(Artigo em atualização)

No decorrer da primeira audição de um arguido no julgamento do caso de Alcochete, a juíza presidente, Sílvia Pires, tinha recordado que já foram ouvidas mais de 60 testemunhas da acusação, acrescentando que já faltarão muito poucas ou quase nenhumas. Fredy Montero não tem respondido, Petrovic voltou a adiar a audição, Doumbia também já terá caído entretanto. Mas havia uma que não poderia falhar para a “consolidação” do caso e que acabou por ficar como principal imagem da invasão à Academia: Bas Dost, na altura o grande goleador do Sporting e que acabou por ser o elemento com mais marcas físicas dos minutos de terror que se viveram em Alcochete.

Os motivos, a bazófia no Whatsapp, o encontro e a fuga (errada): o ataque à Academia, na primeira pessoa

“Fomos para o balneário e nesse momento entrou muita gente. Estava no corredor quando entraram os primeiros indivíduos. Como já era jogador do Sporting há algum tempo perguntei o que estavam ali a fazer”, começou por dizer o agora avançado dos alemães do Eintracht Frankfurt, com ajuda de uma tradutora, resolvidas que ficaram algumas dificuldades com o som da ligação via Skype. “Os jogadores estavam a entrar no balneário, estávamos preparados para o treino e, não compreendi porquê, o Vasco Fernandes mandou-nos para o balneário. Não voltei, fiquei no corredor, a porta abriu-se e entrou um homem com máscara”, recordou.

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“Estava sozinho e fiquei com medo, até que um se voltou para mim, sem que visse o que tinha na mão, e atingiu-me na cabeça. Caí para o chão, o indivíduo que me agrediu deu-me depois pontapés e disse a outro que fizesse o mesmo. Fiquei no chão inconsciente cinco segundos. O João Rollin [secretário técnico adjunto] veio para me ajudar e deu pontapés à pessoa que me agredia. Levantou-me, porque ele é muito forte, e afastou-me do corredor. Tinha muito sangue na cabeça, ele levou-me para outro sítio e disse-me que tinha de voltar para ajudar os outros. Nesse momento até fui egoísta e disse que não me deixasse. Ele levou-me para outra sala onde estava o enfermeiro Mota e um médico que me assistiram. Foi tudo muito rápido, em cinco minutos. Quando os meus colegas entraram nessa sala e lhes perguntei se já tinham ido embora, disseram-me que sim”, contou.

– Recorda-se quanto tempo demorou a tirar os pontos?
– Não me lembro mas já foi em casa.
– Teve medo pela sua vida?
– Sim, claro. Foi horrível… Estava sempre com medo de estar sozinho, mesmo quando ia para a rua ou ao supermercado.
– Teve segurança nessa altura?
– Tive segurança em casa durante semanas, até à minha mulher pedir por amor de Deus para os deixar ir embora…

“Sou da Holanda e na Holanda resolvemos os problemas a conversar. Nesse momento achei que devia assumir a responsabilidade como líder da equipa. Tínhamos perdido o jogo com o Marítimo e depois não conseguimos com isso o apuramento para a Liga dos Campeões, que era o objetivo da época. Pensei: ‘Eles estão zangados, vamos falar sobre o assunto'”, destacou depois Bas Dost, que assumiu ter sido “uma situação muito stressante”. “Fizeram um bom trabalho a suturar a ferida. Não me lembro quantos pontos foram mas ainda tenho a cicatriz”, disse.

Já em resposta ao advogado do Sporting (que é assistente do processo), Miguel Coutinho, o avançado sublinhou que nenhum dos invasores prestou ajuda após a agressão e que, depois dos primeiros seis indivíduos, havia muita gente a entrar. “Todas essas pessoas que entraram depois viram-me a sangrar e não me tocaram. Fui pontapeado no dorso, das axilas para baixo e nas pernas”, frisou, antes de fazer uma viagem até hoje e às consequências que ficaram do ataque: “Neste momento o que sinto não é bom. Não vou dizer que tenho tanto medo como no primeiro mês após o ataque. Falei com muitos terapeutas especializados em trauma. Estive em terapia em Lisboa logo depois do ataque, que me sugeriu que seria bom sair do país. Fui de férias mas foi horrível porque não sabia o meu futuro. A minha mulher estava no final da gravidez, tinha sido acompanhada em Lisboa e queria dar à luz em Lisboa. Fui três semanas para Áustria, com o meu agente. Falei com um terapeuta, não sabia o que fazer”.

Em respostas aos restantes advogados dos arguidos, o holandês explicou que foi o enfermeiro Carlos Mota e o médico “careca que não me recordo agora do nome” [Virgílio Abreu] que estiveram na sala quando foi suturado, ao mesmo tempo que referiu não ter percebido quem lhe tirou a fotografia onde tem um penso na zona da ferida e está a chorar: “Estava com medo, estava em choque, estava com dores, não faço ideia”. Em paralelo, Dost falou também da chegada do antigo presidente Bruno de Carvalho à Academia, já depois do ataque.

“Lembro-me muito bem dele lá. Estávamos no balneário. Tive imensos problemas em vê-lo porque não queria acreditar que pessoas tinham entrado no nosso balneário. Estava zangado porque nunca imaginei na minha vida que isto podia acontecer e lembro-me de lhe ter gritado em inglês como era possível aquilo ter acontecido. Fui-me embora zangado”, destacou sobre esse momento, mais de meia hora depois da invasão. A juíza fez depois as últimas perguntas, antes do final do depoimento que durou cerca de uma hora antes de se passar para a audição de mais testemunhas abonatórias, neste caso de Emanuel Calças.

– O que sentiu na primeira vez que voltou à Academia?
– Para ser honesto, não me via lá outra vez. Precisei de algumas semanas para me habituar. Tenho sorte de ter na vida pessoas que me ajudam nos momentos difíceis.
– Quando jogava e o Sporting não tinha bons resultados, tinha receio que voltasse a acontecer?
– Antes de regressar para o Sporting falei com Sousa Cintra. Prometeram-me que tudo seria melhor. Para ser sincero, quando nós perdemos os jogos não nos sentimos bem. Mas o doutor Varandas prometeu-nos depois que nada aconteceria e nada aconteceu. No final do ano, quando recebemos a taça, não foi uma celebração…