Agora que olhamos para a poeira pousada sobre a situação política do arquipélago da Madeira, convém olhar às acrobacias que muitos partidos fizeram até então. Miguel Albuquerque parecia isolado, abandonado e renegado, até que os resultados eleitorais trouxeram todos os partidos à realidade – por mais penosa que ela fosse.

Todos os partidos que viabilizaram o agora Programa de Governo do PSD – CH, PAN e IL – afirmaram categoricamente, em campanha eleitoral, a indisponibilidade política de confraternizar com o protagonista que, por acaso, veio a ganhar eleições. Quanto ao CH já fizemos essa análise, foquemo-nos, hoje, nos animalistas pingentes que colhem as raízes de uma das responsabilidades mais profundas da crise política desencadeada em Janeiro deste ano.

Recorde-se que, aquando do maligno dia 24 de Janeiro, Miguel Albuquerque recusou demitir-se do cargo de Presidente do Governo Regional – decisão possível dada a posição de todos os parceiros que, à data, suportavam o Governo (PSD, CDS, PAN), mas também, logicamente, da sua própria consciência. Na altura, Mónica Freitas (deputada única do PAN) assegurava a maioria absoluta, no Parlamento, da coligação PSD/CDS, tendo-se comprometido com essa Governação através de acordos parlamentares que, hipoteticamente, conferiam, ao Governo, a estabilidade política para prosseguir descansadamente caminho. Mónica Freitas reforçou, no dia das buscas ao Governo Regional, a confiança que detinha no executivo. Menos de 24 horas depois rasgou cada sílaba que soletrara, exigindo ao PSD que retirasse Miguel Albuquerque da Presidência. Foi o ponto de viragem.

PSD, CDS e PAN, até esta altura, estavam alinhados na continuidade de Miguel Albuquerque no cargo para o qual tinha sido mandatado por mais quatro anos em Outubro de 2023 – aliados, evidentemente, à vontade do próprio. Tudo mudou quando o burro pensou e a ovelha falou. Sem nenhuma alteração dos factos conhecidos, de um dia para o outro, o PAN alterou a sua posição e “tirou o tapete a Miguel Albuquerque” – título que cobria a primeira página dos principais órgãos de comunicação social da Madeira.

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A demissão era ordem, não daqueles que a desejavam há muito, mas dos que o sustentaram em maioria e que não resistiram a entrar no arpejo de tamanho desejo. Miguel Albuquerque, entre a espada e a parede, foi obrigado a demitir-se por ver a maioria absoluta que alcançara, através de acordos parlamentares, diluir-se pela vontade dos mais simplórios bonzos que, apesar de mínimos, valiam em número significantemente pequeno para o segurar. E foi-se.

Demissão entregue. Demissão aceite. Tudo paralisou – porque o faroeste ainda não caiu nas instituições –, havia uma norma constitucional a ser cumprida, antes de qualquer outra coisa, ainda que o Presidente da República, culto feroz em dissoluções, se estivesse já a preparar para colecionar mais uma bomba atómica lançada, desta feita num outro órgão de soberania. No entanto, importava saber o que aconteceria logo após a demissão de Albuquerque, mas Mónica Freitas não tivera pensado nas consequências que a sua decisão acarretaria – e sejamos francos, era facílimo de prever. Com isso, o cenário político via poeira por todo o lado, sem que ninguém fosse capaz de dilacerar as alucinações de tão insignificante partido que se tivera tornado, na visão de si próprio, o grandioso geronte dos unicórnios – chegando ao ridículo de exigir a verificação da lista de nomes de eventuais personalidades que poderiam substituir Miguel Albuquerque. Se, porventura, algum dia houver a necessidade de angariar exemplos de sobrevalorização (muito pouco modesta, como é evidente), do real valor e da efetiva representatividade, nenhum outro exemplo superará tamanha veneração.

Acontece que os episódios não ficaram por aqui…

Quanto ao futuro, a coerência devia proliferar na decisão de Marcelo, mas eleições não são o caminho diziam os proto-agrários, acrescentando que nenhum dos apóstolos serviria para suceder a Cícero, a não ser que fosse de diferente género – condição que mataria a gaita de beiços dos típicos reacionários camponeses.

O tempo passou e o Presidente da República decidiu – e bem –, sendo que, até então, já ninguém ouvia os gritos de cólera que eram contaminados pela palavra “responsabilidade”, que assumia a centralidade de um discurso sempre repetido e nunca praticado.

Até pode ser verdade que a política está alheada do circo, mas a acrobacia vingou e Mónica Freitas engoliu tudo que o disse, todas as posições que tomou, vezes sem conta. Veja-se bem tudo aquilo que acima foi descrito, consoante os acontecimentos da crise política madeirense, e a acrescentar a isso ainda temos que:

A 27 de Março de 2024, Mónica Freitas disse o seguinte: “Houve eleições internas em que os militantes continuaram a dar essa legitimidade a Miguel Albuquerque. Portanto, isso é algo que cabe à gestão interna do PSD e aos madeirenses e porto-santenses – decidir se tem ou não legitimidade.” Portanto, Mónica Freitas atira sobre os madeirenses a responsabilidade de legitimar Miguel Albuquerque – critério que, outrora, como se viu, a própria, foi incapaz de seguir.

Apesar de ter dito isto, eis que, a 5 de Maio de 2024, Mónica Freitas disse o seguinte: “Com o PSD também temos a limitação de que nós não concordamos com a postura que foi assumida por Miguel Albuquerque em continuar a encabeçar a lista, enquanto há um processo de investigação judicial a decorrer, e, portanto, claro que aí nós teremos algumas linhas vermelhas e algumas limitações.”

De 27 de Março a 5 de Maio passaram 9 dias. Nenhuma circunstância mudou a não ser a narrativa que sustenta precariamente todas estas posições – que procuram não vincar qualquer convicção, para que mais tarde o poço de verborreia não seja imperscrutavelmente mais fundo.

No que é que resultou tudo isto, perguntam-se os leitores. Numa votação favorável da moção de confiança ao Governo do homem que o PAN exigiu que saísse, e, ainda, na votação favorável do respetivo Orçamento para o ano corrente.

O partido de Inês, que na ilha faz parelha com Mónica, viceja, hoje, no silêncio babilónico dos tempos imemoriais em que se tinha locupletado politicamente, e em que a força mínima era irrisoriamente suficiente para tão considerável brandimento animalesco.

22.07.24

Referências: