Com o chumbo à vista, o PS pediu esta terça-feira a suspensão da votação das três propostas de lei do Governo sobre habitação, que estavam em discussão no grupo de trabalho sobre arrendamento urbano. O pedido foi aprovado pelo PS e PSD, empurrando para dezembro (pós discussão do OE 2019) uma nova tentativa para os partidos chegarem a acordo sobre as alterações às regras do arrendamento. “Para termos boas respostas para o problema do arrendamento precisamos de boas leis, e para termos boas leis precisamos de uma maioria”, diz ao Observador o deputado socialista João Paulo Correia, admitindo que foi a falta de maioria parlamentar que motivou o adiamento, e mostrando-se confiante de que em dezembro haverá acordo — e que as novas leis poderão vigorar a partir de 1 de janeiro de 2019.

Em causa estão medidas como a reversão da chamada “lei Cristas”, que liberaliza a duração dos contratos de arrendamento, o regime de arrendamento acessível ou os benefícios fiscais a senhorios que optem por contratos de longa duração. As propostas de lei do Governo, contudo, não colheram apoio junto do PCP (que é contra os benefícios fiscais para os senhorios) nem dos partidos da direita, que tinham as suas próprias propostas, com o PSD a concordar que é preciso mais tempo para o debate — apesar de já ter havido três adiamentos no âmbito daquele grupo de trabalho.

Ao Observador, o deputado do PS João Paulo Correia justificou o pedido de adiamento com o argumento de que, quando passar o período de discussão orçamental, o Parlamento ainda pode voltar a pegar no dossiê, em dezembro, a tempo de aprovar as novas regras para vigorarem no ano que vem. Mas em divergência com o pedido de adiamento do PS, a presidente do grupo de trabalho, a deputada independente pelo PS Helena Roseta, anunciou que ia pedir a demissão do cargo de coordenação daquele grupo. 

“O meu dever de consciência é não adiar uma coisa que considero que é urgentíssima”, afirmou Helena Roseta em declarações aos jornalistas à margem dos trabalhos, citada pelo Jornal de Negócios. A também presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, lembrou que Fernando Medina tinha feito um apelo no 5 de outubro a que as alterações às rendas fossem rapidamente aprovadas no Parlamento, manifestando urgência na mudança das regras. Ao jornal Expresso, Helena Roseta foi mais longe e disse que houve “divergências graves” com o partido e o Governo. “Havia espaço para a negociação e para chegar a um consenso alargado, mas as negociações foram mal conduzidas pelo Governo e o PS”, acusou.

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Falando depois aos jornalistas no Parlamento, Helena Roseta ainda justificou a demissão com o facto de não concordar com a maneira como o PS lida com o sistema parlamentar democrático. “O PS pede o adiamento porque não tem maioria para aprovar as suas propostas, e isto põe em causa o funcionamento democrático. Porque esta maneira de fazer as coisas não corresponde à democracia — em democracia perde-se e ganha-se. Adiar sucessivamente porque não se conseguiu maioria é estranho”, diz.

Também o PCP e o Bloco defenderam a urgência da aprovação das medidas que estão em cima da mesa. “Este adiamento não responde à situação de emergência social que se vive no mercado do arrendamento”, afirmou o deputado bloquista Pedro Soares. Paula Santos, do PCP, alertou para as consequências de novo adiamento, sublinhando que há situações “de enorme pressão sobre as famílias” que exigem a “tomada de medidas para proteger o direito à habitação”.

O chumbo pré-anunciado

Em causa estava um pacote legislativo com mais de 20 diplomas sobre arrendamento urbano, onde se incluem três propostas de lei do Governo. Propostas essas que preveem, entre outras coisas, que os contratos de arrendamento para habitação nas cidades voltassem a ter uma duração mínima fixada por lei, que seria no mínimo de um ano e um máximo de 30, havendo a obrigatoriedade de renovação automática durante “um mínimo de três anos”. Ou seja, os inquilinos podiam denunciar o contrato a qualquer altura, dando conhecimento prévio ao senhorio, mas o senhorio só podia denunciar o contrato ao fim de pelo menos três anos. Mais problemáticas eram as propostas, não de proteção dos inquilinos, mas de estímulo aos proprietários. Entre essas propostas, o Governo propunha um regime de renda acessível e benefícios fiscais para os senhorios que fizessem contratos longos de arrendamento — mas o PCP juntou-se ao PSD e ao CDS contra estas propostas, deixando o PS sem maioria. 

Assim, a maioria de esquerda que apoia o PS no parlamento não se entende na questão de dar benefícios fiscais aos senhorios que 1) implementem contratos de mais longa duração, 2) ponham imóveis no mercado a renda acessível. O PCP é contra a ideia de subsidiar os proprietários pela via fiscal, pelo que não apoia o PS e o Governo nestas propostas. “Consideramos que as políticas de habitação não se resumem a questões de natureza fiscal” e “se o objetivo é garantir o direito à habitação e evitar os despejos, então o PS tinha votado favoravelmente a proposta do PCP de revogação da lei dos despejos”, afirmou a deputada comunista Paula Santos há uma semana, citada pelo jornal de Negócios. O BE também tem dúvidas sobre a proposta das rendas acessíveis, mas não rejeitava categoricamente.

Já o PSD, a quem o PS poderia recorrer para colmatar o voto contra do PCP, disse sempre que tinha as suas próprias propostas em matéria de arrendamento urbano pelo que “não há qualquer abertura para um voto favorável” às propostas do PS, como explicou o deputado António Costa da Silva citado pelo Jornal de Negócios esta terça-feira.

Assim sendo, com o chumbo no horizonte, o PS jogou pelo seguro e adiou novamente a votação, o que deixou Helena Roseta furiosa. “O desfecho da votação era imprevisível, e só isso já era um sinal suficiente de que ainda não estávamos em condições de votar”, disse João Paulo Correia ao Observador, defendendo que “é preciso tempo para o diálogo” e que não vale a pena votar umas propostas e não votar outras, porque as medidas de proteção dos inquilinos e de estímulo aos proprietários valem como um todo. “É preciso que os proprietários queiram colocar os seus imóveis no mercado, não basta só proteger os inquilinos”, argumentou, mostrando-se confiante de que em dezembro vai ser possível as negociações chegarem a bom porto.

*artigo atualizado com a demissão de Helena Roseta e as declarações do deputado socialista João Paulo Correia ao Observador