O que têm em comum o lítio,o hidrogénio e um centro de dados? As ligações do caso que deitouabaixo o Governo de Costa
António Costa é primeiro-ministro há oito anos. Mas três negócios investigados pelo Ministério Público precipitaram a queda do Governo. Como é que estão ligados?
Operação Influencer. Ficará para sempre como a investigação que levou à dissolução da Assembleia da República, depois da demissão de um primeiro-ministro que se sentiu atingido com a divulgação de que poderia vir a ser investigado, pela “invocação por suspeitos do nome e da autoridade do primeiro-ministro e da sua intervenção para desbloquear procedimentos”.
António Costa viu neste comunicado a porta aberta para a sua demissão do Governo, aceite por Marcelo Rebelo de Sousa, ainda que só produza efeitos mais à frente, pensada que está a convocação das eleições antecipadas para 10 de março.
O Ministério Público realizou, na semana passada, uma série de buscas e deteve várias pessoas para interrogatório, entre os quais o “melhor amigo” de António Costa (Diogo Lacerda Machado) e o seu chefe de gabinete. Assumiu que estavam a ser investigados factos relacionados com as concessões de exploração de lítio nas minas do Romano (Montalegre) e do Barroso (Boticas); um projeto para uma central de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines; e o projeto de construção de um “data center” da Start Campus.
O Observador traçou algumas das ligações que foram sendo avançadas quer em notícias, quer em informação pública e indícios do Ministério Público. O que têm em comum os três projetos?
As ligações do caso que deitou abaixo o Governo de Costa
Clique nos nomes para ver as ligações
António Costa
Vítor Escária
João Galamba
Matos Fernandes
Nuno Mascarenhas
Duarte Cordeiro
Ana Fontoura Gouveia
Diogo Lacerda Machado
João Tiago Silveira
Nuno Lacasta
APA
DGEG
AICEP
Rui Oliveira Neves
Afonso Salema
Abreu Advogados
MLGT
Start Campus
Pioneer Point Partners
REN
Lusorecursos
Savannah
Galp
EDP
Vestas
Copenhagen Infrastructure
Madoqua
Green H2 Atlantic
Martifer
António Costa
Ainda está em funções como primeiro-ministro, cargo que ocupa desde final de 2015, depois de ter feito um acordo de incidência parlamentar com Bloco de Esquerda e PCP, que acabaria por cair em 2021, depois de chumbada a proposta de Orçamento do Estado para 2022. Nas eleições que se seguiram, em janeiro de 2022, o PS ganha com maioria absoluta. Uma nova legislatura que teve vários casos. Um dos quais – uma indemnização de 500 mil euros a uma administradora da TAP – que levou à saída de Pedro Nuno Santos do Ministério das Infraestruturas, substituído por João Galamba que, por seu lado, foi substituído por Ana Gouveia Fontoura, que era assessora económica de Costa. António Costa tinha como chefe de gabinete Vítor Escária, que exonerou entretanto. Mas também se demitiu, depois de ter sido comunicado que o próprio primeiro-ministro poderia ser alvo de investigação.
Vítor Escária, arguido
Fazia parte da coordenação política do Governo, era chefe de gabinete do primeiro-ministro até ser exonerado a 9 de novembro, depois da detenção, de descoberto dinheiro no seu gabinete, e apanhado em escutas, alegadamente a interferir a favor da Start Campus, e em reuniões com Lacerda Machado e o presidente desta sociedade, Afonso Salema. Segundo a investigação, prontificou-se a dar apoio para acelerar procedimentos legislativos necessários, e comprometeu-se a contactar Nuno Mascarenhas, presidente da Câmara de Sines, para pressionar relativamente a atrasos. Chegou a transmitir a Salema e Lacerda Machado que “já há muito tempo” que o primeiro-ministro pretendia “tirar os poderes do urbanismo” à Câmara de Sines por considerar que “não são capazes de entregar”. Salema é escutado a dizer que “tivemos o apoio todo do Escária”. Foram encontrados no gabinete que ocupava na residência oficial do primeiro-ministro 78 mil euros em notas, guardados entre livros e caixas de vinho.
Era chefe de gabinete de Costa desde 2020, depois de ter sido seu assessor entre 2016 e 2017. Esteve envolvido no caso Galpgate, no qual estavam em causa bilhetes e viagens para assistir aos jogos do Euro 2016, no qual foi acusado de recebimento indevido de vantagem.
Antes de entrar nestes Governos de Costa, Vítor Escária tinha sido o principal assessor económico de José Sócrates entre 2005 e 2011, tendo também participado na preparação do programa económico com que o PS foi a eleições em 2015, depois de António Costa o ter chamado, enquanto presidente da Câmara de Lisboa, para uma equipa de missão designada Lisboa 2020, para preparar o novo quadro de fundos comunitários.
Presidente da empresa Start Campus, empresa que também foi constituída arguida. Afonso Salema chegou, segundo o seu currículo público, a trabalhar para a EDP ou BESI. Além disso, é sócio da Light Fossil, consultora empresarial, constituída com a sua mulher Fabiola Bordino (que foi convidada para participar como oradora nas jornadas parlamentares do PS em 2022), que trabalha igualmente na Smart Campus. De acordo com o Ministério Público, a Light Fossil emitiu faturas superiores a meio milhão de euros (entre 2020 e 2022) sendo mais de 80% a quantias da Light Fossil Limited (Reino Unido), Start Campus e Pioneer Point Partner.
Faz parte dos corpos gerentes na Smart Campus Energy, empresa criada este ano para a comercialização, operação, prestação e gestão de qualquer tipo de produtos e serviços energéticos.
Salema é um dos principais visados no despacho de indiciação do Ministério Público. Foi apanhado em dezenas de escutas com Rui Oliveira Neves, o outro administrador da Start Campus e arguido no processo, nas quais detalham almoços e jantares mantidos com o ministro, então secretário de Estado da Energia, João Galamba, e também com Duarte Cordeiro, com quem foi “para os copos”. Também é visado em diversas escutas com Diogo Lacerda Machado, consultor da Start Campus, a quem pediu por diversas vezes que exercesse influência junto do Governo, nomeadamente do primeiro-ministro, tanto por causa da zona protegida na qual pretendia instalar o centro de dados como na questão do reforço de capacidade da rede elétrica, que pretendia acelerar.
Rui Oliveira Neves, arguido
Administrador da Start Campus, sócio da Morais Leitão, foi diretor financeiro da Galp até 2021. É também gerente da Smart Campus Energy, entidade para os serviços energéticos, detida pela Smart – Sines. Foi apanhado em diversas escutas com Afonso Salema. Numa delas, sugere que o presidente da REN, Rodrigo Costa, precisa que o “governo lhe diga que aquilo é para avançar”, em referência ao reforço da rede elétrica. Também chegaria a sugerir que era necessário “falar com o PM”, António Costa, “e dizer ao PM que, que temos que resolver o tema da capacidade”. Está indiciado por um crime de tráfico de influência, um crime de corrupção activa, quanto a titular de cargo político, agravado, três crimes de prevaricação e dois crimes de recebimento ou oferta indevida de vantagem, quanto a titular de cargo político, agravado.
Nuno Mascarenhas, arguido
Presidente da Câmara de Sines desde 2013, eleito em listas do PS. Está a fazer o terceiro mandato, o último em que poderá exercer a presidência, devido à limitação legal de mandatos.
Segundo a investigação, foi pressionado por Diogo Lacerda Machado a aprovar processos relacionados com o centro de dados, porque dessas aprovações dependia o apoio do PS em eleições futuras. Foi-lhe dito que caso não o fizesse, perderia o apoio do partido e ficaria sem poderes na área do Urbanismo. Chegou a receber um telefonema de João Galamba, no qual o secretário de Estado da Energia lhe disse que estava a receber “queixas sucessivas do município de Sines como um dos municípios mais difíceis na relação com renováveis” e que estava a criar “problemas”. Mascarenhas pediria contrapartidas a Lacerda Machado e à Start Campus, nomeadamente um patrocínio de cinco mil euros ao Festival de Músicas do Mundo e a entrega de um valor não apurado mas superior a 100 euros às equipas de futebol jovem do Clube de Futebol Vasco da Gama de Sines.
Diogo Lacerda Machado, arguido
Advogado, amigo de António Costa, contratado (pro-bono inicialmente) para negociar em nome do Estado os dossiês da TAP e lesados do BES no primeiro governo socialista com a geringonça. Foi administrador não executivo da TAP nomeado pelo Estado entre 2018 e 2021. Antes tinha estado na Geocapital, a empresa que comprou com a TAP a empresa de manutenção de Brasil (VEM) a quem depois vendeu a sua parte, livrando-se de um buraco de quase mil milhões de euros, apesar de defender ainda hoje com unhas e dentes este negócio. Foi, depois, presidente da companhia privada Eurotlantic em nome da qual tentou obter ajuda do Estado. Sem sucesso. Numa audição em maio na comissão de inquérito à TAP, o advogado disse que não falava com António Costa desde abril de 2020.
Está no processo por ser consultor da Pioneer Point Partners, que é acionista da Smart Campus, que instalou um centro de dados em Sines, tendo-lhe, segundo o Ministério Público, sido prometido uma participação direta no projeto de 0,5%.
Enquanto consultor, manteve várias conversas com os administradores da Start Campus, nos quais garantia influência direta junto de António Costa ou de outros membros do Governo. “Se for Finanças, eu falo logo com o Medina ou com o António Mendes, que é o secretário de Estado. Se for Economia, arranjo maneira depois de chegar ao próprio António Costa”, disse a Afonso Salema.
Ministro das Infraestruturas desde janeiro de 2023. António Costa deixou o seu futuro político e neste governo ainda em funções para uma conversa posterior com Marcelo Rebelo de Sousa. Foi secretário de Estado da Energia entre outubro de 2018 e janeiro de 2023. No último ano acumulou as pastas do Ambiente e Energia, tendo ficado com a tutela da DGEG e da APA. Era responsável pelos projetos da área energética, incluindo minas onde está o lítio e o hidrogénio, e pela agência que faz avaliação ambiental dos projetos. Esteve diretamente envolvido na tentativa de criação do primeiro grande consórcio para o hidrogénio, um dos eixos desta investigação.
O Ministério Público suspeita que propôs decretos elaborados por advogados contratados por privados interessados nas leis. No despacho de indiciação que o constitui como arguido no caso do centro de dados de Sines, são referidos vários almoços entre Galamba e os administradores da Start Campus, que manteriam com Galamba uma relação próxima. Quando o governante passou de secretário de Estado para ministro, substituindo Pedro Nuno Santos, Salema e Rui Neves lamentaram o “grande retrocesso”. É escutado a exercer pressão sobre o presidente da Câmara de Sines para aprovar processos em benefício da Start Campus. Mas também é descrito pelos responsáveis da Start Campus como alguém que “tende a ficar chateado”, nomeadamente numa situação em que a Start Campus queria a intervenção direta de António Costa, passando por cima de Galamba com quem vinham a falar “há seis meses”.
Nuno Lacasta, arguido
Já foi descrito numa entrevista como o “homem mais poderoso da administração pública”, dada a resistência no cargo. É presidente da Agência Portuguesa do Ambiente (APA) desde 2012, por nomeação de Assunção Cristas. Esta “super-agência” concentrou várias competências como a gestão da água (e das secas) e é a autoridade de avaliação ambiental. Lacasta manteve-se à frente da agência nos governos socialistas, tendo visto o mandato renovado em 2019 por Matos Fernandes. Isto apesar de várias polémicas em que esteve envolvido – desde a falta de controlo na poluição no Tejo, passando pela aprovação ambiental do aeroporto do Montijo, validação do negócio de venda de barragens (e o parecer que levou o fisco a não cobrar IMI) e agora o licenciamento ambiental das minas de lítio e do centro de dados em Sines. No despacho de indiciação relativo a este braço da investigação, Lacasta desvaloriza as preocupações de Nuno Banza, presidente do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) sobre o licenciamento do projeto em zona protegida e refere que a primeira fase do centro de dados ficou isenta de Avaliação de Impacto Ambiental. “Isso está tudo resolvido, está tudo feito, está tudo tratado, está tudo tranquilo” e “nós estamos já completamente organizados com o promotor, há meses”, disse Lacasta.
João Tiago Silveira, arguido
Sócio da Morais Leitão desde 2017, e na qual trabalha desde 2011. Foi secretário de Estado de vários governos socialistas, incluindo da presidência do Conselho de Ministros no último Governo de José Sócrates. Em 2009 foi porta-voz do PS. Além disso esteve no grupo de trabalho para a simplificação administrativa e que, entre outros, resultou numa lei sobre a agilização de procedimentos ambientais. Segundo o MP, essa lei foi preparada pelo Governo e, em parte, pelo gabinete de João Galamba, que terá pedido à Start Campus, através de Lacerda Machado, que introduzisse no diploma alterações que beneficiassem a empresa promotora do centro de dados. Essas alterações foram pedidas pelos administradores da Start Campus a João Tiago Silveira, que terá aceitado fazê-las.
João Pedro Matos Fernandes
Ministro do Ambiente entre 2016 e fevereiro de 2022, tendo assumido sob a sua tutela a pasta da energia para a qual foi nomeado João Galamba no final de 2018. Foi a partir desta data que foi reconhecido o direito da Lusorecursos a avançar para a exploração da mina de lítio em Montalegre, sujeita a avaliação ambiental. É também do seu tempo a apresentação da estratégia nacional para o lítio, validada numa avaliação ambiental estratégica em 2022. Na apresentação da estratégia nacional para o hidrogénio (2020) terá acompanhado os contactos iniciais com os promotores.
Quando sai do Governo fica como deputado, mas pouco depois vai trabalhar para um Instituto da Abreu Advogados. O MP estará a investigar a alegada colaboração com um fundo de investimento em energias renováveis dinamarquês, o Copenhagen Infraestrutures Partner que tem como investidor a Vestas, gigante mundial de equipamentos para parques eólicos, Vestas que está num consórcio da Galp e EDP para o hidrogénio em Sines. A Copenhagen Infraestruture Partner tem 25 mil milhões de euros sob gestão e um dos fundos para a transição energética. São investidores no projeto Madoqua para Sines que tem um projeto para produzir hidrogénio e amónia verde.
Duarte Cordeiro
Assumiu a tutela do Ambiente em março de 2022, tendo mantido João Galamba na pasta da energia, a que juntou a pasta do ambiente. Foi já durante o seu tempo de ministro que a APA aprovou os projetos de exploração de lítio em Montalegre e Boticas. A tutela da APA foi assumida pela secretária de Estado da Energia e Clima, Ana Fontoura Gouveia, tendo Duarte Cordeiro mantido a definição e orientação de aspetos estratégicos. Já era ministro do Ambiente quando foram aprovados pela APA os projetos do data center em Sines e as minas de Montalegre e do Barroso, já com a nova legislação conhecida como o simplex ambiental em vigor, que Duarte Cordeiro apresentou. Na investigação do MP ao centro de dados, é referido, apesar de não ser apanhado nas escutas. Afonso Salema, CEO da Start Campus, chega a dizer que foi jantar e “para os copos” com o ministro. Mas no dossier da área protegida, onde a Start Campus queria construir o data center, Duarte Cordeiro estaria alinhado com o ICNF, ou seja, defendia uma alteração à zona de instalação do projeto. No entanto, Cordeiro esteve do lado de Galamba quando foi decidido que o centro de dados poderia funcionar sem o parque solar que estava previsto, pelo que esta parte do projeto poderia ficar de fora do estudo de impacte ambiental do projeto, o que permitiria, mais facilmente, dar luz verde ao centro de dados.
Ana Fontoura Gouveia
Assumiu a secretaria de Estado da Energia em janeiro de 2023, substituindo João Galamba quando este foi nomeado ministro das Infraestruturas. Chega do gabinete de António Costa no qual foi assessora económica ligada à energia, mas sobretudo para matérias europeias, tendo acompanhado a resposta à crise energética. Aí trabalhou diretamente com Vítor Escária. A investigação do Ministério Público refere que os administradores da Start Campus consideravam a sucessora de João Galamba como um entrave às suas pretensões, relativamente ao reforço de capacidade da rede elétrica. Afonso Salema chegou a classificá-la como “inútil”, tendo abordado Lacerda Machado, para que este recorresse ao primeiro-ministro para este pressionar Ana Gouveia. Através de Vítor Escária. “Se o Escária disser para ela fazer isto, ela faz”, chegou a dizer Salema. A lei em causa acabou por ser aprovada em setembro.
APA
A Agência Portuguesa do Ambiente é, entre outras competências, a autoridade de licenciamento ambiental, à qual compete promover a avaliação de projetos industriais, de infraestruturas e serviços. Foi a APA quem aprovou com condições os projetos de exploração de lítio em Montalegre e Boticas este ano, depois de no passado ter recusado a dar licença ambiental, impondo a reconfiguração do projeto e medidas de minimização e compensação. Esteve também envolvida no processo de licenciamento do data center em Sines, que obteve a luz verde ambiental num processo rápido (o estudo foi apresentado em fevereiro e a decisão foi tomada no início de agosto deste ano). Ainda assim, em abril a APA notificou a Start Campus para que enviasse elementos adicionais, o que motivou um contacto entre Afonso Salema e Lacerda Machado, para que este desbloqueasse o entrave. “Temos agora a APA a armar-se em parva, ou seja tivemos aquelas coisas todas e de repente aparece lá alguém nos seus recônditos, dos armários da APA, a dizer eu só aprovo quando tiver o estudo definitivo de integração paisagística”, diz Salema a Lacerda Machado. A Start Campus obteria em agosto a DIA favorável. A APA será chamada a pronunciar-se sobre os projetos industriais do hidrogénio. Até agora, só a instalação de 100 MW na refinaria da Galp em Sines recebeu luz verde condicionada.
AICEP
A entidade do universo público, com responsabilidades ao nível do desenvolvimento do investimento externo nacional e dos grandes projetos de investimento em Portugal, tem, no âmbito desta última função, a classificação dos projetos PIN (projeto de interesse nacional) que têm regras especiais de aprovação. Tanto os planos para o hidrogénio em Sines, como o centro de dados da Smart Campus têm o selo PIN. Segundo o próprio, Diogo Lacerda Machado terá ajudado a organizar o pedido de classificação deste último como projeto PIN.
Além disso, a Start Campus está a ser construída na ZILS – Zona Industrial e Logística de Sines, da Aicep Global Parques, que foi liderada por Filipe Costa, que em junho assumiu as funções de presidente da AICEP. Foi para acolher empresas de base tecnológica na ZILS que foi criado o Sines Tech – Innovation & Data Center Hub, cujos parceiros são a Câmara Municipal de Sines e a EllaLink (cabo submarino entre Brasil e Portugal).
DGEG
Funciona na dependência do Ministério do Ambiente e foi uma das entidades públicas alvo das buscas do Ministério Público. A Direção-Geral de Energia e Geologia é contraparte do Estado nos contratos de pesquisa e exploração mineira, incluindo o lítio, e é quem recebe pedidos e concede autorizações. Está também envolvida na elaboração e execução das estratégias para o lítio e hidrogénio. E foi a licenciadora do projeto do data center de Sines, que precisou de acesso reforçado à rede pelo elevado consumo elétrico. Por esta Direção passaram, de uma forma ou de outra, os três projetos em questão.
Start Campus
É a empresa responsável pelo desenvolvimento do centro de dados de Sines, um mega projeto de 3,5 mil milhões de euros. É detida em consórcio pelos norte-americanos da Davidson Kempner Capital Management LP (Davidson Kempner) e pelos britânicos da Pioneer Point Partners. Esta última tinha Diogo Lacerda Machado como consultor. É administrada por Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, dois dos detidos desta operação. Para o projeto do centro de dados de Sines, a Start Campus tinha como parceiros a AICEP e a Câmara Municipal de Sines. Desde a apresentação do investimento que contava, segundo o site da própria empresa, com o “envolvimento ativo e o apoio do Governo português feito através do Ministério da Economia e Transição Digital, do Ministério do Ambiente e da Transição Energética, do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Internacionalização e do Ministério das Infraestruturas e da Habitação”.
Pioneer Point Partners
É acionista da Start Campus, em conjunto com outro fundo, a Davidson Kempner (empresa que comprou várias carteiras de malparado da banca, nomeadamente do Novo Banco). Terá sido como consultor da Pioneer Point Partners que Diogo Lacerda Machado se envolveu no centro de dados de Sines.
REN
A Redes Energéticas Nacionais acabou por saltar fora do mega-consórcio do hidrogénio para desenvolver um projeto próprio para adaptar as redes de transporte de gás à circulação parcial e total de hidrogénio. Mas a empresa gestora das redes também foi alvo de buscas que estarão relacionadas com a intervenção nas ligações à rede do projeto Data Center. O projeto tem associado um consumo de eletricidade superior em 20% à capacidade instalada, com 15 MW de potência de consumo e 444 geradores de emergência. Exigia a construção de uma subestação e duas linhas elétricas de ligação à subestação da REN em Sines. Em setembro foi publicado o decreto que cria um procedimento excecional para atribuir capacidade adicional de ligação à rede de instalações com grandes consumos. E Sines é identificada como área de grande procura. A consulta para identificar esses potenciais consumidores e planear os investimentos. Uma lei à medida do Data Center, acreditam o MP.
Galp
A petrolífera portuguesa tem um pé em dois dos setores que estão a ser investigados. Hidrogénio e lítio são duas peças centrais na estratégia de descarbonização aprovada ainda pelo anterior presidente. Foi Andy Brown quem negociou um acordo com a Savannah (pelo qual se terão empenhado ministro, Matos Fernandes, e secretário de Estado, João Galamba). Os dois nunca esconderam que a estratégia do Governo incluía uma unidade industrial para reter o elo mais valioso da cadeia do lítio em Portugal. Já sem a Savannah, a Galp anunciou uma parceria com a Northvolt para instalar uma refinaria de lítio em Sines.
A Galp, tal como a EDP e a REN, foi uma das empresas contactadas pelo Governo para se juntar ao consórcio inicial para desenvolver o hidrogénio em Sines e concorrer a fundos europeus, ao abrigo do IPCEI. E faz parte do consórcio GreenH2Atlantic.
Em nome próprio, a Galp vai investir 250 milhões de euros num unidade de hidrogénio de 100 MW na refinaria de Sines.
Green Flamingo
Mega-projeto apresentado em 2020 pelo holandês Marc Rechter ao Governo português para criar em Sines um cluster de produção de hidrogénio verde para exportação tendo como destino a Holanda. O investimento de 3,5 mil milhões de euros, para uma potência de 5000 MW (uma escala que ainda hoje não é realista) foi apresentado na Comissão Europeia e chegou a falar-se na criação de um consórcio com a EDP e a Galp, para além do Resilient Group de Marc Rechter, do ABN Amro (banco de investimento) e a multinacional Vestas, para concorrer ao reconhecimento do IPCEI, sigla inglesa para Projetos Importantes de Interesse Europeu Comum. O governo, nomeadamente João Galamba, terá procurado juntar as grandes empresas nacionais ao projeto, mas não houve acordo com o holandês que, segundo fontes ouvidas pelo Observador, não tinha fundos para participar. Acabou por avançar o consórcio H2Sines, que incluiu a Galp, a EDP, a REN, a Martifer, Vestas e Bondalti para uma potência de 1.000 MW. Rutter também avançou, mas não foi aceite e ter-se-á queixado junto de instâncias europeus de ter sido espoliado do seu projeto. Para além de ter dado entrevistas a expor a situação. Ao Observador, Mark Rechter, CEO do Resilient Group, diz agora não ter "nada de novo" a acrescentar face ao que disse há dois anos, quando em entrevista ao Público referiu ter ficado "claro" que a EDP e a Galp quiseram afastar a sua empresa do projeto do hidrogénio verde. "Deixei claro na altura o que aconteceu e a minha atividade profissional tem estado, entretanto, focada fora de Portugal", acrescenta. Rechter acredita que haverá "muitas coisas por descobrir", mas vinca que esse não é o seu trabalho. "Estou muito ocupado com projetos de energia que requerem a minha dedicação total", conclui.
Há quem veja neste divórcio a origem das investigações ao caso do hidrogénio, apesar de nenhum dos projetos ter avançado.
GreenH2Atlantic
O H2Sines acabou por não avançar. A enorme dimensão do projeto e o facto da EDP e da Galp terem abandonado o consórcio para apostar em potências mais realistas, levou a que o H2Sines se desfizesse, mas a maioria das empresas voltou a juntar-se num novo consórcio, que apresentou um projeto mais modesto, para uma unidade de hidrogénio verde de 100 MW na central de Sines. Este projeto é composto por 13 parceiros: a EDP, a Galp, a Vestas, a Martifer, a Efacec, Bondalti, McPhy, e os institutos ISQ, INESC, DLR, CEA e o cluster Acelera. O projeto recebeu um financiamento de 30 milhões de euros do fundo europeu, o Green Deal Horizon 2020. Em 2022 foi reconhecido como projeto de interesse nacional.
Copenhagen Infrastructure Partners
É um fundo de investimentos, em particular na área de energia, e pretendendo entrar em projetos em Portugal terá escolhido a Abreu Advogados para sua assessora. É esta escolha que acaba por “apanhar” Matos Fernandes, indicado para um instituto autónomo do escritório de advogados. O Copenhagen Infraestrutures Partner tem como investidor a Vestas, gigante mundial de equipamentos para parques eólicos, que, por sua vez, está num consórcio da Galp e EDP para o hidrogénio em Sines. A Copenhagen Infraestruture Partner tem 25 mil milhões de euros sob gestão e um dos fundos para a transição energética. São investidores no projeto Madoqua para Sines que tem um projeto para produzir hidrogénio e amónia verde. A Madoqua, em comunicado, distancia-se da investigação. "Estamos cientes da investigação em curso e podemos confirmar que nem a Madoqua Renewables [fundada em 2021] nem nenhuma das suas afiliadas, projectos ou entidades estão envolvidos”, desmentindo que o "projeto de hidrogénio verde que está a ser mencionado como parte da investigação seja o nosso.”
Lusorecursos
É a empresa que assinou um contrato com Estado para a prospeção de lítio na mina do Romano, ainda no tempo do Governo PSD/CDS.
Foi com João Galamba que foi reconhecido o direito de exploração, sem avaliação ambiental prévia, por aplicação de uma lei já alterada que prevê esta situação quando o concedente cumpre as condições contratuais. Os direitos foram atribuídos em março de 2019, numa altura em que o caso Lusorecursos já teria chegado ao Ministério Público, designadamente através de uma queixa apresentada por um ex-sócio contra o empresário de Braga, Ricardo Pinheiro, que criou a empresa que viria a obter a licença dias antes da obtenção da mesma.
A Lusorecursos entregou o estudo de impacte ambiental para avançar com a exploração no final de 2020 e em 2021, esse estudo foi recusado pela APA por desconformidade. A Lusorecursos corria o risco de perder o direito à exploração se não conseguisse aprovação ambiental em dois anos, mas a APA aceitou suspender prazos a pedido da empresa que entregou um novo estudo de impacte ambiental ainda em 2021 que veio a receber a luz verde condicionada já este ano. Ou seja, praticamente quatro anos depois de ter sido atribuído o direito de exploração (março de 2019) na condição de que fossem cumpridas em dois anos duas condições (que não foram): aprovar o estudo de impacte ambiental e um estudo de viabilidade técnica de exploração.
Savannah
Empresa com sede no Reino Unido comprou à Lusorecursos a mina do Barroso em Boticas onde existiam já direitos de exploração de outros minérios. A descoberta daquelas que são consideradas as maiores reservas da Europa de espodumena levou a Savannah a pedir a ampliação da área e a introdução do lítio na concessão, concedida pela DGEG. A empresa entregou versão inicial de um estudo de impacte ambiental em 2020, que foi considerado desconforme, tendo sido entregue mais documentação até que, em 2021, estudo foi aceite. Em junho de 2022, a comissão de avaliação deu parecer desfavorável e a Savannah teve que rever o projeto após investimentos de 40 milhões, o que levou à saída do então presidente David Archer.
Foi já com Diogo da Silveira, ex-presidente executivo da Navigator, que entrou para diretor não executivo em novembro de 2022, que a Savannah consegue a luz verde ambiental que procurava há dois anos. O estudo do projeto modificado foi entregue em março (já com nova lei), tendo obtido parecer favorável condicionado em maio de 2023.
A Savannah chegou a assinar acordo de princípio em 2020 com a Galp para esta entrar no capital da concessionária e ser a compradora do lítio para a refinaria industrial que estava a preparar. Mas um ano depois esse acordo acabou por não se materializar numa participação porque a Galp queria fixar previamente o preço.
MLGTS
Está envolvida neste caso por dois sócios que se tornaram, ambos, arguidos na Operação Influencer. João Tiago Silveira, ex-secretário de Estado, era um dos sócios da sociedade de advogados, tal como Rui Oliveira Neves, que estava na Smart Campus e que está detido. Este advogado (e também gestor) é defendido neste processo por um outro elemento da MLGTS, Tiago Félix da Costa. A sociedade de advogados comunicou, entretanto, que tinha suspendido os dois sócios “a pedido destes” e com efeitos imediatos.
O Ministério Público estará a investigar a ligação de Matos Fernandes à Abreu Advogados e, consequentemente, ao Copenhagen Infrastructure Partners que terá contratado a sociedade de advogados. Matos Fernandes é, segundo esta entidade, “consultor do Instituto do Conhecimento, uma associação com total autonomia e órgãos próprios” da sociedade. Por seu lado, a Copenhagen Infrastructure Partners “desmente categoricamente que tenha existido qualquer relação de trabalho direta com João Pedro Matos Fernandes e recusa qualquer intencionalidade na contratação de serviços de trabalho com ex-governantes”.
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