Mauritânia
Em missão num país onde ser católico é a exceção, e não a regra, o padre Moïse Fongoro estabeleceu uma fasquia elevada para a participação, pela primeira vez, numa Jornada Mundial da Juventude. Quando ficou a saber que iria viajar como peregrino até Lisboa, a sua primeira reação foi de espanto. Não muito diferente da surpresa que sentiu quando, anos antes, soube que seria enviado para fazer missão na República Islâmica da Mauritânia. Nessa altura, porém, somava-se um sentimento de inquietação. Nascido no vizinho Mali, o padre diocesano não via como poderia ser útil num país onde o Islão é a religião dominante e em que os estimados cerca de quatro mil cristãos, numa população de 4,6 milhões de pessoas, são na verdade provenientes de outros países. “Quando me disseram que seria enviado para servir aqui pensei: ‘O que venho eu fazer para uma república islâmica?’”.
Apesar da proximidade geográfica, e de também no Mali os cristãos representarem uma pequena minoria da população, a realidade dos dois países não podia ser mais diferente, sublinha ao Observador o padre Moïse, através de uma videochamada a partir de Nouakchott, a capital e cidade mais populosa da Mauritânia. “É verdade que no Mali somos poucos – apenas cerca de 3% –, mas temos mais facilidade porque é uma república laica”, aponta, acrescentando que podem sair à rua e evangelizar de forma livre.
O padre Moïse chegou à Mauritânia em setembro de 2021
O cenário é bem diferente na Mauritânia, onde os cristãos são aconselhados a manter uma postura mais discreta. “Posso dizer que não vivemos perseguição religiosa, mas é verdade que estamos limitados no que fazemos. Não nos podemos expor muito”, refere o padre de 33 anos. O próprio bispo vai deixando conselhos de cautela e prudência aos vários missionários e missionárias estrangeiros presentes no país. Essa, explica o padre Moïse, é uma das razões para as religiosas não usarem os tradicionais hábitos religiosos característicos das congregações a que pertencem. “Não temos só amigos aqui. Também temos inimigos”.
Ordenado em fevereiro de 2018, o padre diocesano começou por ser responsável numa paróquia no Mali, antes de ser enviado para a Mauritânia três anos depois. Chegou de malas feitas a Nouakchott em setembro de 2021 e faz missão na paróquia Catedral de São José, onde se situa a única igreja católica da capital, junto à Embaixada de França. Sem católicos nativos da Mauritânia, está ao serviço de mais de 2.000 paroquianos com cerca de quarenta nacionalidades — entre eles do Senegal, Guiné-Bissau, Nigéria, Cabo Verde, Brasil, França, Espanha, Alemanha e Índia.
Em Nouakchott, onde “não têm direito ao proselitismo”, conheceu uma nova forma de estar ao serviço da população mauritana, uma experiência que diz tê-lo levado a compreender que a espiritualidade e as atividades da missão não se limitam à administração dos sacramentos ou à celebração da Eucaristia. Descobriu uma vivência mais voltada para os serviços de caridade, como o serviço de escuta, jardins de infância e escolas presentes na missão. “Podemos dizer que para nós é uma maneira diferente de anunciar Cristo através das obras caritativas (…). É certo que há o culto, que há orações todos os dias, mas nós estamos mais concentrados nas atividades caritativas. É aí que nós estamos em verdadeiro contacto com os mauritanos.”
É a soma de todas estas experiências que espera levar até Portugal como peregrino. Deseja ver com os próprios olhos o que descreve como um grande encontro fraterno e de partilha. A um nível mais restrito, já viveu em Nouakchott as Jornadas Diocesanas da Juventude, um evento de preparação para a JMJ e que, por decisão do Papa Francisco, se realiza no domingo de Cristo Rei. É com alegria que agora aguarda a partida para Lisboa. “Eu mesmo vou a Portugal compartilhar o que nós vivemos aqui e também adquirir experiências para expor na Mauritânia”.
O seu entusiasmo é partilhado por Jacinta Atanasio, oriunda de Moçambique. Em missão na zona de Toufoundé-Civé, também na Mauritânia, a irmã Franciscana, de 42 anos, chegou a Nouakchott em meados de julho. É da capital que vai partir também para Lisboa no final do mês e participar na JMJ. Os últimos preparativos ainda estão a ser acertados, incluindo a roupa mais apropriada para o clima lisboeta. “Como está o tempo em Portugal?”, questiona durante a entrevista com o Observador, ao lado do padre Moïse.
A irmã Jacinta Atanasio faz missão numa creche em Toufoundé-Civé, na Mauritânia
Depois de fazer em Moçambique os votos perpétuos em 2018, a irmã Jacinta partiu para o Senegal, onde viveu durante dois anos. Foi só em 2021 que foi transferida para a Mauritânia e soma agora dois anos de missão em Toufoundé-Civé, gerindo um jardim de infância que recebe crianças desfavorecidas entre os três e os cinco anos. É atualmente uma das únicas três irmãs franciscanas que estão ao serviço da pequena vila. Sem nenhum padre naquela região para celebrar a Eucaristia, são elas próprias que fazem diariamente a celebração da palavra, razão pela qual a perspetiva de participar na JMJ lhe parece tão rica. “Toda a bagagem que vou receber lá, espero anunciar aqui aos jovens da nossa paróquia”, explica.
A data da viagem está próxima. O padre Moïse é o primeiro a partir, ainda antes do final do mês, para participar entre os dias 26 a 31 de julho nos Dias das Dioceses. É com esta iniciativa, em que os peregrinos da JMJ se espalham em 17 dioceses de Portugal continental e ilhas, que terá oportunidade de cruzar-se com outros participantes em Bragança ainda antes do arranque oficial do evento. Já a irmã Jacinta prepara-se para viajar juntamente com a irmã Tijo Kureekunnel no último dia de julho para passar a primeira semana de agosto em Lisboa.
Na JMJ Lisboa 2023 vão estar a irmã Jacinta Atanasio, o padre Moïse Fongoro e a irmã Tijo Kureekunnel
Não é uma logística fácil, mas não é a primeira vez que a Mauritânia leva peregrinos a uma Jornada Mundial da Juventude. Nesta edição são enviados missionários e não jovens depois de terem a experiência de alguns peregrinos não regressarem ao país, em busca de melhores condições no estrangeiro. O desejo de partir não é uma novidade, destaca o padre Moïse, lembrando que ao longo do ano muitas pessoas procuram seguir caminho para países como Marrocos e Argélia numa tentativa de chegar à Europa.
Com o apoio do projeto Igrejas Irmãs, o bispo decidiu enviar para a jornada os três religiosos, visto que não há cristãos nativos do país. Maria Aleluia Telles, responsável da iniciativa, refere que nem sempre foi possível escolher jovens ou peregrinos originários dos países. Sublinha, no entanto, que procuram garantir que as pessoas selecionados possam no seu regresso contribuir para a promoção dos seus países. “Nesses casos escolhemos pessoas com missões muito concretas, que possam voltar e levar a mensagem da loucura das jornadas, desta fé partilhada com tantos e, no fundo, também animar pessoas que estão em condições também muito desafiantes.”