Foi um “anjo excessivo com duas faces feitas de santidade e de lama”. Um “ser inigualável sobre quem a morte vai perdendo o seu poder”. Um português “terrivelmente desconcertante”, “embaixador das raízes do Portugal profundo e telúrico, com uma alegria estridente e assumida, enredada em dores, lonjuras, perplexidades e música.”

São palavras escritas por Manuela Gonzaga na única biografia integral de António Variações, publicada há 12 anos pela Âncora Editora e prestes a ser reeditada pela Bertrand em versão revista e ampliada. O título mantém-se, António Variações: Entre Braga e Nova Iorque, inspirado numa frase que se atribui ao artista quando um dia lhe pediram para definir o estilo musical que procurava nos seus discos.

A apresentação pública está marcada para 13 de junho, às 19h00, no auditório da Feira do Livro de Lisboa, no Parque Eduardo VII – dia de Santo António, o mesmo dia em que o cantor morreu, em 1984. A chegada às livrarias deverá acontecer alguns dias depois.

“É uma biografia pura e dura, mas com uma linguagem que a torna de fácil leitura”, descreve a autora ao Observador. “Reorganizei o texto para o tornar mais legível e elegante.”

A versão de 2006 está há muito fora do circuito comercial. A nova biografia, consultada pela Observador em formato provisório, tem 320 páginas e a mesma estrutura do original, com 10 capítulos organizados por ordem cronológica. Começa com a descrição do nascimento de António Joaquim Rodrigues Ribeiro no lugar de Pilar, freguesia de Fiscal, concelho de Amares, distrito de Braga, na madrugada de 3 de dezembro de 1944.

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Inclui a ida para Lisboa, aos 12 anos, onde começa por trabalhar como ajudante de mercearia, o serviço militar em Angola, as viagens a Londres e Amesterdão, o ofício de cabeleireiro e, por fim, a música, numa carreira profissional meteórica já com o nome por que todos passaram a conhecê-lo: António Variações. Em fevereiro de 1981 aparece na RTP, no programa “Passeio dos Alegres”, de Júlio Isidro. Em 1982 grava o single “Povo que Lavas no Rio”, versão do fado de Amália Rodrigues, depois publica apenas dois álbuns: “Anjo da Guarda”, em 1983, e “Dar & Receber”, em 1984.

O livro baseia-se em dezenas de depoimentos recolhidos pela autora junto de familiares e pessoas que o conheceram de perto: Abel Dias, Manuel Reis, Lena d’Água, David Ferreira, Carlos Ferreira, Rosa Lobato de Faria, Ricardo Camacho ou Pedro Ayres de Magalhães. Alguns testemunhos são inéditos em relação ao livro de 2006. Aparecem citadas dezenas de entrevistas de Variações e no fim surge uma extensa lista bibliográfica.

António Variações: Entre Braga e Nova Iorque, segundo Manuela Gonzaga, permite conhecer a história do artista e também entender melhor a segunda metade do século XX português.

“Outras pessoas já têm feito notar que o livro dá a ver, de forma acessível, o que era a emigração, a Guerra Colonial, o êxodo rural, o trabalho infantil, a violência, o pobre e o rico, a aldeia e a cidade. No fundo, a vida do António atravessou todas essas realidades”, explica a autora.

A nova versão chega às livrarias ainda em junho e inclui na capa um retrato de António Variações da autoria de Teresa Couto Pinto

Manuela Gonzaga nasceu no Porto em 1951, viveu em Moçambique e Angola e regressou a Portugal depois do 25 de Abril de 1974. Trabalhou como jornalista durante três décadas e é mestre em História dos Descobrimentos e de Expansão Portuguesa pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa. Nos últimos anos, tem-se dedicado em exclusivo à escrita de romances, biografias e livros infantis. Em 2015 anunciou a pré-candidatura às eleições para a Presidência da República, com o apoio do partido Pessoas Animais Natureza, mas viria a desistir da corrida por não ter concretizado a validação das 7.500 assinaturas necessárias.

Conheceu António Variações em 1982, quando o entrevistou para a revista Música & Som (uma foto dos dois, num almoço, surge na contracapa do livro). Esse primeiro encontro é descrito com detalhe no início da biografia. Também nas primeiras páginas, Manuela Gonzaga escreve que este “retrato traçado se aproxima bastante da realidade que foi a vida” de Variações. E afirma: “Portugal recusa-se a esquecê-lo”.

Quase 35 anos depois do desaparecimento do cantor – e a muito discutida questão sobre se Variações morreu com sida é deixada em aberto pela biógrafa –, ele continua a inspirar outros artistas. A obra e a estética que criou são muitas vezes lembradas ou objeto de homenagem. É disso exemplo a peça Variações, de António, que Vicente Alves do Ó e Sérgio Praia apresentaram em 2016.

É considerado a primeira estrela pop portuguesa e um dos mais importantes ícones gay do país. A orientação homossexual, que Variações chegou a afirmar em entrevistas, aparecia na biografia de há 12 anos e é tratada com maior evidência na nova edição.

Outra diferença entre as duas versões está em que a publicada pela Bertrand não inclui fotografias no interior, apenas na capa e na contracapa, opção que a autora justifica por se tratar de uma biografia que se quer nova e que privilegia o texto.