Três dias antes da inauguração de “A Mind of Its Own” há uma amiga de Edna que lhe diz “já chega, ninguém vai perceber se fizeste três pontinhos a mais ou a menos”. O mais provável é que a amiga tenha razão mas isso não é consolo nenhum. A ver se nos entendemos: Edna é o nome civil de Maria Imaginário e quando alguém tem um nome especial para assinar o trabalho que faz é porque anda a criar um mundo paralelo no meio dos dias normais. E se assim é, três miseráveis pontinhos podem fazer toda a diferença. Tal como fazer uma parede pintada ou um chão decorado quando a ideia é transformar uma galeria num quarto acolhedor – ou chegar lá perto, pelo menos.

“Tento sempre criar um ambiente à volta das obras que estão expostas, é importante que as pessoas sintam que estão numa bolha, num mundo diferente, e que não estão apenas a ver quadros na parede.” Assim sendo, queremos saber o que esperar a partir desta sexta-feira na galeria Underdogs, no n.º 56 da rua Fernando Palha, em Lisboa: “Há coisas que serão surpresa… mas pode ser que quem aqui venha se sinta no meio de uma daquelas piscinas para os pequenitos, com bolas e balões.”

Enquanto preparava a exposição, Edna ficou sem telemóvel. Que é o mesmo que dizer “ficou sem despertador”. E sem agenda, já agora. De noite afinal já era de dia e o contrário também aconteceu. Isso e sair de casa meio maquilhada, meio de pijama, com trabalho acabado mas tudo o resto meio confuso. Uma questão de nervos ou uma simples coincidência dos diabos? Provavelmente a segunda hipótese. Se escolhêssemos a primeira estaríamos a culpar o carácter individual desta exposição e não é caso para tanto.

mariaimaginario_74

“Talvez tenha que ir a um terapeuta para perceber porque tenho uma veia tão infantil”, pensa Maria Imaginário em voz alta

Até porque não é a primeira vez de Maria Imaginário se apresenta por conta própria. “Uma exposição individual é sempre algo que me dá um maior sentido de responsabilidade”, diz-nos, e isso fica-lhe bem. “Mas em cada quadro que faço, seja uma colectiva ou uma individual, tenho a mesma exigência. Essa pressão não se reflecte no trabalho.” Esclarecidos. Mas talvez lhe passem alguns nervos pela frente, pelo menos quando for altura de inauguração. Edna conta que é uma “pessoa de pessoas”, o que é sempre bom. Mais do que isso: “Falo muito. Sou capaz de ficar horas a falar.” Certo. “Mas é sempre mais difícil falar com pessoas que não conheço, ser o centro das atenções.”

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Costuma ser assim para todos. Depois há uns quantos que dão a volta à questão. Edna criou a Maria Imaginário, provavelmente ouvimos falar dela pela primeira vez há uns dez anos, quando apareceram uns gelados pintados com traço apetitoso numas quantas ruas. Sobretudo em Lisboa, mas há outros sítios pelo mundo que tiveram essa sorte. Mais tarde fez o Coraçãozinho de Merda, uma personagem com tanto de carinhoso como de melancólico, uma espécie de Menino da Lágrima com aurículas, ventrículos e miséria nos olhos. E agora, o que se passa? “Nesta exposição?” Sim, já agora aproveitamos para saber mais sobre isso: “É sempre muito complicado descrever uma exposição. É muito difícil falar sobre o que faço, não sei bem explicar o meu trabalho porque para mim é um bocado óbvio. Expresso-me bem assim. Por exemplo, não me expresso da mesma maneira a escrever. Mas não dou erros ortográficos.”

Ainda assim, insistimos e voltamos às apresentações. Edna diz algo mais. Não muito, prefere que cada visitante de “A Mind of Its Own” entenda o que quiser, quando quiser – o que até calha bem com o título da exposição: “Quase todas as pinturas têm uma personagem, que parece uma caneca, ou uma chávena, mas na verdade não é. Aqui sigo um pouco aquilo que fiz antes com o Coraçãozinho de Merda. Tem tudo a ver com sentimentos, sobretudo com a forma como os tentamos organizar e acalmar, como os dispomos e interiorizamos na nossa cabeça. Há sempre muita coisa a acontecer e é preciso encontrar alguma paz, com menos ruídos, dúvidas e indecisões. É uma luta constante que tenho porque é a que todos temos.”

Das ruas para a galeria

Por isso são todos bem-vindos, palavra de Imaginário, que transforma todos estes dilemas complexos – que nunca vão ter resposta – em personagens pouco óbvias para o efeito. A própria confessa que muitas vezes falam do seu trabalho como se fosse “um trabalho mais infantil”. E daí? Nada de mais. “Talvez tenha que ir a um terapeuta para perceber porque tenho uma veia tão infantil”, pensa ela em voz alta. “Mas, ao mesmo tempo, não sou dada a ilustração para crianças. Pinto sobre coisas que provavelmente as crianças não entendem bem, essa é que é a verdade.”

Descreve-nos o trabalho que faz como “agridoce”, que apesar de ser uma contradição é uma palavra bonita e soa ainda melhor quando é dita em voz alta (ora experimentem lá, agora que ninguém vos ouve: a-gri-do-ce. É ou não é uma graça?). Olha para os desenhos que faz, para o traço que os sustenta, e acha que sim senhor, pode ser tudo o que dizem. Mas depois avisa: “Os meus trabalhos não são propriamente felizes. Tento pintar o que sinto mas com algum humor ou ironia, com algum contraditório. A linguagem dócil não a sei explicar muito bem, talvez porque tenha estudado ilustração, porque gosto destas cores?” Talvez, Edna, talvez.

A verdade é que tudo isso pode mudar, pode mesmo. Dizíamos que há dez anos Maria Imaginário assinava desenhos e pinturas em muros e paredes nas ruas. Agora não é assim tão fácil dar com esses trabalhos, pelo menos novos. Não é que não goste da arte de rua, essa não é a questão. Vai é acontecendo o costume a quem vive de e para a criatividade: mudanças. “Há uns tempos que não pinto na rua” – era exactamente isso que dizíamos. “Estou mais interessada em fazer coisas como instalações públicas do que pintar paredes. Isso leva mais tempo, exige uma logística maior. Mas as coisas vão acontecer e haverá mais aceitação desse tipo de street art que não é só pintura.”

E enquanto vai e não volta, Edna foi desenvolvendo o seu trabalho em tela: “Está tudo ligado, as coisas são distintas mas são extensões, é sempre assim.” Costuma chamar-se a este tipo de coisas um “processo”, não? “Sim, é mais ou menos isso. Isto nunca acontece de um momento para o outro, ainda que possa parecer que sim. É como numa relação entre duas pessoas, por exemplo. Pode estar para acabar, mas não acaba de um dia para o outro. É uma conclusão que se arrasta, mas quando acontece de facto parece que foi em segundos.” E nem que muito pensássemos no assunto nunca acharíamos uma comparação desta categoria.

Deixemos então que Edna acabe o que tem para fazer, a inauguração tem data e hora marcada (esta sexta, 19h). Ela diz-nos que já está a pensar no que vai fazer a seguir, no trabalho que se segue, mas ao mesmo tempo sabe que para “A Mind of Its Own” “ainda não está tudo pronto” e é aí que está a urgência. Vale-lhe a ajuda de Pauline Foessel, curadoura da exposição e uma das responsáveis pela Underdogs (em conjunto com Alexandre Farto, mais conhecido como Vhils). “Podes escrever isso?” Claro, está feito. “Já agora, podes também dizer que agradeço aos meus amigos? São os melhores amigos do mundo.” Ora bem.