O luto tem várias fases: negação, choque, raiva, tristeza profunda e aceitação. Passámos por elas todas após o final de “A Guerra dos Tronos” – aquela conclusão foi tudo menos consensual e deixou espaço para críticas, alternativas muito melhores (juraram os argumentistas de bancada) e muitas contestações ao destino de algumas personagens. O que tudo isto mascarava era simplesmente a dor da perda, porque não voltaríamos a ter batalhas espetaculares, o humor negro de Tyrion Lannister e os caracóis de Jon Snow. Desconfiávamos que não existiria mais nenhuma série tão grandiosa (em termos de história, reviravoltas e efeitos especiais) como a produção da HBO. Aos poucos fomos aceitando e vendo outras coisas, guardando a promessa de um spinoff num cantinho do cérebro pouco visitado para não pensarmos muito nisso e criarmos expetativas irrealistas.

Três anos passaram e “House of the Dragon” abriu as portas para contar a história da Casa Targaryen. Por esta altura, só podemos fazer parte de um de dois grupos: ou estávamos muito empolgados, a contar os minutos para a estreia (o primeiro episódio fica disponível na HBO Max a 22 de agosto), ou então estávamos de nariz torcido, a antever uma gigantesca desilusão. Eu, cética, me confesso.

Aos jornalistas foram disponibilizados seis dos dez episódios da primeira temporada. Todos rondam uma hora de emissão. Se se justifica durarem tanto tempo? Nem por isso. Estamos a descobrir personagens, alianças, locais (Monsanto, em Portugal, faz parte deles), rivalidades – não queremos que os arcos narrativos se estendam até à exaustão, há demasiada coisa para assimilar.

Porém, comecemos por contextualizar “House of the Dragon”. Baseada em “Fogo e Sangue”, de George R.R. Martin, a série é uma prequela de “A Guerra dos Tronos” e a ação situa-se 172 anos antes da existência de Daenerys Targaryen – portanto, quem tinha esperança de ver uma participação especial de uma qualquer personagem do projeto mãe, pode esquecer.

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O primeiro episódio é muito competente a colocar todas as peças do puzzle no local correto. Dá-nos elementos suficientes para irmos fazendo uma árvore genealógica mental e, embora o centro de tudo sejam os Targaryen, aparecem de vez em quando – mesmo que de forma pouco relevante, pelo menos para já – os Stark, os Lannister ou os Hightower.

Estamos no reinado de Viserys Targaryen (Paddy Considine), obcecado em ter um filho homem que seja herdeiro do trono de ferro. Uma filha já tem mas, convenhamos, ela não lhe serve para nada – ah, esperem, serve para servir copos durante as reuniões do rei com os seus conselheiros. Há um novo bebé a caminho e o rei está convencido de que será um rapaz. Sem revelar spoilers, a única coisa que podemos dizer é que o plano sai furado. Entra em cena a Mão do rei, Otto Hightower (Rhys Ifans).

Agora escolha: Bloco A – esta Mão é daquelas que coloca o seu rei e os interesses dos Sete Reinos acima de tudo; Bloco B – esta Mão faz parte da lista de serpentes dissimuladas com demasiados interesses pessoais. Se escolheram B, está certo. Com o rei destroçado, em pleno luto, Hightower espera uns bons dois segundos até atirar a própria filha, Alicent (Emily Carey), para os braços do homem. Mas, calma, não é logo para o deboche. Para isso existem as cenas dos bordéis, onde o irmão renegado passa grande parte do seu tempo (já vimos isto em algum lado?). E renegado porquê? Porque, não tendo Viserys filhos, o trono deveria ficar para Daemon Targaryen (Matt Smith) mas, como ele é imprudente, intempestivo e completamente imprevisível, não leva nada daqui. Alicent está prontinha para dar ao rei um filho varão e, como manda a tradição, príncipe herdeiro. Porém, Viserys, tem um rasgo de lucidez e decide que Rhaenyra (Milly Alcock), para já a sua única filha, é que é a legítima herdeira – mas, até chegar ao trono, toca de servir mais uns copos porque as opiniões das mulheres não são chamadas para as reuniões. Quem é que está contente com este desfecho? Ninguém, claro.

Está lançada a confusão e dá-se assim o primeiro passo para uma espécie de guerra civil que nunca mais deixará Westeros em paz.

É verdade que não é fácil libertarmo-nos da memória de Daenerys Targaryen, Sansa Stark, Cersei Lannister, Theon Greyjoy, Brienne de Tarth e companhia, mas o drama instala-se rapidamente e as personagens revelam-se mais complexas e imprevisíveis do que podíamos esperar à partida. Agarram-nos logo no primeiro episódio e, só por isso, “House of the Dragon” já tem uma batalha ganha.

Querem batalhas espetaculares? Também há. Sangue, decapitações, entranhas espalhadas pela lama e, sobretudo, efeitos visuais que conseguem superar “A Guerra dos Tronos”. A tecnologia está em constante evolução e não podia esperar-se menos de um projeto que é dirigido por Miguel Sapochnik (à frente de três episódios), nada mais, nada menos que o realizador de alguns dos capítulos mais incríveis que a televisão já viu, como “Battle of the Bastards” e “Hardhome”. O terceiro episódio desta nova saga tem o nome Sapochnik em todo o lado, reconhecemos-lhe o estilo e o ritmo.

Do plural para o singular: o drama familiar dos Targaryen em “House Of The Dragon”

Os dragões são parte importante da história, claro, ou não estivéssemos nós a falar dos Targaryen. Estão mais realistas, sinistros e assustadores do que nos lembravamos deles – e as saudades que já tínhamos de ouvir gritar “Dracarys”?!

Matt Smith tem provavelmente a melhor interpretação da temporada (pelo menos, até agora). A peruca branca e as sobrancelhas incolores conferem-lhe um ar ameaçador e desafiador, completados por decisões de alguém que só ali está para desestabilizar. Por falar em perucas, são tantas que ferem os olhos – nunca se torna muito natural ver réplicas de Daenerys Targaryen em todo o lado.

Viserys Targaryen é um rei um pouco – vou usar um termo simpático – totó, que se deixa eclipsar por muita gente à sua volta e que só quer ver o que lhe interessa, não sendo, ainda assim, capaz de ser firme a defender os seus. Alicent e Rhaenyra são personagens muito mais interessantes. Se as versões adolescentes podem ir mantendo, embora dificilmente, alguma empatia entre as duas, as versões adultas estão prestes a deixar tudo a arder. A dada altura, a história dá um salto temporal de uma década e está mais do que visto que os últimos quatro episódios prometem ser de uma intensidade estonteante.

Já ninguém se entende, toda a gente quer poder, as alianças significam muito pouco quando o que está em jogo é o trono de ferro. Esta luta já a vimos, é verdade, mas “House of the Dragon” consegue repetir o que funcionou em “A Guerra dos Tronos” e juntar-lhe elementos novos, igualmente empolgantes. Isto ainda agora começou e deixa-nos logo o coração a bater mais depressa ao ouvirmos, embora que apenas durante dois ou três segundos, reproduzido o tema do genérico de “A Guerra dos Tronos” no início de cada novo capítulo. Agora, só nos resta aproveitar porque felizmente, desta vez, o inverno ainda vai demorar a chegar.