O influente banco norte-americano Morgan Stanley avisa que “a falta de reformas em Portugal está rapidamente a tornar-se um fator preocupante“. Num relatório detalhado que o banco enviou aos clientes, e a que o Observador teve acesso, o Morgan Stanley diz que está a tornar-se “mais cauteloso em torno das perspetivas de crescimento económico em Portugal” e receia que o “investimento já esteja a cair“. Por outro lado, “a inversão da austeridade ajuda o consumo” mas há um risco de que isso “coloque em causa ganhos de competitividade que custaram a ganhar“.

Portugal – Caminhando num Terreno Incerto” é o título do relatório que os economistas Daniele Antonucci e João Almeida, do Morgan Stanley, enviaram neste domingo aos clientes. No mesmo relatório existem análises para os outros países da chamada periferia da zona euro, como Espanha, Itália, Irlanda e Grécia. No seu conjunto, o Morgan Stanley diz que a “periferia continua a melhorar, mas estão a começar a formar-se brechas”.

Em Portugal, “a recuperação deve continuar, graças ao impulso orçamental, mas a um ritmo mais lento. Ainda assim, as perspetivas económicas e políticas continuam envoltas em muita incerteza e a dívida elevada continua a ser um fator preocupante”. Assim, o Morgan Stanley corta as projeções económicas para Portugal para os anos de 2016 e 2017.

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O Morgan Stanley está mais pessimista do que o governo e que outros bancos de investimento quanto ao crescimento económico em Portugal nos próximos anos. Em 2016, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) será de apenas 1,3% – contra os 1,8% previstos pelo governo. Em 2017, o Morgan Stanley prevê o mesmo crescimento: 1,3%.

“Os principais indicadores sugerem que o ímpeto de crescimento económico está a abrandar“, diz o banco. Mas, mais do que preocupado com números, o Morgan Stanley mostra ceticismo em relação às mudanças estruturais.

Olhando além dos desenvolvimentos cíclicos de curto prazo, o conjunto de políticas demasiado expansionistas e a inversão de algumas reformas estruturais anteriormente aplicadas podem gerar dúvidas – aos olhos dos investidores – acerca da vontade e da capacidade para promover uma mudança profunda na economia portuguesa.

Em especial, o Morgan Stanley está preocupado com as medidas de estímulo ao consumo, que “são positivas para os consumidores mas arriscam colocar em causa ganhos de competitividade que custaram a ganhar, reduzir a flexibilidade do mercado laboral e levar a uma redução mais lenta do desemprego estrutural”, pode ler-se no relatório a que o Observador teve acesso.

Por outro lado, o banco alerta para o facto de se estarem a “riscar cortes aos impostos das empresas que estavam previstos” e, além disso, existe “um menor sentido de que o país está a fazer mudanças estruturais”. Tudo isso são fatores de “incerteza que podem penalizar o investimento“.

Para piorar o cenário, depois de um ano recorde, “as exportações entraram num momento menos positivo, o que não é surpreendente tendo em conta a desaceleração económica dos principais parceiros comerciais de Portugal”. O Morgan Stanley acredita, mesmo, que o contributo líquido das exportações para o crescimento poderá passar a ser negativo no curto prazo.

Por todas estas razões, o Morgan Stanley prevê um défice de 3% tanto em 2016 como em 2017. “Prevemos um défice orçamental mais elevado do que prevê o governo português”, diz o banco. “Apesar disto, o rácio dívida/PIB de Portugal já terá, provavelmente, tocado o pico em 2014 e deverá, agora, começar a estabilizar”, acrescenta o Morgan Stanley, notando que “a dinâmica da dívida portuguesa continua muito vulnerável a episódios de crescimento menos robusto do que o previsto e, por outro lado, potencialmente saldos primários [défice excluindo pagamentos de juros] menos positivos do que anteriormente se previa”.

“Estaremos cá para ver” até que ponto a esquerda aceitará mais austeridade do PS

Nos mercados, as taxas de juro de Portugal estão abaixo dos 3% no prazo a 10 anos, perto dos valores mais baixos do ano, um resultado direto do reforço dos estímulos monetários anunciado na semana passada pelo BCE.

Contudo, partilhando a preocupação manifestada por vários outros bancos de investimento, o Morgan Stanley nota que, no que a Portugal diz respeito, os mercados estão atentos às decisões das agências de rating – em especial a canadiana DBRS.

“Para já, parece que as agências de rating parecem confortáveis com a trajetória da dívida de Portugal, ainda que apontem cada vez mais para as vulnerabilidades macroeconómicas e orçamentais”, diz o Morgan Stanley, sublinhando a importância da opinião da agência DBRS, que recentemente disse que “a reversão das reformas pelo novo governo não está a ajudar nem um bocadinho a perceção de risco entre os investidores em relação a Portugal”.

O Morgan Stanley conclui o relatório dizendo que “o governo minoritário de Portugal está pronto para aplicar medidas adicionais de austeridade, caso a trajetória orçamental derrape. Mas até que ponto é que conseguirá fazê-lo e manter o apoio dos partidos da extrema-esquerda – isso é algo que estaremos cá para ver“.