“Calm before the storm
Overtaking all it sees
Rushing to the end”

Não é todos os dias que se pode começar uma crítica de um videojogo com um haiku. Um de muitos que compusemos em reflexões sobre a vida, morte ou família a olhar para os maravilhosos pedaços de paisagem deste Ghost Of Tsushima. Este é um dos vários elementos de um jogo que está cheio de pequenos detalhes num design que parece ter sido desenvolvido para nos dar momentos de calma e confiança mesmo nas fases mais tensas e violentas que se vão sucedendo enquanto caminhamos por esta aventura. Uma ode à qualidade de vida que nos quer fazer acreditar que somos efetivamente um samurai.

A oitava geração de consolas está a chegar ao fim, por isso é difícil falar de Ghost Of Tsushima sem um certo sentimento de conclusão. É-nos trazido pelo estúdio Sucker Punch, e sucede a Infamous Second Son e à sua igualmente ótima expansão Infamous First Light, jogos que em 2014 ajudaram a levar a PS4 a dominar tudo o que tenha a ver com jogos single-player, geralmente open-world e sempre definidos por uma aposta forte em narrativas intensas. A diferença enorme desses últimos registos de Infamous — muito urbanos e cheios de néon, quase feitos para nos mostrar as capacidades da, na altura, recém lançada PS4 — para este Ghost Of Tsushima, é até uma das maiores surpresas que temos aqui. Uma evolução muito bem recebida daquele que será provavelmente o último de uma série de muitos e bons exclusivos.

[o trailer de “Ghost Of Tsushima”:]

É precisamente na narrativa que está a maior crítica a fazer a tudo isto, por isso mais vale tirá-la já do caminho antes de nos desfazermos em elogios. Ghost Of Tsushima é um jogo sério que se leva a sério. Isto é forma de dizer que cai em algumas das armadilhas em que alguns dos outros exclusivos da PS4 também caíram. Há uma vontade tão grande nestes estúdios de elevar os videojogos a uma experiência ampla e transversal que algumas vezes as histórias revelam-se algo, como se nunca deixassem de sentir o próprio peso.

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Ghost of Tsushima está longe de ser o maior culpado disto (estamos a olhar para ti, The Last of Us Part II), mas há vários momentos em que não podemos deixar de desejar uma história mais visceral, emotiva ou até com mais sentido de humor para Jin Sakai, o samurai que controlamos nesta jornada pelo conflito entre Japão e Mongólia por finais do século XIII. Vingança e liberdade são alguns dos temas com que lidamos enquanto Jin recruta um grupo de rebeldes para contrariar a invasão mongol desta ilha ao largo japonês. Esta não é uma história mal escrita, mas alguma intensidade nos momentos dramáticos e dinamismo extra no protagonista seriam muito bem-vindos.

Passemos então aos elogios, porque de resto este Ghost Of Tsushima é um jogo quase perfeito. Não precisa de ter os melhores gráficos desta geração para ser um dos seus títulos mais ricos na beleza visual e nos movimentos. Tudo mexe nesta ilha japonesa, sendo o vento (enriquecido por um uso bem inteligente do trackpad do comando da PS4) um dos seus elementos mais bem conseguidos e quase uma espécie de personagem do próprio jogo. É muito fácil cavalgar (também há elogios aqui, já lá vamos) neste mundo e acabar numa praia lindíssima, banhada por um pôr-do-sol que transmite uma sensação de calma que não é costume sentir num videojogo em que matamos centenas de pessoas (virtuais, claro está). A influência do realizador Akira Kurosawa está sempre presente, sendo que o estúdio colaborou com os seus representantes num “Kurosawa Mode”, um preto-e-branco com sonoplastia mais virada para o etéreo que funciona muito bem, apesar da privação de toda a cor que este mundo tem para nos oferecer. É uma experiência que só podemos recomendar para um segundo playthrough.

[veja aqui 18 minutos de gameplay de “Ghost Of Tsushima”:]

Alguns jogadores por esta altura podem sentir alguma fadiga do registo open-world, que nos últimos anos tem dominado mais ou menos a indústria dos jogos, mas uma maravilha como esta não contribui certamente para isso. Fluidez é a palavra de ordem em Ghost Of Tsushima, e até uma coisa tão simples como apanhar items acontece com uma facilidade tão grande que uma sessão de algumas horas com o jogo passa como se fossem uns poucos minutos. A campanha principal pode ser terminada em cerca de 25 horas, mas há tanto para ver e colecionar que cerca de 60 horas para completar todo o mapa não parece ser uma proposta descabida.

As comparações têm sido muitas: a riqueza do mundo e quantidade de colecionáveis pode lembrar Assassin’s Creed; a complexidade das sidequests, feitas de personagens interessantes que nos vão acompanhando pelos capítulos do jogo em diferentes zonas do mapa, pode lembrar The Witcher 3; mas há aqui ideias suficientes para que Ghost Of Tsushima não precise dessas referências para ser uma proposta de valor. Onde raposas e pássaros dourados nos levam a descobrir altares escondidos que permitem fazer upgrades a Jin e transformam esta checklist num prazer de cumprir.

E depois há o combate, talvez a maior das propostas de valor. Perdoem-nos a repetição, mas fluidez volta a ser a palavra de ordem. Ghost Of Tsushima consegue fazer-nos sentir o samurai mais badass da terra, com quatro técnicas diferentes que funcionam consoante o inimigo que tenhamos pela frente, armas de longo alcance como o arco ou os incríveis kunai, que quando desenvolvidos podem aviar três tipos de cada vez. Entrar pelos campos do inimigo pode ser feito de forma mais cuidadosa e virada para o stealth, mas desafiar o primeiro soldado que vemos para um duelo sem medos e depois lidar com todos os seguintes da forma mais criativa que conseguirmos também é altamente encorajado.

[23 coisas que precisa de saber sobre “Ghost Of Tsushima” antes de jogar:]

Além de tudo isto, o cavalo que nos acompanha nesta aventura merece uma menção especial, sendo dos poucos na história dos videojogos que não dá vontade de atirar a consola pela janela. Podemos deixá-lo para descer uma montanha mais alta e ele aparece imediatamente no fundo, e isso é coisa que não tem preço. Mais uma das muitas instâncias em que a qualidade de vida parece ter sido a ideia principal da Sucker Punch a desenvolver este jogo, que quer sempre transportar-nos para tempos e locais mais simples, bonitos e calmos. É bom. É muito bom.

Estúdio: Sucker Punch
Plataforma: Playstation 4
Data de lançamento: 17 de julho de 2020