Os realizadores de cinema de animação Abi Feijó e Regina Pessoa são os grandes dinamizadores da Casa-Museu de Vilar, em Lousada, visitada por animadores de 40 países e que reúne o espólio dos dois autores.

Regularmente, disseram ambos à Lusa, são recebidos grupos de pessoas ligados à animação, interessados em conhecer o trabalho dos dois criadores, que já arrecadaram cerca de uma centena de prémios internacionais. Entre os grupos de visitantes, encontram-se elementos dos serviços educativos da Cinemateca francesa e da Cinemateca de Berlim, mas outros grupos internacionais têm passado pelo espaço, deixando elogios em várias línguas e promessas de voltar, sob a forma de sorrisos, com mais amantes da animação, contaram.

Nas salas encimadas por tetos altos, mas iluminadas a preceito, é possível aos olhos de quem lá entra perderem-se de imediato nos desenhos originais de vários filmes, em excertos de animação que brotam sons que nos despertam, mas também numa coleção de ‘velhas’ peças do pré-cinema, que as mãos do repórter, surpreendidas, puderam sentir, que Abi Feijó foi colecionando ao longo dos anos, que têm feito a delícia de tantos visitantes.

Além dos desenhos e de outros materiais utilizados nas animações, podem ser apreciados equipamentos do cinema de animação, nomeadamente máquinas de filmar de 16 milímetros e 35 milímetros, trucas e mesas de montagem, que retratam a evolução tecnológica das últimas três décadas.

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O espaço funciona desde 2014 na casa de família de Abi Feijó, construída no século XIX, uma propriedade rodeada por vinhedo e uma grande mata, onde também foi instalado o estúdio de animação dos dois cineastas.

“Temos o nosso estúdio de produção”, contaram, enquanto mostravam o espaço e o processo de produção da animação influenciado pelo ambiente bucólico, que por esta altura rodeia o edifício centenário, como sussurraram ao repórter, onde despontam as famosas camélias de Lousada, aos primeiros raios de sol que prometem a primavera.

Abi Feijó divide a propriedade da casa com um casal canadiano que também faz bandas sonoras para vídeos de animação.

À Lusa, o realizador falou com o seu tom sereno, contando que, há alguns anos, não sabia o que fazer à casa que herdara dos pais, porque não percebe nada de agricultura, surgindo então a ideia de aproveitar todo o espaço disponível – no caso do museu são três salas – para reunir o acervo de décadas dos dois criadores, além de outro material, incluindo desenhos de animação, de produção internacional.

Abi Feijó ali vive, dividindo o seu tempo entre a realização e a produção de cinema de animação e a gestão do museu.

O equipamento funciona exclusivamente por marcação prévia, porque todas as visitas são acompanhadas por Abi Feijó, que explica cada uma das peças em exibição, com a minúcia própria de quem fala do seu ‘métier’ de décadas.

O museu organiza também ‘workshops’ de animação dirigidos às escolas, sobretudo da região, contando nestes casos com o apoio da Câmara de Lousada e da Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa.

Em 2019, foram realizadas cerca de duas dezenas de sessões, com alunos de vários pontos de norte a sul do país, totalizando, até ao momento, cerca de 70 localidades.

Regina Pessoa, que passou grande parte dos dois últimos anos a trabalhar no estúdio, o seu último filme, “Tio Tomás, A Contabilidade Dos Dias”, paredes-meias, com o museu, disse à Lusa estar “muito orgulhosa” por fazer parte do projeto.

Sorriu bastante, quando lhe perguntámos sobre o significado do museu e respondeu: “É um museu diferente, não é um museu convencional. Aquilo que nós fazemos é vistas por marcação. A visita demora cerca de hora e meia, mas é uma ‘masterclasse'”.

Enquanto hesitávamos pegar numa lupa para apreciar o pormenor de uma bela ilustração colorida do período romântico do pré-cinema, a realizadora aproximou-se e fez questão de destacar que é permitido aos visitantes tocar nas peças, enquanto “seguem a aula que o Abi faz na visita guiada”.

Muitas visitas, explicou depois sem pressa, ocorrem no âmbito do Plano Nacional de Cinema, que inclui vários filmes dos dois autores portugueses.

“Grande parte dos nossos filmes estão nessa lista do Plano Nacional de Cinema. Muitas vezes, quando os alunos vêm cá já conhecem os nossos filmes. Vêm cá, veem os originais e seguem a visita do Abi”, concluiu.

A visita terminou, mas as portas de Vilar abrem-se sempre a quem quiser voltar para mergulhar no mundo fantástico da animação, como observaram os anfitriões.

Regina Pessoa espera nomeação para Óscar

A realizadora de cinema de animação Regina Pessoa disse que estar à espera de saber se vai ser nomeada para um Óscar de Hollywood, na segunda-feira, pela sua última curta-metragem, já é uma conquista para o cinema português.

“Há quatro etapas nesta corrida. Eu já passei duas, agora vem a terceira, o que já é uma conquista para a animação portuguesa. Estou muito contente por ter chegado aqui”, comentou Regina Pessoa, em entrevista à agência Lusa, a propósito da presença do seu filme “Tio Tomás, A Contabilidade Dos Dias” entre os 10 finalistas que concorrem à nomeação para o Óscar de Melhor Curta-Metragem de Animação.

Falando no seu estúdio situado na Casa-Museu de Vilar, no concelho de Lousada, rodeado de vinhedo e uma mata a perder de vista, tudo propriedade do também realizador de animação Abi Feijó, com quem tem trabalhado em vários projetos, Regina Pessoa estimou que a sua curta-metragem “Tio Tomás, A Contabilidade Dos Dias” tenha 50% de possibilidades de ser nomeada pela Academia de Hollywood.

A realizadora propõe-se viver, neste caminho, “cada etapa como se fosse, ela própria, já em si, um prémio”.

“Pessoalmente, é muito gratificante ter chegado a este patamar de reconhecimento”, comentou, recordando que outro filme seu, “A História Trágica com Final Feliz”, de 2005, já esteve na iminência de ser nomeado para os Óscares, o que não veio a acontecer.

Para a realizadora, uma eventual nomeação de seria “muito importante para a animação em Portugal”, que é considerada, sinalizou, “o parente pobre do cinema”.

“Talvez, com este reconhecimento, as pessoas comecem a olhar para o cinema de animação com outros olhos e com mais curiosidade”, reforçou.

O filme “Tio Tomás, A Contabilidade Dos Dias” é a quarta curta-metragem da realizadora de 50 anos, tratando-se de uma coprodução de três países: Portugal, França e Canadá. O enredo inspira-se num tio com quem a autora conviveu na sua infância, numa aldeia perto de Coimbra.

“A partir das memórias afetivas e visuais da minha infância, este filme pretende ser uma homenagem ao meu tio Tomás, um homem humilde e um pouco excêntrico que teve uma vida simples e anónima. Com este filme eu gostaria de testemunhar como não é preciso ser-se alguém, para se ser excecional na nossa vida”, lê-se na sinopse do trabalho.

Regina Pessoa trabalhou durante 22 meses nas diferentes fases do projeto, que comportou várias técnicas de animação, recordou à Lusa o realizador Abi Feijó, que também colaborou, como produtor, neste filme.

“A Regina, para fazer este filme, teve de trabalhar quase 16 horas por dia. Ela gosta de preparar tudo com muito detalhe e muita minúcia e isso implica muita dedicação. É um trabalho gigantesco”, comentou, enquanto anotava que uma produção internacional como aquela obriga um grande esforço de muitas pessoas, para além dos custos que implica.

Abi Feijó admite que se a nomeação acontecesse “seria excelente”, mas assinalou o caráter imprevisível do processo de escolha em Hollywood.

“É uma roleta russa. Os resultados dos Óscares são muito imprevisíveis, porque são milhares de pessoas a votar. E votam muito nas produções americanas, nos grandes estúdios. As nossas expectativas têm de ser forçosamente baixas, mas temos a secreta vontade de quebrar este enguiço”, anotou.

Observou, ainda, que a animação portuguesa tem conseguido “alguns reconhecimentos internacionais assinaláveis” e que uma nomeação deste projeto poderia consolidar, em termos nacionais e internacionais, os apoios que os realizadores de animação precisam para continuar a trabalhar e haver “uma visão reforçada da qualidade da animação portuguesa”.

Nomeada em novembro para um prémio Annie, da Sociedade Internacional de Cinema de Animação, cujos vencedores serão conhecidos no próximo dia 25, em Los Angeles, a curta-metragem “Tio Tomás, A Contabilidade Dos Dias” tem vindo a arrecadar distinções a nível internacional, desde a estreia, em junho do ano passado, na Festa da Animação de Zagreb, na Croácia.

“Tio Tomás, A Contabilidade Dos Dias” foi duplamente premiada no mais importante festival de cinema de animação, o Festival Internacional de Animação de Annecy, em França, tendo recebido o Prémio Especial do Júri e o Prémio para a Melhor Música Original, da autoria do compositor canadiano Normand Roger.

Foi também distinguida no Festival de Cinema Infantil de Chicago, com o Prémio do Júri, e nos Caminhos do Cinema Português, em Coimbra, pela sua banda sonora.

Na candidatura às nomeações para os Óscares, Regina Pessoa concorre com nove trabalhos internacionais como, por exemplo, “Hair Love”, de Matthew A. Cherry, e uma curta-metragem de animação da Pixar intitulada “Kitbull”, de Rosana Sullivan.

“Tio Tomás, A Contabilidade dos Dias”, que aborda a idade adulta, sucede a três outros filmes de Regina Pessoa, também premiados em festivais portugueses e estrangeiros, com os quais a realizadora se debruçou sobre infância: “Noite” (1999), “História Trágica Com Final Feliz” (2005) e “Kali, O Pequeno Vampiro” (2012).

Nascida em Coimbra, em 1969, Regina Pessoa é uma das mais premiadas realizadoras de sempre do cinema português de animação. “História Trágica Com Final Feliz”, prémio máximo em Annecy, “Kali, O Pequeno Vampiro” e “A Noite” somam mais de 80 distinções.

Em 2018, Regina Pessoa tornou-se membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos.

Os nomeados para a 92.ª edição dos Óscares, os prémios norte-americanos de cinema, são anunciados na próxima segunda-feira, em Los Angeles.