O programa Carpool Karaoke do apresentador e comediante britânico James Corden costuma dar que falar pelas melhores razões: um apresentador bem disposto a conduzir um carro com uma estrela da música no lugar do pendura, os dois a cantar grandes êxitos a plenos pulmões. A receita não falha. De Madonna a Adele, passando por Stevie Wonder ou até, num registo diferente, a ex-primeira-dama Michelle Obama: grandes figuras de renome surgem ali humanizadas pela música.

Isto é tudo muito bonito, mas é porque ainda não viu o último episódio. Esta quinta-feira à noite, o The Late Late Show with James Corden surpreendeu o mundo quando mostrou uma lenda viva dentro de um carro: um Carpool Karaoke com Paul McCartney, o Beatle que, diz quem percebe aqui na redação, aos 76 anos continua a cantar exatamente no mesmo tom que cantava quando tinha 30. Sim, no Observador demorámos dois dias a carregar no play para ver o vídeo que se tinha tornado viral desde sexta-feira, mas valeu a pena: houve arrepios do início ao fim e quase, quase que houve lágrimas. Por isso, se estiverem na mesma situação do que nós, não percam mais tempo porque estes 23 minutos são capazes de vos mudar o dia.

Tudo começa com James Corden sentado no carro numa rua de Liverpool, o bairro histórico onde os Beatles se fizeram Beatles, a telefonar a alguém a pedir “Help” [ajuda]. Mas não uma ajuda qualquer. “I’m in Liverpool, and I need your help. Yeah, I need somebody, not just anybody, please, please help me”, disse ao telefone, citando uma das mais emblemáticas canções do grupo. É aí que entra sir Paul McCartney no carro, e tudo começa. Arrancam com o “Drive My Car”, mas depressa chegam a Penny Lane, a rua descrita na canção de 1967 com o mesmo nome. Enquanto cantam, passam pelos locais descritos e não resistem a sair do carro para parar na barbearia mencionada, para grande espanto da atual funcionária.

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Sempre bem disposto e em plena forma, Paul McCartney vai distribuindo autógrafos entre fãs civilizados enquanto lembra os tempos em que nem em casa estava sossegado, com gente a bater-lhe à porta a toda a hora. Mas nem isso o parecia incomodar, apenas cansar um bocadinho volta e meia. De volta ao carro, James Corden diz que as canções escritas por Paul McCartney têm uma carga tão elevada de “alegria, positivismo, uma mensagem de amor e união” que são “hoje mais relevantes do que alguma vez possam ter sido”, o que leva Paul a admitir que “nunca pensou” que o êxito das músicas dos Beatles durasse “mais do que 10 anos”. Mas “continua, e continua e continua”. Talvez seja por isso mesmo.

É aí que entra “Let it Be” e um dos momentos altos do vídeo. Paul McCartney explica as circunstâncias em que escreveu a canção, e leva James Corden às lágrimas, e ao silêncio. Um dia, nos anos 60, Paul sonhou com a mãe, que já tinha morrido. “Ela apareceu-me no sonho e garantiu-me que ‘ia ficar tudo bem’. ‘Apenas, deixa ir’ [Just, let it be]”, conta. “Ela deu-me a mensagem positiva, uma palavra positiva, e eu acordei e pensei ‘ela disse let it be‘”, e assim foi. “Era isso mesmo, parece que nunca tinha ouvido a expressão ‘let it be'”.

“Essa foi a história mais bonita que já ouvi”, disse James Corden, lembrando também ele o momento em que ouviu pela primeira vez aquela canção. “Lembro-me do meu avô, que era músico, e do meu pai, sentarem-se comigo e e dizerem ‘Vamos tocar para ti a melhor música que já ouviste’. E tocaram a ‘Let it be’. Tenho a certeza de que se o meu avô cá estivesse, ia ficar absolutamente maluco com isto”, disse, já com as lágrimas nos olhos. “Ele está”. Paul McCartney deu a resposta que se impunha, e James Corden ficou em silêncio — sim, é raro isso acontecer.

Mas adiante. James Corden ainda leva Paul McCartney à casa onde viveu na adolescência e onde escreveu algumas canções, e segue-se mais um momento de pura nostalgia (sem melancolia). Paul mostra-nos a casa de banho minúscula onde gostava de passar horas com a guitarra, a cantar, porque “a acústica é muito melhor aqui”, e lembra-se do dia em que compôs “She Loves You [Yeah yeah yeah]”“Toquei-a para o meu pai, que também era músico, tocava piano, e ele disse: ‘É boa, mas já há demasiados americanismos por aí, não queres cantar antes She loves you/Yes, yes, yes?'”, conta Paul McCartney, que não seguiu o conselho do pai. “Sabe-se lá o que podia ter acontecido se tivéssemos seguido o conselho dele”.

Já perto do fim, James Corden pergunta se Paul costumava tocar nos pubs ali da rua com John Lennon e companhia. Paul McCartney diz que tocavam em todo o lado. “Então vamos ali a um divertir-nos um bocado?”, pergunta o apresentador. Paul McCartney aceita o desafio e, bom, sobre os minutos que se seguem nem sequer temos palavras.