O presidente da câmara municipal de Ourém, eleito nas listas do PS, está em risco perder o mandato e de ficar inibido de concorrer nas autárquicas de 2017, deixando o PS órfão de candidato naquele município. As hipóteses de Paulo Fonseca continuar autarca afunilaram-se depois de o Tribunal Constitucional (TC) — a última instância — ter rejeitado a 22 de novembro um recurso que pretendia evitar a declaração de insolvência.

Após a decisão do TC, o Ministério Público pode agora instaurar um processo para perda de mandato que correrá depois no Tribunal Administrativo. Caso não o faça, essa situação pode ser levantada por um terceiro, como por exemplo um vereador da oposição. A decisão dos juízes do Palácio Ratton foi tomada a 22 de novembro — num acórdão em que a relatora foi a juíza Maria José Rangel de Mesquita — e põe fim a um longo percurso de batalhas judiciais. Resumidamente, o acórdão rejeita um recurso que pretendia obrigar o Supremo Tribunal de Justiça a aceitar um outro recurso. Confuso? Comecemos pelo início.

Quem pediu a insolvência do atual presidente da câmara foi o empresário José Carlos Serralheiro que alega ter-lhe emprestado dinheiro (350 mil euros, embora o valor da ação seja inferior) ao atual presidente da câmara de Ourém. Paulo Fonseca (que o Observador tentou, por várias vezes contactar sem sucesso) precisava de capitalizar a empresa de construção da qual era sócio (Batista&Fonseca, Lda) e terá emprestado o dinheiro com base num acordo de que ou lhe era devolvido ou ficava com 50% da empresa em causa.

José Carlos Serralheiro chegou a contar ao jornal Mirante que nunca ficou com quotas da empresa e que, apesar de ter passados cheques em três ocasiões, estes foram rejeitados. Tudo isto se passou em 2008, quando Serralheiro conheceu Paulo Fonseca (na altura governador civil de Santarém) na venda de um terreno e decidiu emprestar dinheiro ao político “com base na confiança”. Como se tratava de um governador civil, Serralheiro achou que bastava a palavra, que este não lhe falharia no pagamento e que agiria de boa fé.

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Uma longa batalha judicial

Num primeiro momento, Paulo Fonseca foi declarado insolvente em primeira instância pelo Tribunal de Ourém (processo 189/14.1 TBVNO). De seguida, o autarca recorre para o Tribunal da Relação de Coimbra, sendo o recurso admitido e a venda e partilha do património suspensa.

O Tribunal da Relação acaba por se pronunciar (o relator foi o juiz Luís Marinho) para dizer que é necessário simplificar as conclusões, que eram demasiado extensas. O advogado de Paulo Fonseca não as terá alterado ou resumido, o que fez com que o recurso tenha sido rejeitado pelo relator. É feita então reclamação para a conferência, que confirmou a rejeição do recurso. Paulo Fonseca insiste e faz um recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que não é aceite.

Quem é Paulo Fonseca?

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Paulo Alexandre Homem de Oliveira Fonseca tem 53 anos e já foi deputado do PS em duas legislaturas. É presidente da câmara municipal de Ourém desde 2013 e foi governador civil de Santarém durante o governo de José Sócrates.

A 30 de março de 2015, é feita reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça que é admitido quanto à questão da má-fé, mas não admitido o recurso da sentença de insolvência, porque o processo não tem o valor suficiente para que possa ser objeto de recurso (o valor da ação é 30 mil euros e seria necessário, pelo menos, 30.000,01 euros). Por um cêntimo, o recurso não é aceite.

A 4 de junho de 2015, Paulo Fonseca recorre para o Tribunal Constitucional desta decisão do Supremo de não receber o recurso. A 15 de outubro do mesmo ano o TC admite o recurso. O processo (1011/2015) é concluído a 23 de novembro de 2015, sendo a relatora a juíza Maria Rangel de Mesquita. A decisão final foi tomada, em conferência, a 22 de novembro de 2016, dia em que é publicado o acórdão que estabelece que o recurso não foi aceite.

Esgotam-se assim as hipóteses de recurso, após cinco decisões de juízes e tribunais diferentes que decidem ou mantêm a decisão de insolvência. A única forma de Paulo Fonseca evitar a perda de mandato é ver a ação ser retirada por quem a colocou e chegar a acordo com os credores. O que se afigura difícil porque, entretanto, ao empresário que pediu a insolvência, juntaram-se os credores da tal empresa de construção, a Batista&Fonseca, Lda.

Em causa estão dívidas que totalizam — de acordo com fonte próxima do processo — cerca de 4,6 milhões de euros e incluem como credores bancos (como o BCP ou a Caixa de Crédito Agrícola de Leiria) e até o antigo Banco Português de Negócios (com os créditos a pertencerem a uma sociedade-veículo, a Parvalorem, que ficou com os ativos tóxicos do BPN).

Se nada se alterar, nos termos da lei, o Ministério Público tem agora 15 dias para intentar a ação para perda de mandato junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria. Se o processo (que será urgente) correr com celeridade, Paulo Fonseca perderá o mandato. Mais certo é que, como insolvente, Paulo Fonseca não se possa igualmente recandidatar às próximas autárquicas. Só o poderia fazer caso fosse alterada a Lei Eleitoral nesse sentido, o que não se perspetiva neste momento.

Na Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, no artigo 6º, referente às “inelegibilidades gerais” é referido que:

São igualmente inelegíveis para os órgãos das autarquias locais:
a) Os falidos e insolventes, salvo se reabilitados;”

O Partido Socialista terá aqui um problema em Ourém, já que o secretário-geral, António Costa, convidou todos os presidentes da câmara municipal em exercício que não atingem o limite de mandatos a recandidatarem-se nas autárquicas de 2017.

Já há precedente de perda de mandato por parte de outros autarcas. O caso mais mediático foi o de Macário Correia, quando em julho de 2012 o Supremo Tribunal Administrativo determinou “a perda do mandato” do então presidente da câmara de Faro, por ter violado o Plano Regional do Ordenamento do Território do Algarve e Plano Diretor Municipal em 2006.