Há semanas ouvi um cineasta descrever as vantagens da sala de cinema sobre o YouTube da seguinte maneira. “Se pões uma coisa no YouTube, sabes lá se alguém vai ver aquilo. Ao menos, na sala de cinema trancas os gajos lá dentro e eles são obrigados a ver o filme.” Ipsis verbis. A razão porque, pronunciado em público — entre adultos inteligentes — este argumento me fascinou é a mesma razão pela qual me fascina sempre cada documentário sobre a Coreia do Norte: fico sempre aterrado/pasmado com a trivialização da tirania. (Além disso, que género de cineasta se admite tal comparação?)

Este episódio veio-me à memória esta manhã a respeito da exposição do fotógrafo inglês Terry O’Neill no — careta de espanto justificada — centro comercial Colombo. Intitulada — sorriso condescendente injustificado — “Faces of the Stars”, exibe nada menos que isso: retratos de celebridades. Se me perguntarem que fazia eu no Colombo numa manhã de Verão, serei forçado a admitir algo que jamais teria passado pela minha cabeça fazer de livre vontade. Estava lá para ver uma exposição: ainda por cima, de retratos de celebridades. A dez minutos de carro tinha a exposição de Edgar Martins no recém inaugurado MAAT, mas eis-me no ar condicionado da Praça Central do Colombo, no âmbito do projecto “A Arte Chegou ao Colombo” (que vai na 6ª edição).

Razões deontológicas pesam bastante, mas o tom da minha ida não deve ser confundido com desrespeito. Terry O’Neill é um bom fotógrafo e, antes de mais, é um fotógrafo. Não há fotógrafo de casamentos, amador anónimo, ou fotojornalista mal-pago, que não me despertem imediata empatia, nem que seja pela sua devoção partilhada por um saber técnico (e pela fortuna que despendem em nome de pormenores a que ninguém liga). Por muito que a curadora da exposição — a ex-diplomata espanhola Cristina Carrillo de Albornoz Fisac — assegure em contrário, está longe de ser óbvio que O’Neill seja “um dos fotógrafos contemporâneos mais respeitados do mundo”, muito menos que seja um fotógrafo “lendário” (a não ser por privar com celebridades). Mas O’Neill é um fotógrafo e, dentro do género Hollywood, um fotógrafo de retratos respeitável.

“De presidentes a estrelas pop, Terry O’Neill tem vindo a fotografar a linha da frente da fama há mais de meio século”, lê-se na sua nota biográfica. Nunca é bom sinal um fotógrafo ser mais conhecido por aqueles que fotografou do que pela sua capacidade artística. Não devemos porém subestimar o deslumbramento do grande público pela intimidade de famosos. Nas palavras de Filomena Serras Pereira (no ofício amoroso de “Embaixadora da Exposição”), “Terry O’Neill soube, como ninguém, captar o olhar mais íntimo de cada estrela ao mesmo tempo rodeando-a do lado misterioso e idílico que todos os grandes atores têm para o público em geral”. Seria uma tarefa infinita e uma enorme perda de tempo disputar a ficção de que estes retratos captam “o olhar mais íntimo de cada estrela”, ou tentar perceber o que é o “lado misterioso e idílico que todos os grandes atores têm para o público em geral”.

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Do meu ponto de vista, e juro que não é pelo efeito do Colombo na minha disposição matinal, vejo somente retratos em 35mm e médio formato (?) correctamente expostos, óbvios, uma polegada acima de enfadonhos e muitos deles sobre-encenados, dentro de um estilo popular, beneficiados por boas ampliações, nos quais a presença do fotógrafo é tolerada com simpatia. Proximidade não deve ser confundida com intimidade; acesso não deve ser confundido com inteligência fotográfica. De um ponto de vista histórico, são sem dúvida boas fotografias (fotografias bonitas) de “ícones” do século XX (nenhuma delas, no entanto, no que toca à história da fotografia, me parece icónica por si mesma). Amigos famosos levam a amigos famosos e uma carreira fotográfica perfeitamente decente e recreativa pode não passar disso mesmo. O público em geral não quer saber. O público em geral gosta de ver aquilo que já conhece e, no grande conjunto das coisas, isso está muito bem. O contrário seria trancar os gajos numa sala e obrigá-los a ver Moriyama.

Melhor, portanto, um pavilhão no Colombo e a livre circulação. Por motivos que escuso de explicar, um centro comercial não seria o lugar típico ou adequado para exposições fotográficas dignas de atenção. Justiça seja feita no entanto à perspicácia da curadora (e, é importante dizê-lo, ao atelier OTTOTTO, pela arquitectura da exposição). O público de “Faces of the Stars” está nos Colombos da vida — e, entre esta escada rolante e aquele provador impiedoso, gostará do que vê sem atenção, e talvez se sonhe propulsionado na direcção da celebridade ao experimentar a próxima fatiota geral e mal cosida, no próximo pronto-a-vestir espanhol. Há nisto tudo um lado trágico e bonito.

As fotos de “Faces of the Stars” podem ser vistas no Centro Comercial Colombo, em Lisboa, até ao dia 28 de setembro