A associação de apoio às vítimas do surto de Legionella de Vila Franca de Xira mostrou-se, este domingo, inconformada com a acusação do Ministério Público e vai requerer a abertura de instrução e avançar com uma ação popular contra o Estado. A decisão foi transmitida à Lusa pela advogada da associação, Ana Severino, que vai requerer a abertura de instrução por entender que a acusação “não está em conformidade” com os factos ocorridos.
O surto de Legionella teve início em novembro de 2014, provocou 12 mortes e infetou 375 pessoas, mas o Ministério Público (MP), na acusação, explica que apenas conseguiu estabelecer o nexo de causalidade em 73 das pessoas afetadas e em oito das 12 vítimas mortais.
Vamos requerer a abertura de instrução, pois há vítimas deste surto que o Ministério Público não contabilizou, ou não encontrou nexo de causalidade. Há outros lesados dos 73 confirmados que ficaram com sequelas mais graves do que as descritas, havendo até casos em que é dito que não ficaram com sequelas, o que não corresponde à realidade”, sustentou Ana Severino.
A advogada adiantou ainda que a associação vai também interpor uma ação popular contra o Estado português junto do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa por “omissão de legislação” e “violação” de um bem jurídico essencial: a vida.
Os lesados pelo surto de Legionella estão a ponderar igualmente avançar com uma ação conjunta para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
De todos os casos notificados à Direção-Geral da Saúde, o MP só conseguiu estabelecer o nexo de causalidade em 73 situações, uma vez que nas restantes foi “inviável a recolha de amostras clínicas” ou “não foi identificada estirpe ou a estirpe identificada era distinta da detetada nas amostras ambientais recolhidas”.
Assim, o MP arquivou parcialmente o inquérito quanto a possíveis responsabilidades criminais por falta de provas indiciárias, relativamente a mais de 300 pessoas afetadas.
O MP proferiu ainda despacho de arquivamento quanto à eventual prática de um crime de poluição, por falta de legislação.
Um administrador, o diretor e o supervisor do setor da produção da Adubos de Portugal (ADP) estão entre os nove acusados no caso do surto de Legionella.
Segundo o despacho de acusação do MP, a que a Lusa teve acesso, além de João Cabral, José Carvalhinho e Eduardo Ribeiro, respondem ainda neste processo quatro funcionários, todos engenheiros químicos, da General Eletric (GE), empresa contratada pela ADP Fertilizantes para fiscalizar e monitorizar as torres de refrigeração.
O MP sustenta que o surto de Legionella no concelho de Vila Franca de Xira foi causado pela “manifesta falta de cuidado” dos arguidos, que não cumpriram “um conjunto de regras e técnicas na conservação/manutenção” de uma das torres de refrigeração da ADP.
A ADP, a GE e os restantes sete arguidos estão acusados de um crime de infração de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços. Os três responsáveis da ADP e os quatro funcionários da GE, Ricardo Lopes, Maria Viana, Liliana Correia e Nélio Moreira, respondem ainda, cada um, por 20 crimes de ofensa à integridade física por negligência.
O MP relata que “todos os arguidos e cada um deles agiram com manifesta falta de cuidado, que o dever geral de previdência aconselha, porquanto omitiram ações importantes, aquando da negociação, celebração e execução do contrato entre as sociedades arguidas ADP e GE”.
A procuradora Helena Leitão concluiu que, caso as ações tivessem sido realizadas, “seriam determinantes para que o desenvolvimento microbiológico, nomeadamente da bactéria Legionella, não tivesse ocorrido e propagado, por aerossolização, nos termos em que o foi”.