Os representantes do setor da Cultura consideraram esta quinta-feira que a proposta do Governo sobre acesso dos trabalhadores deste setor ao subsídio de desemprego, feita na negociação do estatuto laboral, é positiva, mas insuficiente.

De acordo com a Plateia — Associação de Profissionais das Artes Cénicas e a Associação Portuguesa de Realizadores (APR), duas das estruturas que tiveram esta semana reuniões bilaterais no âmbito da definição do estatuto do trabalhador da Cultura, o Governo apresentou-lhes uma proposta positiva ao nível da proteção social dos profissionais.

A proposta consiste na diminuição do “prazo de garantia das prestações de desemprego ou cessação de atividade para 180 dias nos 24 meses imediatamente anteriores”, ou seja, os trabalhadores podem ter acesso ao subsídio de desemprego após seis meses de trabalho.

Apesar de considerarem que a proposta é positiva, a Plateia e a APR dizem que é insuficiente, porque a acabará por abranger apenas os trabalhadores por conta de outrem, dado que a contabilidade dos dias de trabalho para os trabalhadores independentes, a ‘recibos verdes’, não é constante.

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Em comunicado, a Plateia dá um exemplo: “Atualmente os trabalhadores independentes podem ter acesso a um subsídio por cessação de atividade, apenas na condição de passarem mais de 50% do valor dos seus recibos de um ano para uma mesma entidade e se cumprirem os prazos de garantia em vigor”.

“As condições desta prestação social são de tal forma restritivas que, num universo de mais de 300 mil trabalhadores independentes, apenas 400 pessoas conseguiram usufruir desta prestação em 2020. Lamentamos que na proposta do Governo em discussão não haja qualquer avanço para corrigir esta situação de injustiça e de desproteção”, refere.

Também em comunicado, a APR afina pelo mesmo argumento: “Nesta área, que se caracteriza pela intermitência dos rendimentos, ficamos todos a ganhar se toda a gente tem acesso ao subsídio de desemprego ou ao subsídio por cessação de atividade”.

Também o Sindicato dos Trabalhadores de Espetáculos, do Audiovisual e dos Músicos (CENA-STE) teve reunião bilateral com a tutela, considerando que esta proposta “tem um efeito interessante”, mas precisa de ser desenvolvida.

“É uma intenção, um caminho aberto”, disse à agência Lusa o sindicalista Rui Galveias.

Plateia, CENA-STE e APR consideram que “finalmente” se estão a discutir as questões mais específicas da proteção social dos trabalhadores da Cultura, mais de seis meses depois de se ter iniciado o processo de elaboração do estatuto dos profissionais da Cultura.

“Há um caminho aberto na negociação e no trabalho. É mais interessante do que há três meses. Agora de facto está a discutir-se com substância, não sabemos se vai pelo bom caminho, mas está a discutir-se. É possível que haja um esboço no final de dezembro, mas falta muito trabalho”, disse Rui Galveias, do CENA-STE.

Apesar disso, a Plateia sublinha que ainda não sabe “qual é a estratégia do Governo para garantir que as regras que já existiam e que não eram cumpridas agora passem a sê-lo”.

“Que mecanismos prevê o Governo criar para que, enfim, se realizem contratos de trabalho e como irá impedir a continuação da prática generalizada da utilização dos falsos recibos verdes, quer em entidades públicas quer privadas?”, pergunta esta estrutura.

As reuniões do grupo de trabalho para criação do estatuto envolvem representantes dos ministérios da Cultura, do Trabalho e da Segurança Social e das Finanças e começaram no início de junho, tendo também contado com a participação de organismos públicos, associações e sindicatos.

A elaboração de um estatuto para o trabalhador da Cultura, que tenha em conta a sua especificidade laboral e lhe permita aceder a medidas de proteção social, é há muito reivindicada pelos profissionais das áreas artísticas.

Em maio passado – já em plena paralisação do setor, devido à pandemia da covid-19 -, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, comprometeu-se publicamente a ter o estatuto laboral dos trabalhadores – comummente descrito como ‘estatuto do intermitente’ – até ao final do ano. Entretanto, reiterou esse compromisso por diversas vezes.

De acordo com a autorização para a criação do estatuto, incluída na versão preliminar do Orçamento do Estado para 2021, está prevista, por exemplo, a revisão e atualização do regime do registo dos profissionais da Cultura e a definição das modalidades de contrato de trabalho, incluindo o contrato por tempo indeterminado.

Está previsto ainda, entre outros aspetos, a definição de um regime contributivo e de segurança social “aplicável aos profissionais da área da Cultura, tendo em vista a sua proteção na eventualidade de doença, parentalidade, doenças profissionais, invalidez, velhice e morte”.

A autorização inscrita no Orçamento do Estado “tem a duração do ano económico a que respeita a presente lei”. Quer isto dizer que o estatuto tem de estar criado até ao final de 2021.