“Se eu viver nos EUA e ganhar mais de 85 mil dólares por ano, qualquer dólar a mais não faz praticamente diferença nenhuma. Para o meu bem-estar geral, não interessa se ganho 100 mil, 100 milhões ou 10 mil milhões de dólares por ano.” Eis uma das mensagens escritas na parede.

Outra: “Todas as pessoas procuram a felicidade, sem exceção. Se alguns vão à guerra e outros a evitam, o motivo é o mesmo, visto de perspetivas diferentes.” Mais esta: “Toda a gente acha sempre que tem razão.” E só mais uma, escrita no tampo da sanita da casa de banho dos homens: “Já urinou de pé com calções vestidos? Já? Então sabe a quantidade de urina que salta da sanita para as suas pernas. Eu prefiro fazer sentado. A sério.”

A relativização dos problemas e a atitude espirituosa perante a vida são algumas da mensagens contidas em “The Happy Show”, nova exposição temporária no MAAT (Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia), em Lisboa. É inaugurada nesta quinta-feira no edifício Central Tejo e abre portas ao público na sexta, mantendo-se até 4 de junho. O autor é Stefan Sagmeister, designer gráfico austríaco, radicado em Nova Iorque, conhecido como autor de capas para álbuns dos Rolling Stones (“The Bridges to Babylon”) ou David Byrne (“Feelings”) — e também criador do logótipo e da identidade visual da Casa da Música, no Porto, e da EDP, cuja fundação é a gestora do MAAT.

Descrita como “uma viagem pela mente de Sagmeister e pelas suas visões inovadoras sobre como sermos mais felizes”, a exposição teve estreia absoluta em 2012 no Instituto de Arte Contemporânea da Universidade da Pensilvânia, nos EUA, com curadoria de Claudia Gould. Esta será a décima apresentação. E a última, segundo o autor. Depois de Lisboa, os objetos de “The Happy Show” recolhem ao estúdio de design de Sagmeister, em Nova Iorque.

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À entrada, o visitante pode carregar num botão vermelho, embutido na parede, e fazer sair um cartão com uma mensagem escrita que o desafia a agir dentro do espaço expositivo. Pode ser um convite para pedalar uma bicicleta estática frente a um grande letreiro de néon. À medida que se pedala, acendem-se as luzes e surge a frase: “O nível de satisfação aumenta se fizer aquilo a que me proponho.”

“Quis ter na exposição um elemento que remetesse para a atividade física”, explicou Sagmeister. “Estudo o tema da felicidade há vários anos e percebei que 15 minutos de exercício matinal fazem a diferença. É melhor do que meia hora de meditação. Esta manhã, por exemplo, corri durante 15 minutos. Foi pouco, mas fez-me sentir melhor.”

O designer, de 55 anos, está em Lisboa para participar ativamente na montagem da exposição. As frases nas paredes são inscritas à mão pelo próprio. Ao mesmo tempo, tem-se desdobrado em entrevistas, tal o interesse que uma mostra sobre a felicidade suscitou na imprensa. Quarta-feira de manhã, depois de falar para um canal de televisão, quis tomar um café e por fim sentou-se numas escadas dentro da Central Tejo, à conversa com o Observador. Falou em ritmo acelerado e cruzou e descruzou as pernas dezenas de vezes, à medida que dissertava sobre o projeto – num inglês muito marcado pela pronúncia germânica. E, no entanto, Sagmeister vive nos EUA a tempo inteiro desde pelo menos 1993, ano em que fundou o próprio estúdio de design, em parceria com Jessica Walsh.

“A exposição começou, sem eu saber, há muitos anos, quando dei uma conferência sobre design e felicidade. Olhei para o meu trabalho e fiz algumas perguntas: “será possível tornar-me mais feliz enquanto designer?”, “será possível criar um objeto de design que potencie a felicidade de quem o usa?”. Essa conferência foi muito interessante e a ideia ficou em mim”, explicou o designer. “Uns anos mais tarde, tirei um ano sabático [2009] e comecei a procurar um tema que valesse a pena explorar. Passei uma temporada em Bali, na Indonésia, e lembrei-me de criar um filme sobre a felicidade. Dois anos depois, já com o filme a ser preparado, a diretora do Instituto de Arte Contemporânea de Filadélfia contactou o meu estúdio e propôs-nos uma exposição sobre o nosso trabalho enquanto designers, mas não ficámos muito entusiasmados e pensámos que seria mais interessante uma exposição sobre a felicidade.”

O documentário intitula-se “The Happy Film”, dura 93 minutos e estreou-se em 2016 no Festival de Cinema de Tribeca, em Nova Iorque. Pode ser visto na internet, através de aluguer na plataforma Vimeo, e dele são apresentados excertos na exposição. Sagmeister foi co-realizador, juntamente com Ben Nabors e Hillman Curtis (1961-2012).

“Nunca tinha feitos filmes antes, percebi que seria um grande desafio, até porque me obrigaria a uma pesquisa intensa e a falar com gente da ciência, por exemplo. Mas talvez me ajudasse a ser mais feliz”, contextualizou. “A única razão pela qual o documentário chegou a bom porto foi por causa da existência da exposição, a partir de 2012. Mal a exposição abriu, começámos a receber reações muito positivas do público e isso obrigou-me a vencer as dificuldades que o documentário apresentava. Eram questões técnicas sobretudo, porque, basicamente, eu não percebia nada do que estava a fazer.”

[trailer de “The Happy Film]

Quer a exposição quer o documentário registam, nas respetivas linguagens, experiências a que o designer quis sujeitar-se na demanda pela felicidade. Fez três meses de meditação baseada em mantras budistas na Indonésia; três meses de terapia cognitiva com uma psicóloga em Nova Iorque; e três meses de medicação antidepressiva (“Apenas drogas legais, já tinha experimentado drogas ilegais noutras fases da vida, por isso não seria surpresa”, esclareceu Sagmeister. “Usei uma substância da classe dos inibidores seletivos de recaptação de serotonina. Não há grande perigo de nos viciarmos, não tive qualquer problema em deixar.”)

Das três experiências, a terapia cognitiva terá sido a que mais o marcou, levando-o agora a aventar a hipótese de que podemos treinar o cérebro para que este sinta felicidade.

“Esta terapia faz parte da psicologia, é uma estratégia concreta para percebermos se as nossas ações são adequadas às circunstâncias que vivemos a cada momento. Se não são, é possível mudar as nossas ações através de treino, ou seja, da conversa com o terapeuta. Não é um regresso à infância e às questões sobre se o bebé teve desejo sexual pela mãe, é outra abordagem, mais prática, mais focado no dia-a-dia. Pareceu-me comparável a uma ida ao ginásio, no sentido em que quanto mais vezes se pratica, e de forma mais convicta, melhores são os resultados. Se for ao ginásio uma vez por mês, durante uma hora, não vou ter resultados visíveis no corpo, mas se for cinco dias por semana os resultados aparecem depressa.”

Stefan Sagmeister está em Lisboa para a apresentação de “The Happy Show” e prepara já uma nova exposição, sobre beleza

“The Happy Show” e “The Happy Film” são descritos pelo designer como recriações daquelas experiências, contadas na primeira pessoa, o que representa uma estratégia de comunicação muito precisa. Não tendo formação técnica que lhe permitisse ser visto como especialista em felicidade, adotou um ponto de vista individual, como especialista na própria felicidade, o que entende ser a melhor maneira de conquistar o público.

As mensagens manuscritas nas paredes da casa de banho do MAAT, por exemplo, são outra das formas de captar a atenção das pessoas. Sagmeister quis assim “expandir o espaço expositivo” e chegar aos “não lugares” do museu (fez o mesmo em todos os sítios por que passou a exposição). Daí que a mistura entre arte, design e composições tipográficas leve o criador a considerar que esta mostra, ela própria, é “um objeto muito aperfeiçoado de design de comunicação”.

Não é válida, no entanto, a ideia de que a aparente leveza da mensagem represente uma visão irónica sobre o que é ser feliz. “Não há ironia, talvez haja algum humor”, explicou. “A ironia retira-nos da realidade, permite dizer coisas sem que precisemos de nos implicar no que dizemos, por isso, o abuso da ironia pode revelar alguma cobardia”, dissertou Sagmeister.

Atualmente, o designer já não faz capas de álbuns, ainda que continue a ser muito conhecido por isso. O quase colapso da indústria musical no início dos anos 2000, por causa da partilha de ficheiros na internet, marcou o momento em que decidiu afastar-se dos discos. “Até porque, de repente, percebi que fazer a 50ª capa já não tinha tanta graça quanta a primeira, tinha-se tornado repetitivo”, explicou.

O estúdio de design que dirige vira-se agora, cada vez mais, para os museus. Já neste outono, no Museu de Artes Aplicadas de Viena de Áustria, o MAK, vai inaugurar uma exposição sobre a beleza no século XX. “Os arquitetos e os designers puseram a beleza de lado em favor da função. Estavam interessados em fazer o melhor trabalho possível, mas não procuravam a beleza e isso foi um erro”, explicou Sagmeister. “A nossa nova exposição tenta demonstrar que a beleza deve ser recuperada.”