A pneumologista Sofia Ravara alertou que a tendência do consumo de tabaco e cigarros eletrónicos nos jovens é preocupante em Portugal e resulta do marketing “extremamente agressivo e eficaz” da indústria.

Na véspera de se assinalar o Dia Mundial sem Tabaco, Sofia Ravara, da Comissão de Trabalho de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) falou à agência Lusa sobre as ações necessárias para controlar a epidemia tabágica em Portugal, entre as quais uma maior vigilância sobre a indústria do tabaco.

Segundo a pneumologista, o marketing dos novos produtos “é muito enganoso e extremamente agressivo e eficaz, porque é muito apelativo para os jovens e para as crianças”.

“As embalagens dos líquidos e os sabores dos cigarros eletrónicos parecem quase embalagens de guloseimas. As próprias cores, os sabores de chocolate, mas também de menta, de morango são altamente apelativas para os jovens”, criticou.

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A SPP alerta que “há influencers ou bloggers pagos para publicitar os cigarros eletrónicos e tabaco aquecido”. Acresce que a permissão de fumar nas discotecas e bares noturnos, locais de socialização dos adolescentes e jovens adultos, duplica a probabilidade de um jovem se tornar fumador regular.

“Nós não estamos a conseguir travar o consumo dos cigarros eletrónicos nos jovens, que já se aproximam muito do consumo dos cigarros tradicionais no grupo etário dos 13 aos 18 anos”, lamentou.

Por outro lado, apontou, o padrão que existe é da “múltipla experimentação”, o que disse ser preocupante. “Há uma acumulação de experiências de experimentação”, desde os cigarros eletrónicos, ao cachimbo de água, o tabaco aquecido, que levam ao “reforço da dependência” porque são produtos “altamente aditivos e a sua regulação é muito mais difícil”.

Questionada sobre as razões de os jovens continuarem a fumar quando há tanta informação sobre os malefícios do tabaco, Sofia Ravara afirmou que “educar não basta, é preciso regular as atividades de marketing da indústria e restringir as oportunidades para fumar nos locais públicos, incluindo à saída das escolas e discotecas”.

A indústria interfere com as políticas de saúde pública e aproveita-se da vulnerabilidade da personalidade imatura dos adolescentes e da sua atração por comportamentos de risco.

Por isso, disse, é que o lema da SPP este ano é “acelerar a implementação da Convenção-Quadro de Controlo de tabaco da Organização Mundial da Saúde”.

Segundo a OMS, a indústria do tabaco é o vetor da epidemia tabágica, tornando-se primordial abolir a promoção, publicidade e patrocínio da indústria do tabaco em qualquer tipo de eventos, em linha com as políticas de controlo de tabagismo da OMS ao qual Portugal está vinculado

“A indústria dos festivais de música e da cultura está muito ligada, e é patrocinada, pela indústria do tabaco e pela indústria do álcool, que têm mecanismos muito similares de marketing”, sublinhou

Sofia Ravara explicou que, segundo a OMS, a indústria pode manipular os governos e os decisores políticos e interferir na negociação das políticas de saúde pública, de prevenção e controlo de tabagismo, que são políticas intersetoriais, fora do setor da saúde.

A publicidade e patrocínio destes produtos é ilegal, “mas infelizmente a convenção quadro da OMS não tem sanções (…) e a indústria acaba por sair vitoriosa”, lamentou.

De acordo com a OMS e peritos de saúde pública, o que melhor funciona “é alertar e expor essa interferência da indústria e avisar a sociedade civil de forma a perceber que não pode aceitar dinheiro da indústria do tabaco, dinheiro que está manchado de sangue, sofrimento, muitas mortes e a adição dos jovens”.

“Tem que ser a sociedade civil a exigir a mudança (…) O Governo também verga perante a pressão social”, sublinhou.

A SPP defende uma política abrangente de espaços públicos livres de fumo, o aumento dos impostos e embalagens sem design, nem cor para todos os produtos de tabaco e nicotina, abolir a publicidade e promoção destes produtos nos pontos de venda, implementar a abordagem sistemática dos fumadores e o tratamento da dependência tabágica nos sistemas de saúde e uma linha telefónica SOS para deixar de fumar.

Rastreios a fumadores começam esta semana

As capitais de distrito vão acolher, a partir desta semana, uma campanha de rastreio da Fundação Portuguesa do Pulmão direcionada a fumadores e ex-fumadores, com histórico de 10 a 15 anos a fumar cerca de um maço por dia.

O presidente da Fundação Portuguesa do Pulmão (FPP), José Alves, explicou à Lusa que com esta ação de rastreio à Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica (DPOC), que em Portugal está subdiagnosticada, a ideia é detetar doentes precocemente, uma vez que depois de instalada a doença a capacidade pulmonar não reverte.

“O primeiro objetivo é tentar alterar a epidemiologia da DPOC, porque se estivermos à espera do diagnóstico quando ela já está instalada teremos de lidar com uma doença que é irreversível e progressiva”, explicou.

A ação vai concretizar-se com o apoio de várias juntas de freguesia. Por exemplo, nos dias 1, 2 e 3 de junho vai estar nas juntas de São Domingos de Benfica (Lisboa), Matosinhos e Leça da Palmeira (Porto), na União das Freguesias de Malagueira e Horta das Figueiras (Évora) e na junta de freguesia de São Sebastião (Setúbal).

“Vamos procurar pessoas que fumam e que não têm diagnóstico de DPOC”, explicou o especialista, acrescentando que a campanha tem ainda um outro objetivo: “as espirometrias [exame usado para diagnosticar a DPOC] vão ser feitas com a presença de um técnico ao lado da pessoa que vai ser rastreada, mas o médico vai estar remotamente”.

“Com este aparelho é possível o controlo remoto e pretendemos habituar a população a trabalhar com estes aparelhos. A ideia que tivemos de que cada pessoa deve conhecer o tamanho do seu pulmão está cada vez mais perto”, afirmou.

Em declarações anteriores à agência Lusa, José Alves já tinha sublinhado a importância de cada cidadão conhecer o tamanho dos seus pulmões: “É um critério determinante para a DPOC e todos deviam saber. É como saber a cor dos olhos, a altura ou a tensão arterial”.

“Mais ainda para os fumadores. Se souberem precocemente [a dimensão dos pulmões] evitam a perda de função respiratória. Se estiverem à espera dos 40 anos, já perderam função respiratória. Em vez de 100% já é 70% e esses 30% nunca mais se recuperam”, disse, na altura.

Sobre a campanha de rastreio à DPOC, o pneumologista diz que os doentes que forem identificados serão informados da sua condição: “Depois, se tiverem médico assistente e quiserem ir ao médico deles vão, se não tiverem a fundação oferece uma consulta gratuita, em especialista, para dar as indicações que tem de dar”, explicou.

Como ação prévia da campanha, a FPP vai estar, na terça-feira, na secretaria-geral da Presidência do Conselho de Ministros a fazer espirometrias “a todos os que lá trabalham”. Esta ação serve para assinalar o Dia Mundial Sem Tabaco, “o grande lobo mau” das doenças respiratórias.

Segundo a fundação, a doença está muito subdiagnosticada: “Na prática, o que acontece é que deve haver 600.000 a 800.000 doentes com DPOC, só 130 mil estão identificados nos centros de saúde e, desses, nem metade tem espirometria feita”.

Dados do Observatório Nacional das Doenças Respiratórias divulgados no final do ano passado indicam que, em 2018, a DPOC foi responsável por 2.834 mortes e, apesar da redução verificada no número de fumadores na população acima dos 15 anos, “é expectável que o número de doentes cresça nos próximos anos”.

O observatório lembrou ainda que o ano de 2019 decorreu com “elevadas expectativas na consolidação do crescimento dos novos diagnósticos, em grande parte assente na realização de espirometrias nos cuidados de saúde primários”, mas a pandemia trouxe um conjunto de desafios no diagnóstico e tratamento das diferentes doenças respiratórias, particularmente da DPOC.

Os últimos dados do Instituto Nacional de Estatística sobre as causas de morte em 2020 revelam que as doenças do aparelho respiratório (excluindo a Covid-19) causaram 11.266 mortes.