A 23 de junho de 1940, em plena Segunda Guerra Mundial, inaugurava-se, na zona de Belém, em Lisboa, a Exposição do Mundo Português, um misto entre divulgação da cultura nacional e propaganda do Estado Novo. Setenta e cinco anos depois, o Centro Cultural de Belém (CCB) vai organizar uma exposição sobre o evento, não sob o ponto de vista da ideologia política, mas com o objetivo de mostrar o nascimento do polo turístico cultural mais visitado do país. A inauguração está prevista para o outono, mas o local ainda não foi escolhido.

Até 1940, havia casas coladas ao Mosteiro dos Jerónimos. Onde é hoje a Praça do Império estavam também habitações velhas, com vista privilegiada sobre aquele que é hoje o monumento mais visitado de Portugal. Parece difícil imaginar mas, ao lado da Torre de Belém, monumento do século XVI aos Descobrimentos, havia uma fábrica de gás, que não só estragava a vista como danificava a construção, por causa do fumo “espesso, gorduroso e indelével”, como descreveu Ramalho Ortigão no final do século XIX.

“Nem os Jerónimos conseguiam dar dignidade a esta zona, que estava muito degradada”, disse esta terça-feira António Lamas, presidente do CCB, na apresentação da futura “Exposição do Mundo Português – Explicação de um Lugar” aos jornalistas. As fotos da época mostram como era a zona ribeirinha ocidental de Lisboa:

4 fotos

A Exposição do Mundo Português foi concebida por Duarte Pacheco e António Ferro, a pedido do chefe do Governo, António de Oliveira Salazar, com o objetivo de comemorar as datas da Fundação (1143) e da Restauração (1640) de Portugal. Cottinelli Telmo era o arquiteto chefe. E apesar da queda embaraçosa da Nau Portugal à saída dos estaleiros de Aveiro, o evento acabaria por ficar também marcado pelo rearranjo urbanístico de Belém, que se prolonga até à atualidade. No final da exposição, muitos dos pavilhões projetados acabaram por ser demolidos. O Centro Cultural de Belém, por exemplo, é descendente do Pavilhão dos Portugueses no Mundo, um dos principais pavilhões de toda a exposição.

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Mas há várias construções que se mantêm, como se poderá ver na exposição organizada pelo CCB, com curadoria de Margarida de Magalhães Ramalho e Margarida da Cunha Belém e design de Henrique Cayatte. É o caso do Museu de Arte Popular (herdeiro do Pavilhão da Etnografia Metropolitana, mas que hoje se encontra vazio), razão pela qual António Lamas gostaria de escolhê-lo para acolher a mostra. O pedido já foi feito à Direção-Geral do Património Cultural e à Secretaria de Estado da Cultura.

O local e a data podem ainda não estar definidos, mas os núcleos da exposição já, ainda que as curadoras não tenham adiantado quais serão. Sabe-se que a mostra terá maquetes, esculturas, bilhetes da época, testemunhos gravados de pessoas que estiveram na exposição e várias imagens, provenientes de diversas instituições, fundações e coleções privadas. A família do arquiteto Santos Almeida Junior, por exemplo, abriu o espólio à organização, o que vai permitir mostrar cerca de 200 fotografias inéditas da época.

Uma exposição sobre urbanismo, não sobre a ditadura

Questionados sobre a decisão de organizar uma exposição sobre um evento de propaganda do Estado Novo, o presidente do CCB e as curadoras negam qualquer branqueamento da ditadura de Salazar. A exposição não terá um olhar crítico sobre o regime porque “não é sobre o regime”, explicou Margarida de Magalhães Ramalho. António Lamas completou. “Terá um olhar urbanístico. A renovação resulta de uma decisão política, mas a exposição não vai enquadrar a ideologia que a fomentou, mas sim dar a perceber que foi esta exposição que criou esta zona”.

Margarida de Magalhães Ramalho defendeu que não se pode “ignorar o que se passou no início do Estado Novo”. “O Governo deu abertura e capacidade de autonomia a quem trabalhou na exposição, onde se incluíam antifascistas. Está na altura de olhar para as coisas sem ser a preto e branco”, defendeu, recusando que se apague uma parte da história por estar inserida no Estado Novo.

António Lamas deu como exemplo a exposição dedicada a Cottinelli Telmo, no Padrão dos Descobrimentos. “Revelou que a época do modernismo está a despertar um interesse enorme”, disse.

“Não há qualquer ideia de criar uma empresa privada para gerir eixo Belém-Ajuda”

De acordo com António Lamas, a exposição é já “um dos instrumentos de gestão desta zona”, Belém-Ajuda, para a qual o presidente do CCB foi incumbido pelo Governo de apresentar um projeto de gestão conjunta, como fez quando presidiu à Parques de Sintra – Monte da Lua. Para promover a zona de Belém, foram também lançados, esta terça-feira, um mapa infográfico de Belém, que estará disponível nos equipamentos culturais da zona, e o site Visit Belém, onde é possível encontrar informação detalhada sobre todos os espaços culturais inseridos na zona, bem como sugestões de passeios, refeições e horários de transportes públicos.

Lisboa, 22/06/2015 - Apresentação do projeto da Exposição do Mundo Português,  a explicação de um lugar" e do site, Em Belém  António Lamas (Leonardo Negrão / Global Imagens)

António Lamas já está a lançar as bases de uma gestão integrada do eixo Belém-Ajuda. © Leonardo Negrão / Global Imagens

A ideia de que o projeto de gestão conjunta dos equipamentos culturais, monumentos, museus e jardins será entregue a privados “não tem qualquer fundamento. Não há qualquer intenção de que venha a ser uma empresa privada a gerir os equipamentos, nem que os diretores sejam substituídos”, esclareceu.

Na última quinta-feira, o Conselho de Ministros (a Secretaria de Estado da Cultura está sob a presidência do Conselho) aprovou a criação de uma estrutura de missão liderada por António Lamas responsável pela elaboração e concretização de um Plano Estratégico Cultural da Área de Belém. O projeto deverá ser entregue em julho. António Lamas disse, ainda, que desde que tomou posse tem vindo a manter um diálogo com todas as entidades envolvidas para “desenvolver uma gestão integrada e em rede”, tal como tinha pedido o secretário de Estado, Jorge Barreto Xavier.