Durante mais de três décadas José Neves Águas, publicista e escritor lisboeta, recolheu e fotografou milhares de documentos político-partidários. Os mais importantes correspondem ao período imediatamente posterior ao 25 de abril e constituem hoje um dos mais importantes espólios do género em Portugal.

O acervo, comprado pela Câmara Municipal de Lisboa em 1992, é composto por mais de três mil documentos, que incluem centenas de cartazes e panfletos de propaganda política. Para além da documentação referente às eleições eleitorais, o espólio inclui ainda uma importante coleção de cartazes ilustrativos da luta sindical. Entre eles há dezenas referentes ao 1 de maio, o Dia Internacional do Trabalhador.

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A comemoração do Dia Internacional do Trabalhador, proibida durante o regime salazarista, voltou a ser instituída em Portugal em 1974, após a revolução do 25 de abril. Os cartazes produzidos na altura, e então muito populares, mostram o entusiasmo com que partidos e sindicatos abraçaram o novo feriado.

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A produção de cartazes de natureza política aumentou consideravelmente após a revolução. Para Margarida Santos, autora de “Grafismo dos Cartazes Político-Partidários em Portugal”, isso deveu-se à “abolição da censura, que proclamava a liberdade de expressão”.

“As características do regime ditatorial, que limitavam a liberdade de expressão e, consequentemente, o da inexistência de partidos de oposição, parecem ter contribuído, determinantemente, para esta situação”, refere a autora.

Mas não só. O “aparecimento de uma série de novos partidos políticos”, que viam no cartaz um meio natural de expressão”, acabou também por contribuir para uma maior produção. A poucos dias do início da campanha eleitoral de 1975, só o Partido Comunista Português (PCP) tinha, pelo menos, “21 modelos de cartazes só na região de Lisboa”.

Mas não era o único. Nas eleições de 1975, eram cerca de 14 os partidos que concorriam lado a lado e cada um, à sua maneira, recorreu aos cartazes para fazer passar a sua mensagem. “As manifestações e comícios eram muito frequentes, e o cartaz era o veículo comunicativo por excelência entre os partidos e a população em geral”, escreveu Margarida Santos.

Para Afonso Praça, estes cartazes eram mais do que um veículo de transmissão de ideias políticas. Foram eles que permitiram que “centenas de milhar de pessoas orientassem a sua ação num sentido politicamente definido, com objetivos idênticos, sentimentos comuns”. Para além disso, possibilitaram a existência de “grandes aspirações coletivas, com uma ideia ‘do que queria’ e ‘do que era preciso alcançar’”, escreveu o jornalista em 1975.

“Não foi a propaganda que fez a revolução, mas foi a propaganda que, no 25 de abril, tornou possível que centenas de milhar de pessoas orientassem a sua ação num sentido politicamente definido, com objetivos idênticos, sentimentos comuns”.

Mas os partidos não foram os únicos a recorrer à produção intensiva de cartazes. A moda foi também seguida de perto pelas organizações sindicais. Exemplo disso é o cartaz produzido em 1986 pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local (STAL), em destaque no Arquivo Municipal de Lisboa no mês de maio.

DOCUMENTO DO MES

Arquivo Municipal de Lisboa/Espólio Neves Águas

O cartaz, para além de celebrar o Dia do Trabalhador, comemorava também os 100 anos de vida do organismo, fundado em 1886. Este, ainda hoje existente, é constituído por trabalhadores que exercem atividade na administração pública, local, regional ou em empresas públicas e concessionárias de serviços públicos.

O cartaz do STAL, à semelhança de todos os outros que fazem parte do Espólio Neves Águas, é “imprescindível” para a “compreensão da história da nova democracia republicana e particularmente da agitação político-social ente 1974 e 1976″, como refere uma nota divulgada pelo Arquivo.

“A especificação temática desta coleção, aliada ao caráter precário dos suportes (acentuado em períodos politicamente agitados), justifica que ela tenha sido já considerada como uma das mais importantes coleções de cartazes políticos do pós 25 de abril”, é salientado na nota.

José Neves Águas. De cartaz em cartaz

José Neves Águas nasceu a dois de junho de 1920. Alfacinha de gema, dedicou grande parte da sua vida à publicidade, tendo sido responsável pela produção de inúmeros cartazes e panfletos de propaganda política.

Começou por exercer atividade como escritor, colaborando com diversos jornais e revistas. Escreveu para o Diário de Lisboa, para A Capital e para o Diário de Coimbra. A maioria dos seus textos, sobretudo depois do 25 de abril, tinham como tema a contestação levada a cabo pelos movimentos grevistas.

Entre 1959 e 1960, orientou em conjunto com João Canena a página cultural Rota, do jornal República, conhecido pela luta contra a ditadura salazarista. Foi também responsável pela organização e publicação da Bibliografia de Jaime Cortesão, em 1960, e pela coleção Cadernos do Tempo Presente. Em 1963, apresentou a convite do governo brasileiro uma série de conferências sobre literatura portuguesa contemporânea no Brasil.

Exerceu atividade como publicista, mas foi pelos cartazes que recolheu ao longo de mais de trinta anos que acabaria por ficar conhecido. Ao longo da sua vida, reuniu ao todo 3.300 documentos de natureza político-partidária e sindical, que constituem hoje um dos mais importantes espólios do período do pós 25 de abril.

O acervo, foi comprado pela Câmara Municipal de Lisboa à família do publicista, em 1992, um ano depois da sua morte. Os seus cartazes políticos foram o ponto de partida para a exposição o arquivo sai à rua, realizada no âmbito das comemorações do 40º aniversário do 25 de abril, em 2014.