Tiago Gonçalves revelou, questionado pela deputada da Iniciativa Liberal Joana Cordeiro, que o ex-secretário de estado Lacerda Sales lhe perguntou se tinha dado indicação para ser marcada uma consulta.

“Perguntou-me se tinha dado alguma indicação para ser marcada uma consulta”, disse ex-chefe de gabinete, acrescentando que, na altura desse contacto, já era conhecidaa a alegada interferência da secretaria de Estado no caso.

Depois de Tiago Gonçalves reiterar que só teve conhecimento do caso das gémeas em novembro (quando a TVI/CNN revelou o caso), André Ventura pediu ao presidente da CPI que fosse ouvido um excerto das declarações de Carla Silva, em que a ex-secretária de Lacerda Sales disse, também em audição na CPI, que a equipa de secretariado só procedia a diligências com o conhecimento do chefe de gabinete ou de Lacerda Sales.

“Na equipa de secretariado não fazíamos nada sem que o chefe de gabinete ou o secretário de estado tivesse conhecimento”, disse Carla Silva.

Na resposta, Tiago Gonçalves disse que não faria sentido que tivesse sido informado do pedido de marcação de consulta por Carla Silva.

“A dinâmica do gabinete é de trabalho, que é comandada pelo membro do governo. Se o sr. secretário de estado pediu isso à secretária e ela lhe deu o reporte, não fazia sentido dar-me a mim conhecimento de uma instrução que podia ter recebido do secretário de estado”, defendeu Tiago Gonçalves.

O deputado do PSD António Rodrigues garante que o ex-chefe de gabinete de Lacerda Sales teve conhecimento dos elevados custos associados à administração do medicamento Zolgensma, através de um email do Hospital de Santa Maria.

“O senhor foi destinatário de um email da Carla Silva em novembro de 2019, que capeava um oficío do Conselho de Administração do Hospital de Santa Maria, onde vinha relatada a preocupação enorme que o hospital tinha sobre os custos relacionados com as bebés Matilde e Natália”, disse António Rodrigues — bebés que foram tratados antes das gémeas luso-brasileiras com o mesmo fármaco.

Tiago Gonçalves pediu para ler o ofício e, na resposta, afirmou que as questões referidas no ofício eram, “no quadro da delegação de competências no Ministério da Saúde, tratadas pelo gabinete da sra. secretário de estado da Saúde” Jamila Madeira e não por António Lacerda Sales.

“Posso ter lido este ofício e tê-lo desconsiderado atendendo a que nenhuma das matérias a que versava não eram tratados pelo meu gabinete”, explicou Tiago Gonçalves.

O ex-chefe de gabinete de Lacerda Sales diz não ter tido nenhum envolvimento ou intervenção na marcação de consulta para as gémeas luso-brasileiras.

“Quando o caso foi noticiado, procurei indagar, consultando os meus elementos pessoais, para perceber se tinha tido alguma intervenção. E não encontrei nenhuma evidência disso”, disse Tiago Gonçalves, em resposta ao deputado do Livre Paulo Muacho.

Tiago Gonçalves garante que ouviu “qualquer referência” relativa ao caso das gémeas nem deu nenhuma orientação a qualquer membro do secretariado da Secretaria de Estado para marcar uma consulta.

Questionado por Marisa Matias sobre se Carla Silva (a ex-secretária pessoal de Lacerda Sales) teria autonomia para marcar uma consulta sem o conhecimento do secretário de Estado, Tiago Gonçalves afirma que “uma secretária pessoal não tem autonomia para fazer agendamento de consultas”.

“[Só o pode fazer] mediante instrução superior”, garante o ex-chefe de gabinete de Lacerda Sales.

Tiago Gonçalves diz não ter conhecimento de que Carla Silva tenha “extravasado as suas funções”. “Era uma pessoa de diligência e de profissionalismo. Não tenho nada a apontar do ponto de vista de competência e de lealdade”, disse o ex-chefe de gabinete, referindo-se a Carla Silva.

O ex-chefe de gabinete de Lacerda Sales diz ter “memória” de Mário Pinto (o ex-assessor para a saúde do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, em funções à data dos factos) “ter tido contactos com o sr. Secretário de estado [Lacerda Sales] no Ministério da Saúde”.

“Não presenciei esses contactos. Não sei qual era o teor das conversas que houve”, sublinhou Tiago Gonçalves.

O ex-chefe de gabinete de Lacerda Sales assegura que na reunião que marcou entre o ex-secretário de estado e Nuno Rebelo de Sousa (e na qual esteve presente) não foi abordada a necessidade de tratamento para as gémeas luso-brasileiras.

“O tema estava enquadrado na delegação que veio no âmbito da Web Summit. Deu lugar a uma reunião no dia 7 de novembro [de 2019]. Estive presente nessa reunião, tal como o Dr. Nuno Rebelo de Sousa, o sr. Secretário de estado e mais duas pessoas de uma delegação de hospitalização privada brasileira. O propósito da reunião foi tratar da mobilidade intercâmbio de profissionais de saúde”, afirmou Tiago Gonçalves, não descartando, contudo, que as gémeas luso-brasileiras tenham sido tema de uma outra reunião — da qual, diz, não tem conhecimento.

“Se houve outras reuniões, não lhe consigo dar essa informação”, disse.

Tiago Gonçalves, ex-chefe de gabinete de Lacerda Sales, diz que não sabe como o filho do Presidente da República obteve o seu contacto, antes de ter ligado a solicitar uma reunião com o ex-secretário de estado da Saúde.

“O dr. Nuno rebelo procurou marcar uma reunião com o sr. secretário de estado da Saúde. Contactou-me nesse sentido. Não tive nenhum contacto prévio com Nuno Rebelo de Sousa. Não sei como chegou à minha pessoa”, disse Tiago Gonçalves, em resposta à deputada do Bloco de Esquerda Marisa Matias.

Tiago Gonçalves explicou que o pedido de Nuno Rebelo de Sousa foi feito “no âmbito das funções que desempenhava (como presidente da Câmara do Comércio Portuguesa de São Paulo)”.

“Solicitei ao sr secretário de Estado que avaliasse a importância de o receber, foi-me transmitido que sim e retornei o contacto no sentido de transmitir data e hora, de acordo com a disponibilidade de agenda do membro do governo”, lembra o ex-chefe de gabinete de Lacerda Sales.

Os partidos que constituem a Comissão Parlamentar de Inquérito ao caso das gémeas decidiram substituir cinco audições presenciais de depoimentos escritos. Numa decisão unânime, anunciada há minutos pelo presidente da CPI, Rui Paulo Sousa, os partidos vão, assim, questionar por escrito o ex-ministro da Saúde Manuel Pizarro, a ex-ministra da Justiça Francisca Van Dunem, a ex-Secretária geral da saúde Sandra Almeida, o fisioterapeuta das crianças Miguel Gonçalves e a neuropediatra do Centro Hospitalar do Algarve Carla Mendonça.

Os partidos prescindiram ainda da audição (sob qualquer forma) do atual presidente do Conselho de Administração da Unidade Local de Saúde de Santa Maria, Carlos das Neves Martins.