O ministro da Educação entrou no Parlamento com um trunfo na mão: está disponível a voltar a negociar com os sindicatos. E nem teve pudor em lembrar uma frase em tempos utilizada por José Sócrates: “Para dançar o tango são precisos dois“. Mas a dança, com a esquerda, não correu de feição ao ministro — aliás, como a dança de Sócrates. Durante o debate, realizado esta sexta-feira de manhã, Bloco e PCP compararam Brandão Rodrigues a Maria de Lurdes Rodrigues e deixaram um aviso para que mude de atitude: “O caminho está a estreitar-se“. Tiago Brandão Rodrigues acabou o debate irritado e a dizer que não admitia que lhe chamassem chantagista. Mário Nogueira, o homem que lhe deu esse cognome, assistiu a tudo da galeria do plenário.
O ministro entrou no debate sobre o descongelamento das carreiras dos professores mais disposto a ser “português suave” do que “animal feroz” e abandonou o discurso do “tudo ou nada” que terá tido nas negociações com os sindicatos. No Parlamento, perante os parceiros da esquerda, Tiago Brandão Rodrigues jurou que para o Governo “existe vontade de negociar”, alertando, porém, que “para uma negociação são precisas duas partes”. E lançou o soundbite, que repetiria duas vezes: “Para dançar o tango são precisos dois”. A mesma frase foi utilizada por José Sócrates, em maio de 2010, num debate promovido pelo jornal espanhol ABC, para elogiar o facto de Passos Coelho ter ajudado o Governo a aprovar um pacote de austeridade. Isto, por oposição à postura de Manuela Ferreira Leite.
https://observador.pt/2018/06/15/guerra-entre-governo-e-professores-volta-ao-parlamento/
O regresso ao socratismo acabaria por se virar contra o ministro, que foi equiparado à ministra da Educação de Sócrates, Maria de Lurdes Rodrigues. Joana Mortágua não teve mesmo problemas em utilizar o nome da ministra cujo modelo de avaliação que propôs juntou 200 mil professores na rua em protesto numa grande manifestação. E com palavras duras: “Esta maioria de professores confiaram no senhor ministro para reverter as política de Nuno Crato [ministro da Educação de Passos], nunca deram o mandato ao senhor ministro para reeditar o discurso de Maria de Lurdes Rodrigues. O pior que podia acontecer era reeditar um discurso hostil contra os professores”.
Na bancada comunista — que agendou o debate –, o líder parlamentar João Oliveira acabaria também por recuperar o fantasma do Governo de Sócrates, em jeito de conselho ao ministro: “Devemos aprender com a experiência do passado, de 2005. Não é desvalorizando os professores, não é diabolizando os professores que se contribui para a valorização da escola pública.” Mais uma referência a uma página negra na governação socialista, que assistiu nas ruas à maior contestação de sempre dos professores — aliás, a guerra permanente com esta classe durante o primeiro mandato de Sócrates é mesmo vista como uma das principais responsáveis por o PS ter perdido a maioria absoluta nas legislativas seguintes, em 2009.
Tango sem ensaio dá pisadela e a t-shirt de Mário Nogueira
Quando o tango não está bem ensaiado, as pisadelas saem sem piedade. E a esquerda esteve particularmente pouco ritmada com os passos do ministro, tanto que o fez levantar a voz para garantir: “A chantagem não faz parte do meu léxico!” A tirada, na verdade, aproveitava a via aberta pela esquerda para responder ao homem que estava nas galerias a assistir ao debate, Mário Nogueira. O líder sindical entrou de t-shirt preta com um emoji com ar zangado, com as frases: “Exigimos respeito” e “9A, 4M, 2D”, ou seja nove anos, quatro meses e dois dias — o tempo de serviço congelado que os professores querem ver contabilizado para efeitos de progressão na carreira. Foi ele quem saiu da reunião com Tiago Brandão Rodrigues, na semana passada, a dizer que “o ministro disse que se os professores não aceitassem o apagão de 70% do tempo de serviço, então a proposta do Governo desaparecia e apagava-se o tempo todo. Isto tem um nome. Chama-se chantagem”. Acusação forte que Joana Mortágua, do BE, e Heloísa Apolónia, dos Verdes, aproveitaram no debate desta manhã, irritando o ministro que estendia aos sindicatos e partidos da esquerda a mão para o tango.
“O senhor ministro disse aos sindicatos: ‘Ou aceita dois anos e nove meses ou não leva nada’”. Sentado na bancada do Governo, mesmo ali à frente, o ministro abanava a cabeça em sentido negativo e a deputada dos Verdes atirava: “Ai não disse? Então quem é que inventou?”. Mesmo antes dela, já Joana Mortágua tinha recuperado a palavra que irritou o ministro, ao acusar Tiago Brandão Rodrigues de ter “escolhido a via da humilhação” dos professores ao dizer que “recuperariam 30% do tempo de serviço ou nada. Ou seja, chantagem“.
Governo ameaça não reconhecer nem um dia da carreira congelada, professores avançam com greve a tudo
A resposta foi por atacado, mas o ministro só referiu “a deputada dos Verdes” para lhe dizer, num tom bastante mais forte do que o usado até aí: “A chantagem não faz parte do meu léxico“. Mário Nogueira estava nas entrelinhas do ministro que continuou dirigindo-se a Heloísa Apolónia no mesmo tom crispado: “Não vai pôr na minha boca o que outros disseram. A chantagem não faz parte do meu léxico”. Os deputados do PS ia aplaudindo, aqui e ali, em apoio ao ministro, que continuava preso à vontade de um tango: “A chantagem não pode ser darmos um passo e do outro lado ninguém dar um passo”.
“Os sindicatos podem estar em conflito comigo, mas eu não estarei em conflito com os professores e os sindicatos. Respeito enormemente o direito à greve”, acrescentou ainda o ministro que tinha acabado de ouvir Joana Mortágua dizer que o ministro tinha “escolhido a via da humilhação quando recorreu a um expediente administrativo para contornar uma greve legítima”. Referia-se ao travão que o ministro colocou à greve que o Sindicato de Todos os Professores (STOP) tinha agendada para sexta-feira, argumentando que o pré-aviso não tinha chegado nos dez dias úteis exigidos por lei.
O PS tentou vir em auxílio do ministro. O deputado socialista Porfírio Silva até arredondou uma conta que tem sido muito certa. Do lado do Governo a soma não mexe e tem sido sempre a mesma: só reconhece 2 anos, 9 meses e 18 dias. E nem mais um dia. Porfírio Silva arrendondou os números para atirar à esquerda: “O Governo propôs a recuperação de quase três anos de tempo de serviço. Alguém pode dizer que isto é nada? Seriamente, ninguém poderá desvalorizar a relevância dessa proposta.”
A proposta dos sindicatos é de reconhecimento de todo o tempo de serviço e não menos um dia: 9 anos, 4 meses e dois dias. Heloísa Apolónia não deixou escapar o arredondamento de Porfírio Silva: “O senhor deputado diz quase três anos como se fosse bom? Não, não é. O tempo de serviço prestado foram os 9 anos e os 4 meses. Querer contar apenas um terço do tempo é ludibriar os portugueses, procurar enganar.”
A direita assistiu quase de camarote aos ataques internos na geringonça, acusando em uníssono o Governo de vender ilusões aos professores. A deputada do PSD Margarida Mano, deu razão aos partidos à esquerda do PS, dizendo que o Governo foi claro ao dizer que ia reconhecer todo o tempo de serviço e que o que havia a negociar, era “o tempo e não do modo”. Margarida Mano não perdeu a oportunidade para dizer que que “o ministro enganou os professores” e “vendeu ilusões”, prometendo que já sabia à partida que “não podia cumprir.”
Já o CDS, através da deputada Ana Rita Bessa, pediu a Governo “um plano transparente para o descongelamento de todas as carreiras da administração pública, incluindo a docente”. E acusou PS, BE, PCP e Verdes de se terem “aproveitado da classe docente alimentado ao limite uma ilusão”. O Bloco e o PCP mantiveram o seu hábito: negociar à mesa e reivindicar na rua. Mesmo sabendo das limitações e da ambiguidade” do Orçamento do Estado para 2018″, acusou a deputada.