Quase dez anos depois do primeiro, arrancou esta quinta-feira, na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, o II Colóquio Internacional dedicado a Sophia de Mello Breyner Andresen, integrado nas comemorações do centenário do nascimento da poeta. A filha da autora, Maria Andresen de Sousa Tavares, que falou na abertura do evento, que decorre até sexta-feira, disse esperar que este “ajude a ler Sophia” por considerar que, estranhamente, “ela tem sido pouco lida”. Frederico Lourenço, fazendo eco das palavras de Fernando Cabral Martins, apontou a complexidade da obra da autora, escondida sob uma falsa aparente simplicidade.

“Muitas pessoas ficam pelos livros que leram na infância e pelas fotografias muito bonitas”, afirmou Maria Andresen, responsável pela coordenação das comemorações do 100 anos de Sophia, perto do final da sua intervenção. “Uma das coisas que mostra que tem sido pouco lida é a adesão com que são recebidos poemas falsos que são postos a correr. Quem a conhece bem, sabe que essa tentativa de imitar torna-se numa piroseira”, disse entre risos, frisando que a mãe não é uma poeta “fácil”.

Essa é também a opinião de Fernando Cabral Martins. Declarando que “Sophia é um poeta que faz sentido imediato pela sua clareza e transparência”, o investigador, também responsável pela organização do colóquio, apontou que, “se formos tentar fazer a sua análise, ela revela uma opacidade e obscuridade que são inesperadas. A verdadeira simplicidade esconde sempre a complexidade, e é isso que pode dar preço ao nosso encontro que espero que seja profícuo”.

Durante a sua intervenção, Cabral Martins explicou que se tentou reunir no colóquio “especialistas que podem oferecer discussões e apresentações relevantes e eventualmente inovadoras, se bem que a inovação seja mais rara do que aquilo que se pode pensar à primeira vista”. Entre a lista de participantes contam-se “críticos consagrados”, mas também “jovens investigadores”. “Penso que nos podemos orgulhar do painel de intervenientes”, admitiu o especialista em literatura portuguesa do século XX.

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Augusto Santos Silva, que esteve presente na cerimónia de abertura do II Colóquio Sophia de Mello Breyner, esta quinta-feira de manhã, admitiu estar sempre a “tropeçar” na poeta. No final da sua intervenção, onde referiu a importância de todos aqueles que ajudam a projetar Portugal no estrangeiro, como professores e escritores, o ministro dos Negócios Estrangeiros fez um apelo: pediu a todos os investigadores presentes que, em primeiro lugar, “com o seu trabalho contribuíam para que o stock [de conhecimento e interpretações disponíveis] seja cada vez mais rico”; e, em segundo lugar, que “se lembrem, nem que seja por um segundo, que a política externa portuguesa também pode beneficiar com o vosso trabalho”.

“Os poetas e as poetas portugueses são essenciais para [a projeção dessa] imagem. E, nos poetas e nas poetas portugueses, Sophia está, para falar em bom português, no top five”, afirmou Santos Silva.

Frederico Lourenço: “Por detrás da simplicidade de Sophia, estão mil complexidades”

A primeira mesa redonda do colóquio foi dedicada ao tema “Espaço”, e contou com a participação do poeta brasileiro Eucanaã Ferraz e do investigador e tradutor português Frederico Lourenço. Ferraz, recente editado em Portugal pela Tinta-da-China, começou por lembrar que a “crítica já observou muitas vezes a importância da natureza”, explicando que, durante a sua intervenção, iria abordar a “questão da paisagem”. Na obra de Sophia, existe “uma especial interação entre o espaço, a perceção e a representação do espaço”, afirmou, citando um verso da poeta em que esta se compara a uma “antena”. “Essa antena que é Sophia apreende o mundo como uma paisagem”, e o “sujeito lírico absorve o mundo na sua interioridade”.

Apontando que o espaço é um espaço sobre o qual já escreveu muitas vezes, incluindo a respeito da autora de Livro Sexto, Lourenço frisou que a maneira como a poeta via os diferentes lugares leva “a um problema, que é o risco da poesia de Sophia se prestar a interpretações que parecem ser muito imediatas, e de ver estas realidades como sendo apenas aquilo que as palavras nos invocam de maneira simples. Como o Fernando [Cabral Martins] muito bem disse, por detrás da simplicidade de Sophia, estão mil complexidades. Pensamos que conseguimos estabelecer uma relação entre Grécia e Algarve, Grécia e Granja; temos constantemente esta sobreposição de coisas que tem também a ver com a sobreposição do espaço”.

“O pedaço não é de todo uma categoria simples na obra de Sophia, o que nos leva constantemente a contradizer aquilo que pensamos ser o sentido da palavra na sua obra”, disse Lourenço.

Lourenço deu como exemplo a casa. “Lemos a obra e fazemos ideia do valor que esse espaço tem, mas se formos começando a ler os momentos em que a casa aflora, sobretudo na obra poética, [percebemos que esse valor não é sempre igual]”, começou por explicar. No início, a casa é a “casa vista de fora, que tem a ver com a reminiscência autobiográfica da casa onde ela cresceu”. Mas, a certa altura, esta “passa a ter um significado diferente — deixa de ser a casa vista de fora [e passa a ser] o espaço interior. Não é a casa vista à luz do dia, quase como algo fantasiosamente belo, mas um lugar de ascese, de solidão.”

Durante a sua intervenção, Lourenço recordou o poema “Brasil 77”, escrito por Sophia e que “no mundo como está agora” faz todo o sentido. Neste, a poeta escreveu que ao “Brasil que tortura/ Só podemos dizer não”. “Mesmo nestas coisas muito complexas, e com uma mensagem poética muito requintada, Sophia consegue sempre transmitir uma mensagem que não é só poesia, não é só arte. Tem também a ver com estar no mundo, ver o mundo à nossa volta e ter uma opinião sobre esse mundo”.

O II Colóquio Internacional Sophia de Mello Breyner Andresen decorre de 16 a 17 de maio na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. A entrada é livre