Menos de dez minutos. Entre nove e dez minutos. Sousa Cintra, antigo presidente do Sporting e líder da SAD no período de vigência da Comissão de Gestão verde e branca entre junho e setembro de 2018, tinha sido dispensado como testemunha do antigo número 1 leonino Bruno de Carvalho mas manteve o mesmo papel junto de outros arguidos – mesmo sem perceber ao certo o porquê. “Fico surpreendido por ser testemunha de uma pessoa que não conheço. É o nome que vem aqui, Guilherme Gata de Sousa, não conheço… É uma perda de tempo mas temos de cumprir as ordens”, atirou à porta do Tribunal de Monsanto. “Só tenho que lamentar o que aconteceu mas não presenciei nada, não estive lá. Conheço o que vi nas televisões, nos jornais, foi um dia triste para mim”, acrescentou. E foi por isso que esteve menos de dez minutos na sala, falando antes e depois aos jornalistas no início daquela que é já a 30.ª sessão do julgamento do caso de Alcochete, que arrancou a 18 de novembro.

Ao advogado Aníbal Pinto, Cintra deu sobretudo a sua opinião sobre as claques. “A minha relação com eles sempre foi boa. Quando assumi a função de presidente da SAD tivemos uma reunião com as claques todas e conversámos, dissemos que precisávamos da ajuda deles para que tudo corresse bem. Não tivemos nenhum problema com as claques. Se havia momentos de tensão quando se perdia? Sim mas o diálogo era sempre importante. A liberdade tem de estar sempre acompanhada pela responsabilidade. Depois da Comissão de Gestão, quando passei a pasta ao presidente que foi eleito, tudo estava bem com as claques”, comentou, citado pelo jornal Record.

Já Miguel A. Fonseca, que prescindira do antigo responsável como testemunha, quis saber apenas as alterações de segurança que tinham sido feitas desde que assumira a Comissão de Gestão. “Passou a haver mais atenção para o que se estava a passar. O que aconteceu não podia voltar a acontecer”, referiu sem muitos mais pormenores.

Assim, Sousa Cintra acabou por falar mais à porta do Tribunal de Monsanto do que no seu interior. E entre apelos à paz e união no clube, não só valorizou o trabalho que desempenhou nos três meses em que “segurou o barco” em Alvalade como deixou algumas “farpas” ao atual líder, Frederico Varandas. “Ele tem a sua razão com as claques. Têm de respeitar o clube e as pessoas, o que se passou foi desagradável. Mas acho que tem de haver diálogo, um entendimento. Nunca vi ninguém ganhar alguma coisa com guerras. Podíamos ter evitado isto tudo. Sou um amante do diálogo é conversando que as pessoas se entendem. Quando estive no Sporting como presidente da SAD pensei que o Sporting estava tranquilo em todas as vertentes, achava que estava tudo dentro da normalidade. Não havia motivo para tanto alarido, a união faz a força e essa união quebrou-se”, disse.

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As claques portaram-se mal mas há que corrigir essas coisas. Penalizar o que tiver de se penalizar mas sem se chegar a extremos porque isso não funciona. A minha relação foi sempre impecável. Havia sempre um caso ou outro, mas conversávamos e também é preciso tolerar a juventude. As pessoas têm de ser responsáveis ou não sei onde vai parar, isto é uma bagunça, uma república das bananas”, referiu.

“Quando peguei no Sporting, havia aquela situação que conhecem. Tudo se resolveu naquela altura, o Sporting conseguiu recompor-se e tive pena de as coisas não terem corrido como a Comissão de Gestão fez. A Comissão fez um trabalho brilhante, recuperou jogadores e deu uma alma nova ao clube. Quando saí do Sporting, o clube estava em primeiro lugar e já tinha jogado como Benfica na Luz e com o Sp. Braga. O clube estava animado, o treinador estava a dar conta do recado, todos os jogadores estavam comprometidos com o projeto de sermos campeões e de darmos uma grande lição ao futebol depois do que tinha acontecido. Depois o doutor Varandas quis alterar as coisas e não foi isso que ele disse na campanha. Ele disse que queria unir os sportinguistas, mas como ia fazer isso naquela forma? Manda o treinador embora, o Peseiro tinha estado no Sporting um ano e pouco, levando o clube à final da Liga Europa. Perdeu o Campeonato desse ano no último jogo com o Benfica. Já houve cinco treinadores depois disso”, salientou numa análise mais ampla ao último ano e meio do clube.

Assumindo que não tenciona mais candidatar-se à presidência do Sporting, Sousa Cintra falou ainda do impacto que a invasão a Alcochete teve não só no clube mas nos próprios jogadores. “Dei o meu contributo, entrei pela porta grande e saí pela porta grande. Sabiam que fazia sempre o meu melhor, por isso é que nunca tive nenhum caso. O meu estilo era sempre o diálogo”, frisou. “O Dost foi o jogador mais chocado, estava traumatizado mesmo. Mas falei com eles, foi uma coisa que aconteceu mas que não ia voltar acontecer. Falei com ele, garanti-lhe segurança, ofereci segurança. O Sporting tem a obrigação de defender os seus jogadores”, completou.

Ainda na parte da manhã, dois arguidos pediram a palavra para mostrar o seu arrependimento. “Gostaria de pedir desculpa ao Sporting, à equipa técnica, aos jogadores, à Juventude Leonina e ao Tribunal. Foi algo que teve um enorme impacto na minha vida. Depois do jogo com o Marítimo estava um pouco alterado e revoltado. Queríamos dar um encorajamento para a final da Taça. Entrei na Academia, dei uma volta na ala profissional e saí. Quando lá chego já não vi nada, já estava o alarme a tocar. Vi jornalistas, inclusivamente alguns que conheço”, disse Gustavo Tavares, acrescentando que com Musta na Academia “nada daquilo teria acontecido”.

“Tenho a consciência que errei e arrependo-me do que aconteceu. Gostava de pedir desculpas ao Sporting, jogadores, a este Tribunal e do fundo do meu coração aos meus pais”, comentou João Gomes, que não quis dizer nada ao coletivo de juízas sobre as razões, os fundamentos e as motivações para o que aconteceu.

“Nunca tive um presidente assim em mais nenhum clube”

A parte da tarde ficou reservada para a audição de três testemunhas de defesa de Bruno de Carvalho, que poderiam ser quatro caso Miguel Maia, capitão da equipa de voleibol, não tivesse adiado o depoimento para a próxima semana por questões profissionais. Assim, e pouco depois das 14h, começou por ser ouvido João Pinto, antigo capitão da equipa de hóquei em patins do Sporting que atua agora nos italianos do Lodi.

“O presidente [Bruno de Carvalho] tinha uma relação muito próxima, quase familiar com os jogadores de hóquei. Era uma relação de proximidade. Ficava feliz com as vitórias e triste com as derrotas, tal como os jogadores”, disse através de Skype ao par de questões feitas por Miguel A. Fonseca, advogado do antigo líder. “Se já tive algum presidente assim como ele em mais algum clube? Não, nunca tive”, referiu em poucos minutos.

Seguiu-se Carlos Carneiro, central e capitão da equipa de andebol do Sporting que ainda hoje pertence ao conjunto de Alvalade. “Recordo-me que nessa altura [abril de 2018] o grupo queria dedicar a vitória ao presidente Bruno de Carvalho, foram os jogadores que vieram falar comigo enquanto capitão para dizerem isso. Passámos um bocadinho ao lado de tudo mas sentimos alguma instabilidade nessa altura e daí essa ideia. Como presidente era alguém que tinha uma cultura de exigência e como líder tentava ver sempre o que faltava quando não ganhávamos para tentar resolver. Tivemos três ou quarto reuniões com ele. Como profissional, passei por quatro clubes e nunca tive um presidente tão próximo da equipa”, salientou o antigo internacional português. Pelo meio, houve ainda um diálogo mais aceso entre Miguel A. Fonseca e a juíza presidente, Sílvia Pires.

– Eu sei que a senhora doutora juíza não acompanha nem modalidades nem o Sporting
– Não, acompanho só o Código Penal…
– Mas tem razão, já devia ter dito: este senhor era capitão e foi campeão…
– Sim mas eu é o Código Penal… Sem qualquer desprimor pelo seu trabalho!

Seguiu-se Alexandre Godinho, advogado, antigo vogal da Direção do Sporting e o único do Conselho Diretivo de Bruno de Carvalho que acompanhou o ex-presidente mesmo depois da destituição do cargo, até a lista que ambos integravam ser impossibilitada de concorrer ao sufrágio eleitoral de 8 de setembro.

“O que me recordo da reunião de 7 de abril [dia seguinte à derrota em Madrid]? Que foi uma reunião pedida pelos jogadores, que havia um mal estar depois desse jogo com o Atlético. Foi lá em baixo no auditório que fica mais ao pé do balneário. Houve acusações entre os jogadores e a SAD, os capitães não se terão portado bem. Houve a insolência de Rui Patrício para com o presidente Bruno de Carvalho, houve a acusação do William a dizer que o presidente tinha pedido ao líder da claque para partirem os carros aos jogadores, houve a chamada para perguntar se alguma vez isso tinha acontecido que disse que não… Ouvia-se a exaltação e era mais do que uma voz”, referiu numa primeira fase de questões de Miguel A. Fonseca. Mais tarde, a juíza quis saber como tinha ouvido.

– Só para precisar: estava na reunião?
– Não estava na reunião, passámos o dia todo em Alvalade e estava por ali ao pé, ouvi essa exaltação…
– Recorda-se se houve mais alguma reunião nesse dia?
– Não me recordo de haver mais nenhuma reunião nesse dia. (…)
– Depois houve um jogo com o P. Ferreira com muitas incidências, acrescentou Godinho mais tarde.
– Todos os jogos têm as suas incidências, respondeu a mesma juíza.

“Nas reuniões de dia 14 de maio em Alvalade [véspera da invasão] estava e não estava na primeira. Ou seja, na primeira estava na zona contígua, não estando ouvia tudo. Nas outras duas seguintes não porque não foram ali. A primeira visava dizer à equipa técnica que não contava com ela, que se tinha chegado ao fim da linha, até por forma a poderem organizar a sua vida. Quando ia sair? Seguramente não se contava para a época seguinte. Se fosse ultrapassada a cláusula dos nove milhões de euros que estava no contrato, era para avançar para o despedimento de imediato”, contou. “Qual era a ideia da rescisão? Era ser o mais rápida possível. Creio que seria na manhã seguinte, era o que estava em cima da mesa. Não foi por outras razões”, acrescentou.

“No dia 15 rebenta o caso do Cashball, parou tudo para se dedicar àquilo. Já lá estava de manhã. André Geraldes também esteve, teve de se ausentar, saiu e foi voltando. Foi uma reunião que acaba quando tomamos conhecimento do que se passou na Academia. O José Ribeiro [assessor de imprensa] entrou na nossa sala e disse ‘Presidente, há problemas na Academia’. Ninguém tinha percebido o que tinha acontecido, só mais tarde se percebeu. O presidente disse para o José Ribeiro ligar para lá mas depois ele respondeu ‘O mister disse para não ir’. Bruno de Carvalho disse que ia para a Academia, fiquei com a perceção que não queria que ninguém saísse até chegar. Foi com o André Geraldes, que era o team manager, fazia a ligação entre a administração da SAD e a equipa de futebol”, recordou. “Estava consternado”, completou Alexandre Godinho, que ao advogado do Sporting, Miguel Coutinho, referiu depois que a ideia de despedir a equipa técnica de Jesus surgiu “na ressaca dos maus resultados”.

O julgamento do caso de Alcochete regressa na próxima terça-feira, dia 18, para a 31.ª sessão que contará com mais testemunhas de defesas de Bruno de Carvalho, entre os quais Pinto da Costa, presidente do FC Porto (que falará por videoconferência), Eduardo Barroso, antigo líder da Mesa da Assembleia Geral dos leões, Jorge Fonseca, campeão mundial de judo e atleta verde e branco, Carlos Vieira, ex-administrador da SAD e vice da Direção, João Trindade e José Carlos Estorninho, antigos conselheiros leoninos, e José Ribeiro, ex-assessor da SAD.