O cartoonista português Vasco Gargalo disse esta quarta-feira à agência Lusa ter recebido ameaças de morte, além de acusações de antissemitismo, por causa de um cartoon publicado em novembro, e sublinhou que continuará a lutar pela liberdade de expressão.

“É mais um sinal de que a comunidade judaica não pode ser criticada. Cada vez que isso acontece [é-se] logo acusado de antissemita. É uma perseguição para aniquilar o meu trabalho”, lamentou o cartoonista.

Em causa está um cartoon, intitulado “Crematório”, que Vasco Gargalo publicou online, na plataforma Cartoon Movement a 15 de novembro de 2019 e que republicou na semana passada, num comentário ao plano de paz para o Médio-Oriente apresentado pelos Estados Unidos. O cartoon, que faz uma alusão ao Holocausto, mostra o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, a empurrar um caixão, coberto com a bandeira palestiniana, para um crematório onde está inscrito “Arbeit Macht Frei” (“O trabalho liberta”), replicando a frase que está na entrada do campo de concentração nazi de Auschwitz.

“É a minha visão sobre este ataque. Quando fiz o cartoon sabia que era forte, que ia tocar na questão das vítimas do Holocausto, mas na verdade não acrescento nada ao que vejo. É uma comparação que fiz do conflito israelo-palestiniano”, disse Vasco Gargalo. O cartoonista fala em ameaças de morte e injúrias, de pessoas da comunidade judaica em Portugal e no estrangeiro, de uma “enorme pressão sobre os media”.

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Segundo Vasco Gargalo, é quase certo o desvinculamento da revista Courrier International, uma das publicações com as quais trabalha, e a retirada do Prémio Plumes Libres que a publicação lhe atribuiu em novembro passado, mas mantém a relação laboral com a revista Sábado e o Correio da Manhã.

Não me incomoda a retirada do prémio, não vai influenciar a minha forma de desenhar. No dia em que me sentir pressionado deixo de fazer o meu trabalho. O que eu quero saber é até que ponto uma publicação como o Courrier International defende a liberdade de expressão, se ceder a pressões internacionais”, afirmou.

Garantindo que “vai lutar pela liberdade de expressão e pela liberdade de imprensa”, Vasco Gargalo referiu que vai reportar o caso à associação Cartooning For Peace, da qual faz parte.

Na quarta-feira, a organização judaica internacional de direitos humanos B’nai B’rith acusou Vasco Gargalo de estar a “demonizar o Estado de Israel” ao compará-lo ao regime nazi, e incitou a revista Sábado a desvincular-se do cartoonista, embora a revista nunca tenha publicado o cartoon em causa.

À agência Lusa, o diretor da Sábado, Eduardo Dâmaso, afirmou esta quarta-feira que não há nenhuma razão para a revista portuguesa terminar a relação contratual com o cartoonista, sublinhando a defesa da “liberdade de criação” do autor.

Esta polémica ocorre meses depois de o cartoonista português António ter sido também acusado de antissemitismo com um cartoon publicado na edição internacional do New York Times. O jornal pediu desculpa e deixou de publicar cartoons na sequência deste caso. Nesse cartoon, o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aparece com um ‘kipá’ (símbolo judaico) e óculos escuros a ser conduzido por um cão-guia com a cara de Benjamin Netanyahu.

Na altura, a direção do jornal norte-americano pediu desculpa pela publicação e justificou-se dizendo que tinha sido o resultado da decisão isolada de um editor, que não reconheceu o potencial de leitura antissemita, e rompeu o contrato com a empresa de serviço de distribuição de cartoons que trabalhava com vários cartoonistas internacionais, entre eles o português António (António Antunes). Na altura em que o seu cartoon foi alvo de polémica, António já tinha denunciado a “vulnerabilidade” do jornal nova-iorquino ao que considerou ser “grupos de pressão” com grande influência na sua linha editorial. “Provavelmente, tem a ver com as suas linhas de financiamento. Não sei. É um espetáculo triste”, lamentou António.

O cartoonista esteve há uns dias à conversa com a rádio Observador no programa Conversas de Fim de Tarde e afirmou que não cede a pressões e que os cartoons têm de ser respeitados.

“Depois do Charlie Hebdo passou-se a saber o que era um cartoon”