É mais um tema a dividir ambientalistas e indústria dos pesticidas. A meta estabelecida no Pacto Ecológico Europeu (conhecido como Green Deal) para reduzir em 50% o uso de fitofarmacêuticos (vulgo pesticidas ou herbicidas) até 2030 está a preocupar os fabricantes e vendedores destes produtos em Portugal, que pedem agora uma adaptação consoante o país e a cultura agrícola. Já a Quercus aplaude a meta e diz que, embora “o espírito da lei” seja o de limitar o uso de pesticidas apenas “como último recurso”, esse princípio “não está a ser respeitado”.

Um dos braços do Green Deal, o plano da Comissão Europeia para “tornar a economia da UE sustentável”, é a estratégia “Do Prado ao Prato” (“From Farm to Fork”, em inglês), que estabelece várias metas para a sustentabilidade do sistema alimentar. Entre elas está a redução em 50%, até 2030, da utilização de pesticidas químicos, que contribuem para a poluição do solo, da água e do ar. E se foi aplaudida pelas associações ambientalistas, como a Quercus, o seu desenho está a ser contestado pela indústria dos pesticidas.

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A ANIPLA — Associação Nacional da Indústria para a Proteção das Plantas, que representa o setor em Portugal, discorda de uma “máxima one size fits all“. Ao Observador, a propósito da divulgação de um estudo sobre o tema, António Lopes Dias, diretor executivo da ANIPLA, defende “metas realistas que tenham em conta as especificidades de cada país, e eventualmente região e cultura“.

Já Alexandra Azevedo, vice-presidente da Quercus e coordenadora da campanha Autarquias sem Glifosato/Herbicidas, diz concordar “inteiramente” com os objetivos estabelecidos na estratégia “Do Prado ao Prato”. “Apesar de já vir de trás o espírito da lei no sentido de o uso dos pesticidas ser apenas como último recurso não está a ser respeitado. O foco continua a ser o uso e não as alternativas“, aponta ao Observador.

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António Lopes Dias, da ANIPLA, tem uma visão diferente e salienta que foram feitos avanços para melhorar a sustentabilidade. E exemplifica com a criação de “um sistema de recolha de embalagens vazias de produtos fitofarmacêuticos”, a formação de agricultores no que toca a boas práticas de utilização de pesticidas, ou a criação de “sistemas de gestão de efluentes” para o tratamento dos produtos usados nos pulverizadores.

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A argumentação da ANIPLA é que a meta de 50% do Green Deal poderá fazer reduzir a produção agrícola, devido ao aumento de custos para os agricultores, que terão de recorrer a soluções mais caras (ou que exigem maior frequência de aplicação). Como consequência, diz a associação, a dependência externa aumentaria, com a importação de produtos menos seguros do que aqueles que são produzidos na Europa.

Estes argumentos são baseados num estudo que a associação encomendou à AgroGes, sociedade de estudos e projetos agrícolas, que será apresentado esta quarta-feira. O estudo, a que o Observador teve acesso, olha para cinco “fileiras-chave” — a vinha, o olival, a pêra-rocha, o milho-grão e o tomate para indústria — e procura estimar os impactos da meta na produção de cada cultura. Defende o trabalho que o objetivo estabelecido no Green Deal significaria perdas da margem bruta até 257 milhões de euros anuais nestas fileiras.

Segundo a AgroGes, “o principal problema que as culturas agrícolas enfrentam não se prende com o aumento de custos, mas sim com a falta de alternativas eficientes para as estratégias de proteção das culturas“. Por isso, recomenda que “a UE e os Estados-Membros invistam de forma significativa no apoio às empresas que desenvolvem novas moléculas a utilizar em fitofármacos, no sentido da criação de alternativas viáveis, seguras para a alimentação humana e com menos impacto ambiental“.

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Para a ANIPLA, a meta dos 50% não é “realista”. Numa carta aberta enviada à ministra da Agricultura, a deputados e líderes parlamentares, a associação diz-se disponível para “discutir metas, desde que realistas, baseadas na ciência e adaptadas às diferentes realidades”. “Temos de fazer perceber os líderes europeus de que os países que constituem a UE são diferentes, ainda para mais quando se fala de agricultura e da sua envolvência. Os países da orla mediterrânea, nomeadamente Portugal, são os mais expostos às consequências das alterações climáticas e, para além disso, os mais susceptíveis ao surgimento de novas doenças, novas pragas e novas infestantes.”

O último Relatório de Vendas de Produtos Fitofarmacêuticos em Portugal, divulgado pela Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV), mostra que, entre 2004 e 2018, o volume de vendas destes produtos caiu 47%, mas, entre 2017 e 2018, a evolução foi praticamente constante. Alexandra Azevedo, da Quercus, acrescenta, porém, que há um “mercado negro” de fitofarmacêuticos que não está refletido nos números.

Quercus: “Na agricultura continua praticamente tudo por fazer”

Ao Observador, a vice-presidente da Quercus defende que embora o “espírito” da Lei n.º 26/2013 seja o recurso “a abordagens ou técnicas alternativas, tais como as alternativas não químicas aos produtos fitofarmacêuticos”, isso “não está a ser respeitado”. Se um decreto-lei posterior já proíbe, em casos específicos, o uso de pesticidas, “na agricultura continua praticamente tudo por fazer”, acredita.

Um relatório do Tribunal de Contas Europeu sobre a utilização sustentável de produtos fitofarmacêuticos divulgado no ano passado concluiu que “globalmente, a Comissão e os Estados‐Membros tomaram medidas com vista a promover a utilização sustentável de PFF [fitofarmacêuticos]”. Porém, o Tribunal “verificou que se registaram poucos progressos na medição e redução dos riscos nessa matéria“.

Para Alexandra Azevedo, em Portugal a investigação agrária “é cada vez mais residual” e os agricultores estão basicamente entregues ao aconselhamento técnico, de engenheiros e aos vendedores dos produtos químicos. Basicamente só por uma questão de consciência do próprio agricultor, e também da consciência dos consumidores, que vão aumentando a procura por produtos biológicos, é que está a haver essa mudança. Mas é muito gradual”, frisa.

A vice-presidente da Quercus nota que faltam políticas públicas “ativas, de apoio e aposta concreta na agricultura biológica ou outros modos de agricultura menos danosos”. A transição para a agricultura biológica “requer um período de transição que às vezes não é muito fácil”, pelo que o foco deve ser, defende, o acompanhamento do agricultor.

O Observador pediu ao Ministério da Agricultura dados sobre a evolução do uso de pesticidas na agricultura nacional e questionou a tutela sobre a data prevista para a criação de legislação que permita implementar a meta do Green Deal, mas aguarda resposta. Em entrevista ao Diário de Notícias em janeiro, a ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, disse que a ideia é “fazer um questionário a todos os Estados-membros e — numa reunião que está prevista a acontecer em abril, em Portugal –, trabalhar esta dimensão e substituir a luta química pela luta biológica. E, portanto, temos de ter legislação comunitária — que ainda não existe — e estamos conscientes que a produção de alimentos seguros também passa por incorporar esta redução de pesticidas, fitofármacos, fertilizantes”.