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O final de "Ted Lasso": um hat trick no mundo da fantasia

Este artigo tem mais de 6 meses

Esta história raramente emocionante, mas quase sempre emocional, terminou. A quem conseguir semicerrar os olhos aos seus principais defeitos, é uma manta quentinha que conforta em formato audiovisual.

Coach Beard, Ted Lasso e Roy Kent, três das personagens chave da série, interpretadas por Brendan Hunt, Jason Sudeikis e Brett Goldstein
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Coach Beard, Ted Lasso e Roy Kent, três das personagens chave da série, interpretadas por Brendan Hunt, Jason Sudeikis e Brett Goldstein

Courtesy of Apple

Coach Beard, Ted Lasso e Roy Kent, três das personagens chave da série, interpretadas por Brendan Hunt, Jason Sudeikis e Brett Goldstein

Courtesy of Apple

Numa semana atarefada de finais televisivos, o último episódio de sempre de “Ted Lasso” sucedeu em poucos dias o desenlace de “Succession” (além das conclusões definitivas de “The Marvelous Mrs. Maisel” e “Barry”). E se a saga da família Roy minou, brilhantemente, o cinismo enquanto personagem principal, alimentando-se dos esquemas, traições e manipulações dos intervenientes, “Ted Lasso” será provavelmente o perfeito antípoda de “Succession”.

Mas vamos por partes. Na sua génese, “Ted Lasso” parece o sonho pérfido de um executivo televisivo munido de um software de inteligência artificial gerador de conteúdo. Quando em 2013 a NBC comprou os direitos de transmissão da Premier League nos Estados Unidos, contratou também Jason Sudeikis para representar um treinador de futebol americano que passa a ser timoneiro do Tottenham no “nosso” futebol nas suas “promos” televisivas de divulgação. Num punhado de vídeos de 3/4 minutos nascia Ted Lasso, um peixe fora de água que confundia as regras de dois tão distintos desportos e as diferenças culturais de EUA e Reino Unido. Mesmo num mundo em que se fazem filmes baseados em emojis e jogos de tabuleiro, ninguém se lembraria de pegar na personagem das promos e lhe dar todo um universo em forma de série, anos depois. Assim, o próprio Sudeikis e Brendan Hunt (o seu adjunto), juntamente com Bill Lawrence (criador da sub-valorizada série “Scrubs”) desenvolveram uma proposta que foi comprada pela Apple TV+, tornando-se rapidamente num dos maiores êxitos da sua ainda breve história.

Lançada em 2020, em pleno estado de pandemia global, o tom otimista e benevolente que Ted Lasso trouxe num momento tão frágil do mundo conquistou público e crítica, com a primeira temporada a somar vinte nomeações aos Emmys (venceu sete, incluindo Melhor Série de Comédia), batendo o record para uma comédia estreante.

Enquanto nas promos da NBC Ted era treinador do Tottenham, na série surge como líder do fictício AFC Richmond e a justificação para a contratação de um especialista em futebol americano o facto de a dona do clube o ter ganho num azedo processo de divórcio e pretender arruinar propositadamente o bem mais estimado do seu agora ex-marido. No entanto, a total falta de conhecimento do desporto rei de Ted vai, aos poucos, sendo compensada pela sua igualmente infinita ingenuidade e bom coração, conquistando os que o rodeiam (e são muitos, num clube do principal escalão inglês) e instigando-lhes confiança para enfrentar os adversários olhos nos olhos. O estilo calmo e naive de Ted, sempre com um ditado ou uma referência de cultura pop na manga para qualquer situação, aliado ao lacónico Coach Beard e o temperamental Roy Kent, seus assistentes, formam uma bizarra mas eficaz liderança no balneário da equipa que joga no também fictício estádio Nelson Road.

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Um amigo meu apelidou a série de “Disney para adultos”. É um rótulo interessante para o universo de ficção quase científica em que “Ted Lasso” se passa, onde os problemas e conflitos são passageiros e sabemos que os bons ganham no fim, se nem sempre em campo, com certeza fora dele. É escapismo delicodoce que não pede desculpas por o ser. Não será muito diferente de ver um filme da Marvel onde temos a certeza que algum super-herói voador vai salvar o planeta do vilão imperialista antes dos créditos aparecerem.

“Ah mas eu não ligo a futebol”, disseram-me alguns quando lhes recomendei a série. Nada temam, o desporto em si é relativamente secundário e embora acompanhemos os sucessos e insucessos do clube dentro das quatro linhas, esta é uma série de ambiente de trabalho – como era “The Office” ou poderia ser “Friends” se alguma daquelas pessoas tivesse um emprego. É, sim, a viagem de colegas que se tornam amigos que por sua vez se tornam família. Aliás, na boa tradição do futebol no mundo audiovisual, quando a bola é filmada a rolar soa a falso até para quem acompanha o jogo somente de quatro em quatro anos, quanto mais para aqueles que começaram a seguir a liga saudita quando o Ronaldo para lá imigrou (em boa justiça, a coreografia do jogo melhorou ligeiramente com o tempo e com o acordo da produção com a própria Premier League, na última temporada, para poder utilizar os clubes, equipamentos e emblemas reais).

Ainda assim, sendo objetivo, Ted Lasso acaba por sofrer dos problemas consequentes das próprias virtudes da série. A sua doçura diabética torna a narrativa extremamente frágil dramaticamente, pela falta de conflito real e de consequência permanente das (poucas) adversidades que vão surgindo. Em boa verdade, ao longo de três temporadas a única reviravolta relevante é a darth vaderização de Nate, assistente de Ted que assume o comando da equipa rival – e, tal como em “Star Wars”, também ele consegue a redenção em cima do apito final. Com o acrescentar de mais e mais personagens para acompanhar, a série foi inchando ao longo do tempo (a terceira temporada, com 650 minutos totais, tem mais de o dobro da primeira em apenas mais dois episódios), o que permitiu mais tempo de antena para conhecer os diversos membros do plantel, equipa técnica e staff do clube mas que também colocou uma série de portas e histórias abertas que acabaram fechadas à pressa e sem grande relevo no final de tudo. É um risco muito grande uma série viver tanto das relações entre as suas personagens (e da química dos seus intérpretes) em detrimento de um enredo mais dinâmico, ainda que Ted Lasso consiga navegar esse mar revolto grande parte do tempo.

Outra crítica válida que tem sido apontada, em especial nesta última season, é de algum moralismo vazio em diversos temas da ordem do dia – saúde mental, masculinidade tóxica, racismo, privacidade online – tudo questões extremamente pertinentes, mas por vezes abordadas de forma algo leviana e paternalista.

O final da série mostra o seu protagonista a regressar aos EUA para estar mais perto do filho, deixando a vida em Londres para trás. Ainda assim, ficaram colocadas as peças para um eventual (mas não confirmado) spin-off com outro treinador ao leme do clube, caso a Apple e os seus criadores entendam continuar em Richmond.

O mundo real é um sítio muito duro e inóspito e relação que cada pessoa terá com a série vai depender sempre da sua vontade de fugir para um lugar menos cruel ainda que fantasioso. É uma história raramente emocionante, mas quase sempre emocional, puxando facilmente a lágrima aos mais sensíveis em quase todos os episódios. A quem conseguir semicerrar os olhos aos seus principais defeitos, é uma manta quentinha que conforta em formato audiovisual.

Teremos saudades do ego de Jamie Tartt, da graça de Keeley, da liderança de Rebecca, da resmunguice de Roy Kent e do entusiasmo de Dani Rojas. Ficaremos para sempre com vontade de visitar o restaurante de Sam Obisanya, de beber uma pint no pub com Ted e o Coach Beard e de ler o livro de Trent Crimm.

Eu tornei-me sócio vitalício do AFC Richmond. Acreditem.

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