Boa disposição, sedução e intimidade. Foi por esta ordem que Rhye, o duo formado pelo canadiano Mike Milosh e pelo produtor dinamarquês Robin Hannibal, conquistou o Lux Frágil, no passado dia 24 de junho. Apesar da época veranil apenas ter começado há poucos dias, sentiu-se o calor (e o flirt) de qualquer grande noite de verão – antes, durante e depois da atuação.

Pelas 22h15 ainda se esperava pela abertura de portas, prevista para as 22h, avistando-se uma fila muito composta. Não foi surpresa: o concerto, anunciado apenas 8 dias antes, já estava esgotado. Tanto portugueses como estrangeiros, aguardavam impacientemente pelo início do espetáculo. “É muito raro eles fazerem digressões. Não perdi a oportunidade: mal confirmaram uma data em Portugal, aproveitei”, explicou-nos um estrangeiro que veio de propósito a Portugal para assistir ao espetáculo.

Sem contar com as várias passagens de Milosh a solo e com outros projetos, esta foi a segunda visita dos Rhye a Portugal, tendo a primeira ocorrido no festival Alive em 2013. Se se estrearam em Portugal num festival barulhento, aos olhos de curiosos e à ingrata hora de jantar, esta segunda visita possuiu silêncio e intimidade, perante um público atento, apaixonado e dançante. Todos os elementos se conjugaram para uma consagração.

Mas não foi por acaso: os Rhye sempre foram adeptos da discrição. Desde as primeiras manifestações silenciosas nas redes sociais, que incluem Milosh dedicando o tema “Open” à sua mulher, passando pelo sigilo inicial em relação às verdadeiras identidades, até ao lançamento de “Women” (2013), o álbum que carimbou a estreia do grupo. Rhye construiu uma fantasia andrógina e sensual, intrigante e ousada.

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Após 40 minutos de atraso, a impaciência do costume levou a plateia aos primeiros apupos. O palco não ajudou à ansiedade: luzes vermelhas e roxas adivinhavam o clima perfeito para a soul sensual, carnal e downtempo dos Rhye, e os incontáveis instrumentos – desde teclas e baterias, até violinos e trompetes. Mas, pelas 23h15, finalmente apareceram para uma introdução grandiosa, sem Milosh no palco.

Foi Verse que chamou Milosh ao palco, de cerveja na mão, para se juntar ao quarteto instrumental que deu um novo rosto à música dos Rhye. Os novos arranjos, mais orgânicos, foram a base perfeita para o impressionante contratenor canadiano, repetidamente comparado com Sade, uma lenda britânica do smooth jazz. Apesar de já não ser novidade, ainda se ouviram alguns comentários de surpresa perante o rosto que dá voz aos Rhye: “É um homem?!”

Se a espera e o início se revelaram preliminares eficazes, os (quase) 90 minutos de alinhamento encantaram um público insaciável – no final queriam “só mais cinco”, cantado em coro. Houve tempo para tudo: de “Women”, passando por conversas, incidentes e improvisos, até novos temas. Rhye despiu a sua máscara discreta e envergonhada, exibindo uma nudez divertida e descontraída. E o público obedeceu a tudo e juntou-se à festa.

“The Fall” foi o primeiro grande momento, que só foi suplantado por “Open”, que pôs todos os casais (e eram muitos) agarrados à cintura e aos beijos. E depois “Hunger”, que mereceu pezinhos de dança e palmas sincronizadas com os batuques do bombo. O ambiente era meloso, quente e ternurento. Lisboa também teve a oportunidade de ser a segunda cidade a ouvir ao vivo Waste, o novo tema de Rhye que, sem largar a típica suavidade, abandona a soul para seguir os caminho de uma pop etérea, com linhas melódicas semelhantes às de “Open”, primeiro single da banda. Nem tudo podia ser perfeito: após “Major Minor Love”, o amplificador de baixo rebentou. Numa tentativa de emenda (ou será que foi de propósito?) Milosh toma as rédeas para tocar a melancólica “The City”, canção do álbum a solo “Meme”.

Após o cheirinho de free jazz e noise em alguns solos entre canções, “It’s over”, também de Milosh, encerra um concerto que não necessitou de encore para aprimorar o brilhantismo. O cantor canadiano pediu silêncio, o público calou-se e, sem microfones, o quinteto despediu-se do palco em acapella. A reverência emocionada do conjunto mostra que os Rhye foram felizes em Portugal. Foram sedutores, mas também seduzidos.

Alinhamento

Intro
Verse
3 Days 
The Fall
Last Dance Major Minor Love
The City [canção de Milosh]
Waste [canção nova]
Open
Hunger
It’s Over [canção de Milosh]

Texto editado por Pedro Esteves.