Sim, já se sabe que só a Bíblia compete em matéria de edições com o catálogo da Ikea e que até já existe um avaliador económico chamado Índice Billy, de tal modo que esta estante do Ikea se tornou um objeto comum a milhares de casas espalhadas pelo mundo. Mas a Ikea é muito mais que um gigante do mobiliário. Veja as fotografias e descubra o mundo paralelo que se criou à volta desta marca sueca.

IKEA Heights

Chama-se IKEA Heights e foi filmada numa loja do Ikea na Califórnia. Os autores da série não tinham nem estúdio nem cenários montados para gravar. Mas também nada disso lhes fazia falta. À espera deles estava uma loja Ikea com tudo o que podiam vir a precisar. Afinal, numa loja Ikea existe muito mais que aquilo que o realizador de uma série precisa ou que exige e muitas vezes não tem: quartos, cozinhas, escritórios, iluminação e milhares de figurantes (os clientes da loja) com aquele ar natural de quem não sabe que está a entrar num filme. Climatização, acessórios e iluminação também não eram problema: tudo isso existe à borla no Ikea. Por que não aproveitar? Eles aproveitaram e gravaram IKEA Heights (fotos 12 a 18). Sem autorização mas com muito desembaraço.

Como todas as novelas, esta também tem traições, um homicídio (na secção das almofadas), um detetive e zangas amorosas. Vale a pena ver. A Ikea diz que não sabia de nada, mas no mínimo devia patrocinar os argumentistas! E já agora também os atores, que nos almoços para tratar de assuntos sérios que não faltam em qualquer soap se empanturram com aquelas almôndegas de sabor inclassificável.

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Escondidas proibidas

Outra empresa talvez tivesse reagido com processos e pedidos de indemnização. Mas não a Ikea. Na verdade, a única atividade que a Ikea proibiu nas suas instalações foi uma simples brincadeira. Mais propriamente, a Ikea proibiu o jogo das escondidas que até começara por tolerar: no ano passado, 500 pessoas jogaram ao esconde-esconde numa das lojas que a Ikea tem na Bélgica e, pelo menos a avaliar pelas fotografias (fotos 19 a 24), divertiram-se muito.

Escondiam-se quase sempre no meio dos sacos e das almofadas mas houve outras opções um pouco mais imaginativas. O problema é que muitos milhares de holandeses, alemães e e belgas manifestaram interesse em participar nos próximos jogos: em abril deste ano tornou-se viral uma mensagem colocada no Facebook onde se anunciava um jogo de escondidas para uma loja Ikea na zona de Amsterdão. A loja de Utrech também estaria no roteiro de milhares de adultos desejosos de brincar às escondidas. Foi criada mesmo uma página no Facebook chamada “I would love to play hide and seek in Ikea!” que tem 128 mil gostos.

Face à possibilidade de ter dezenas de milhares de pessoas a brincar às escondidas dentro das suas lojas, o Ikea invocou razões de segurança para proibir tal atividade. Os brincalhões procuram agora outras empresas em cujas instalações possam libertar a criança que têm dentro de si, mas não é fácil, pois dificilmente alguém ultrapassará a tolerância do Ikea para com as idiossincrasias dos seus clientes.

Na China, tudo se faz no Ikea

Por exemplo, já viram as imagens das lojas Ikea na China? Lá os clientes dormem (25 a 31). Dormem nos sofás e dormem nas camas com aquela descontração que recai sobre os orientais no momento em que desatam a dormir no meio da rua. Ou de uma loja. Que além de ar condicionado tem em abundância o espaço que falta nas casas de muitos chineses.

Vindo não se sabe de onde, correu este ano um boato: o Ikea ia proibir a sesta nas camas e sofás das suas lojas. Mas um desmentido da companhia veio tranquilizar os chineses: podem estes continuar a dormir o que lhes aprouver nas lojas Ikea devidamente estendidos nas camas Hemnes e Tarva, aconchegadinhos nos sofás Hemnes ou com a cabecinha encostada numa almofada Ädum. É só escolher.

Há que não esquecer que a China, além de um mercado gigantesco para as grandes empresas ocidentais, é também um manancial de ensinamentos: por exemplo, aquele café oferecido uma vez por semana aos portadores do cartão Ikea Family (22) tornou-se no pretexto para que em Xangai centenas de cidadãos mais velhos acreditem com renovada esperança no amor.

Sucede que a muitas mulheres não parece adequado ir aos locais habituais de encontro, como os bares ou os clubes de karaoke. Pensarão elas com notável juízo que mais valerá ficar coração solitário para sempre do que ter de sofrer a terribilíssima tortura sonora inerente a passar alguns minutos num club de karaoke em qualquer parte do mundo… e muito mais na China! Pelo contrário o bar da Ikea é um local agradável, sem canções, limpo e climatizado. E assim, enquanto demoram horas a beber o café a que o seu cartão Ikea Family dá direito, muitos cidadãos de Xangai procuram a sua alma gémea.

Alguns têm-na encontrado. (Acreditemos que a experiência não há de correr bem apenas em Xangai. Alfragide, Loures e Matosinhos não são, amorosamente falando, menos que Xangai. E nas lojas Ikea que aí funcionam também existe bar onde – quem sabe? – a propósito da conversa sobre a  montagem de uma prateleira num roupeiro Pax de canto, pode muito bem começar uma relação para a eternidade.)

E que tal redecorar os móveis

Mas não acaba aqui a preenchida vida dos clientes do Ikea. Alguns levaram mais longe essa sua condição e fizeram mesmo dela o seu modo de vida. O seu sustento. O objeto do seu espírito empreendedor. Experimentem escrever no Google “Ikea” e “customize” e descobrirão um universo fantástico povoado por umas pessoas com mãos de fada que, mais tinta, menos verniz, colando pedacinho de papel e aplicando umas tiras disto e daquilo transformam qualquer cómoda Malm num móvel vintage (fotos 32 a 39)! Como não podia deixar de ser, na China esta fixação na Ikea teve uma interpretação ainda mais especial: uma empresa replicou uma loja Ikea inteirinha. Até oferecem uns pequenos lápis (fotos 40 a 44). Únicas diferenças: em vez das almôndegas suecas, têm comida chinesa e, segundo alguns conhecedores, a qualidade dos móveis é superior ao da versão sueca.

E a assistente? Anna

Por fim, não porque os fenómenos da vida paralela dos clientes do Ikea tenham terminado, mas sim porque esta galeria tem de acabar alguma vez – e também para que o leitor não diga que vai daqui sem ajuda – sugiro que, naqueles momentos em que as crianças não param de modo algum, lhes diga para ligarem à Anna. Quem é a Anna? A assistente virtual da página do Ikea. O entretenimento não dura muito tempo (a Anna não gosta de perguntas inconvenientes). Mas entre eles perguntarem e a Anna (não) responder sempre decorrem uns minutos de sossego garantido em casa. Que afinal é o sonho que a Ikea nos vende (fotos 1 a 11).