Já não era a primeira vez que a mulher de 31 anos, sem qualquer laço familiar com o recluso que ia visitar, chegava com ar suspeito à cadeia de Coimbra. Naquele dia, a Polícia Judiciária, informada pelos guardas prisionais, estava à espera. Uma revista concluíu ao que vinha: trazia 200 doses de haxixe escondidas no corpo. A mulher, desempregada, foi detida e suspeita-se ter sido “contratada” para introduzir droga naquela prisão. Aconteceu há uma semana, mas é cada vez mais comum. Em 2013, as apreensões de droga nas cadeias portuguesas aumentaram 28% em relação ao ano anterior. E, segundo o Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP), apreender-se-ía muito mais se os guardas fossem equiparados a um órgão de polícia criminal, e não tivessem que chamar a PSP, GNR ou PJ cada vez que detetam um caso suspeito.
De acordo com os dados da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP), em 2013 apreendeu-se um total de 7,3 quilos de droga, mais 2,1 quilos que em 2012. A heroína aumentou mais de 400%, uma tendência de consumo também já verificada a nível nacional, fora das prisões. Foram ainda apanhadas 108 seringas e 48 agulhas, associadas ao consumo de esteróides anabolizantes – apreensões estas que também aumentaram (mais 17% e 47,9% respetivamente).
Ainda segundo os serviços prisionais, estes resultados deveram-se ao “trabalho desenvolvido pelas equipas cinotécnicas [cão /homem], tanto na prevenção dissuasora da entrada de estupefacientes nos Estabelecimentos Prisionais, como na sua deteção”,disse ao Observador fonte daquele organismo.
Uma justificação que não é partilhada pelo presidente do SNCGP. “Nós só temos duas equipas cinotécnicas. Uma em Lisboa e outra no Porto. Não conseguem chegar às 49 cadeias do País”, disse ao Observador o presidente do sindicato, Jorge Alves. Para justificar os números, o responsável dá o exemplo de Coimbra e a estreita colaboração com a Polícia Judiciária.
“Tem havido muitos casos detetados no estabelecimento prisional de Coimbra porque existe uma estreita colaboração com a PJ, localizada a cerca de 300 metros da cadeia. Se houvesse a mesma relação com outras diretorias, estes números seriam superiores”, afirma. Isto porque o corpo da guarda prisional não é um órgão de polícia criminal e não pode apreender droga aos suspeitos.
“O nosso regulamento diz que, em caso de suspeita, devemos deixar a visita seguir. Em último caso, apreendemos a droga ao recluso a quem o suspeito a entrega”, explica Jorge Alves. Uma indicação que diz ser insuficiente. “Deixamos ir embora um suspeito de tráfico de droga”.
Em Coimbra, sempre que há suspeitas é contactada a PJ. “Normalmente os suspeitos detidos já foram a mais que uma visita. Foram sinalizados e, quando regressam, temos a PJ à espera. Tem havido muitos casos de mulheres desempregadas que nem sequer têm relação familiar com os detidos. Algumas acabam por admitir que foram pagas para levar droga ao estabelecimento prisional”, disse ao Observador um guarda prisional de Coimbra. A mulher detida pela PJ há uma semana, vinha do Porto.
Os métodos são quase sempre os mesmos. “No interior do corpo, nas partes íntimas”, explica Jorge Alves. A deteção torna-se ainda mais difícil mas, por vezes, as suspeitas levantadas pelos guardas levam-nos a admitir. “Muitas vezes, para não serem sujeitos a revistas mais invasivas, acabam por dizer que trazem droga”.
E aqui surge o outro problema. “Como cidadão eu posso deter um suspeito de um crime em flagrante delito e entregá-lo às autoridades. Nas minhas funções não posso. Só posso impedir a visita, comunicar à polícia e tentar convencer o suspeito a ficar no local à espera. O que na maior parte das vezes não acontece”, diz Jorge Alves.
Guardas querem ser polícias
A reivindicação não é nova, mas ainda não foi atendida. Os guardas prisionais querem ser considerados polícias para poderem investigar crimes registados no interior das prisões e para poderem deter os suspeitos. “No meio prisional lidamos com elementos ligados ao crime organizado, ao tráfico internacional de droga. Podemos ser úteis a muitas investigações, diz Jorge Alves.
Não sendo polícia, o guarda tem de fazer um auto de notícia de todos os crimes ocorridos dentro das prisões, mas sempre que é chamado a tribunal é considerado uma testemunha. “Só podemos responder ao que nos perguntam e, por vezes, temos muito mais informação”.
A reivindicação já foi feita à ministra da Justiça, Paula Teixeira Cruz. “Disse-nos que primeiro seria alterado o nosso estatuto. E depois tentaria que fossemos integrados na Lei de Segurança Interna”.
Até lá, os guardas pedem um reforço das equipas cinotécnicas, os meios mais eficazes para a deteção de droga. “Basta uma pessoa ter tocado em droga, que os cães dão sinal”. Pelo resto, os guardas continuam à espera.