Marcelo Rebelo de Sousa agraciou este sábado o Museu da Língua Portuguesa de São Paulo com a primeira medalha Camões, durante uma cerimónia em que a ausência mais notada foi a do chefe de Estado brasileiro, Jair Bolsonaro.
Segundo o Presidente da República, a nova condecoração portuguesa, criada em junho, foi atribuída “em nome do futuro” da língua portuguesa, para o qual, “os mais jovens e mais numerosos” são “mais essenciais”, numa alusão ao número de falantes brasileiros, que apenas em São Paulo são mais de 12 milhões.
“É esse futuro que em nome de Portugal e de todos os portugueses celebro, agraciando o Museu da Língua Portuguesa com uma ordem honorífica acabada de criar, em junho”, disse.
“Este museu será o primeiro dos primeiros galardoados. Este museu, que o mesmo é dizer este São Paulo, este Brasil e esta língua portuguesa que nos une por todo o mundo” acrescentou.
Durante a cerimónia de reinauguração do museu, que quase ficou destruído depois do incêndio de 2015, o governador de São Paulo, João Dória agradeceu o apoio “à memória e cultura portuguesa” de Marcelo Rebelo de Sousa.
Dória, uma das vozes mais críticas do chefe de Estado brasileiro, Jair Bolsonaro, destacou a “biografia em defesa da liberdade e da democracia” dos ex-Presidentes Michel Temer e Fernando Henrique Cardoso.
“Temos aqui dois Presidentes que dignificaram os seus mandatos e defenderam os valores da liberdade e da democracia”, disse o governador de São Paulo dirigindo-se diretamente a Marcelo Rebelo de Sousa.
Posteriormente, durante a conferência de imprensa que se seguiu à inauguração, o governador de São Paulo esclareceu que convidou o Presidente Jair Bolsonaro para estar presente, mas que, segundo disse, “ele preferiu ir andar de moto”.
Jair Bolsonaro optou por se juntar a uma concentração de motociclistas no município Presidente Prudente, que fica no Estado de São Paulo.
Dória disse ainda que foram convidados a participar os ex-Presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff, que declinaram o convite, mas enviaram mensagens de apoio.
A presença do ex-Presidente Sarney, que chegou a estar anunciada, não se concretizou.
“Para não esquecer as cinzas do passado, mas a partir delas construir hoje o futuro”
Num evento mais restrito, sem público, em que a maioria dos jornalistas não se pode aproximar das autoridades devido à pandemia de covid-19, a reinauguração do museu também contou com a participação do Presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, dos ex-presidentes brasileiros Fernando Henrique Cardoso e Michel Temer, do governador do Estado de São Paulo, João Dória e do presidente da câmara municipal de São Paulo, Ricardo Nunes.
Na abertura, a cantora brasileira Fafá de Belém interpretou ‘a cappella’ os hinos do Brasil e de Portugal, para celebrar a língua portuguesa falada oficialmente nestas duas nações e também em Cabo Verde, Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Guine Equatorial e Timor-Leste.
No seu discurso, Marcelo Rebelo de Sousa recordou que seis anos volvidos após o incêndio que destruiu parte do prédio da Estação da Luz todos estavam ali “para não esquecer as cinzas do passado, mas a partir delas construir hoje o futuro”.
O presidente da câmara municipal de São Paulo afirmou ser uma alegria enorme a reabertura do espaço cultural.
“A cidade de São Paulo é a cidade que tem o maior número de pessoas no mundo que falam a língua portuguesa (…) é uma cidade que apoia a todos. Estamos muitos felizes, um grande dia para vocês e para a cultura”, destacou Ricardo Nunes.
O governador de São Paulo, João Dória, destacou o investimento de 85 milhões de reais (13,7 milhões de euros à cotação atual) para a reconstrução do espaço e que foi doado por um grupo de empresas parceiras, incluindo a EDP Brasil.
“O museu está localizado na Estação da Luz e que tem a luz da nossa língua, a luz de um sonho, a luz que nos promove, a luz que nos protege”, afirmou o governador de São Paulo.
Dória também fez uma crítica velada ao Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, seu possível rival nas presidenciais de 2022 que foi convidado a participar do evento, mas não compareceu.
“Há duas semanas o vocabulário ortográfico da língua portuguesa incorporou mil novas entradas, temos agora 382 mil vocábulos. Entre as novas palavras estão alguns erros e problemas do presente, como a palavra metacronismo ou pós-verdade”, frisou Doria.
“Para elas, a língua portuguesa tem os seus antídotos, suas vacinas, palavras que estão aí há tempos [como] ciência, vidas, fatos, transparência, trabalho e eu citaria, com muita ênfase, democracia”, acrescentou.
O Presidente de Cabo Verde, Jorge Fonseca, expressou a sua felicidade por estar presente na reinauguração de um museu “da língua portuguesa que une a todos, uma língua que desde as suas origens em terras portuguesas cresceu, desceu para o sul, chegou a África, a América Latina e a Ásia”.
Instalado na histórica Estação da Luz, o Museu da Língua Portuguesa foi reconstruído após um incêndio de dezembro de 2015.
Um dos primeiros museus totalmente dedicados a um idioma no mundo, o espaço promove um mergulho na história e na diversidade do idioma através de experiências interativas, conteúdo audiovisual e ambientes imersivos.
A reconstrução do Museu teve como patrocinador principal a EDP Brasil, seguida da Globo, do Itaú Unibanco e da companhia Sabesp, apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e do Governo Federal brasileiro, através da Lei Federal de Incentivo à Cultura.
A responsável pela gestão do Museu de Língua Portuguesa é a organização social IDBrasil Cultura, Educação e Esporte.
“Dança quem está na roda”, responde Marcelo sobre ausência de Bolsonaro
Marcelo Rebelo de Sousa, disse ainda que “dança quem está na roda” quando questionado pelos jornalistas sobre a ausência do homólogo brasileiro, Jair Bolsonaro, da cerimónia de reinauguração do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo.
“Só respondo por Portugal. Gosto muito do que se diz no Minho que é: dança quem está na roda. Eu estou nesta roda, estou muito feliz por estar nesta roda e nesta dança. Esta é uma dança que pensa no futuro da língua portuguesa e de 260 milhões de pessoas. Isso para mim é o mais importante”, disse.
O Presidente da República português falava durante a conferência de imprensa conjunta com várias personalidades, incluindo o Presidente de Cabo Verde, Jorge Carlos Fonseca, e o Governador do Estado de São Paulo, João Dória, que não poupou nas críticas ao Presidente brasileiro.
Jair Bolsonaro foi a ausência mais notada na cerimónia para a qual, segundo o governador, foram convidados todos os ex-Presidentes do Brasil, mas compareceram apenas Michel Temer e Fernando Henrique Cardoso.
Segundo a imprensa local, Bolsonaro, com quem Marcelo Rebelo de Sousa se deverá reunir na segunda-feira, em Brasília, está no Estado de São Paulo, numa concentração de motos, na cidade de Presidente Prudente.
Durante a conferência de imprensa em que, segundo as palavras de João Dória, o Presidente português teve de responder a duas perguntas consideradas na gíria brasileira como “saia justa”, Marcelo Rebelo de Sousa rejeitou ainda a ideia de uma alegada “guerra” entre os dois países motivada pela recusa de alguns escritores portugueses em usar o acordo ortográfico.
“Não há nenhuma guerra entre Portugal e Brasil, simplesmente em Portugal há democracia e é livre a opinião sobre o acordo e é livre adotar ou não o acordo”, disse, lembrando que este não é um caso único de Portugal e que há países como Angola que não ratificaram o protocolo sobre a escrita da língua portuguesa.
Para o chefe de Estado português, é também nesta pluralidade “que reside a riqueza” da comunidade lusófona.
“A nossa língua é feita de democracia no falar e no escrever”, sublinhou.
Para Marcelo Rebelo de Sousa, “se há 100 milhões que são falantes e escrevem português de uma forma, provavelmente serão mais portadores de futuro do que 10 milhões”, disse, numa alusão às populações de Portugal e do Brasil.
A cerimónia de reinauguração do Museu da Língua Portuguesa, agraciado por Portugal com a medalha Camões, marca o segundo dia da visita oficial ao Brasil de Marcelo Rebelo de Sousa, que tem agendado ainda para hoje um encontro com representantes da comunidade portuguesa na Casa de Portugal em São Paulo.