outra rua, onde se situam as entradas de pelo menos dois edifícios e onde está localizada a rotunda, ainda não há proposta de nome nem previsão de quando tal venha a acontecer. Para já, esses 100 metros de alcatrão estão numa lista de arruamentos disponíveis para receber um topónimo. Enquanto isso não acontece, os moradores da zona continuarão a ter dificuldades em chamar um táxi, uma ambulância ou, simplesmente, encomendar uma pizza.