Lembra-se disto?

O veículo que aparece nestas imagens a ser lançado por um fuzileiro da Marinha Portuguesa (sem grande sucesso, é certo) está atualmente em missão no Kosovo. É a primeira vez que um drone português – um veículo aéreo não tripulado – participa numa missão da NATO. Até ao final de setembro, o AR4 Light Ray, que é como se chama o aparelho, está em território kosovar a prestar apoio a um batalhão do Exército que foi enviado para aquela zona em maio passado.

Equipado com uma câmara, a missão deste drone é simples. Antes de qualquer soldado sair para o terreno, vai ele fazer uma patrulha. São precisas duas pessoas para montar o sistema completo: enquanto uma se dedica à verificação do software, a outra junta as peças da aeronave como se de peças Lego se tratassem. Montar o drone é, aliás, bastante rápido, dependendo da destreza, é certo, mas rápido.  

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“Isto tudo, com a nossa equipa, atualmente, fazemos em cerca de cinco minutos”, afirma o sargento João Matos, que é um dos operadores responsáveis pelo sistema no Kosovo. Depois de lançado, o drone é usado em missões de reconhecimento de áreas, acompanhamento de escoltas e vigilância de eventos de grande dimensão.

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Uma “parceria feliz”

A chegada do primeiro drone ao Kosovo só se deu em maio, mas a história destes aparelhos nas Forças Armadas já tem, pelo menos, três anos. Em 2011, a Tekever, empresa responsável pelo desenvolvimento do AR4 Light Ray, abordou o Exército e a Universidade de Aveiro no sentido de, em conjunto, desenvolverem e avaliarem o potencial de utilização do veículo. “É para nós fundamental conseguir trabalhar com entidades que conheçam muito bem o terreno”, afirma Ricardo Mendes, um dos fundadores da Tekever, empresa que se iniciou como uma startup no Instituto Superior Técnico, em Lisboa, e hoje tem representações no Brasil, na China, Estados Unidos e Inglaterra. “O Exército é uma entidade portuguesa que conhece muito bem o tipo de forças terrestres para as quais este tipo de equipamentos se destina”, acrescenta.

“Para nós, Exército, é uma forma de experimentarmos, de darmos o nosso conhecimento e enriquecermos o nosso conhecimento”, explica, por seu turno, o coronel Nuno Lemos Pires, que acompanhou o desenvolvimento do drone desde o início. Em 2011, era um professor da Academia Militar “ligado à utilização de UAV [unmanned aerial vehicles, o nome técnico dos drones]”, relata. “Uma vez que eu tinha alguma experiência e algum conhecimento, fui nomeado para poder acompanhar este projeto junto de uma entidade do Exército que iria fazer a operacionalização do projeto, que era a Escola Prática de Infantaria”, diz. E, agora que já não está diretamente ligado ao processo, não hesita em dizer que esta está a ser “uma parceria extremamente feliz”.

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O AR4 Light Ray é usado no Kosovo em missões de reconhecimento, antes mesmo de qualquer soldado avançar para o terreno. Estas imagens são de uma utilização real em território kosovar (imagens cedidas pela Tekever).

Após três anos de testes, o drone chegou finalmente a uma situação de operação no terreno. “Quando fizemos o protocolo entre o Exército e a empresa, ele já previa que no final pudesse ser experimentado em situações o mais reais possíveis”, explica Lemos Pires, para quem o envio deste avião para o Kosovo é “uma situação win-win“. “A empresa pôde testar o seu sistema – se era ou não era adequado para ser usado num teatro de operações -, para nós, Exército, ajudou-nos a projetar melhor a sua eficiência e o desempenho”, refere.

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Andreia Reisinho Costa

Então e o lançamento falhado da Marinha? Ricardo Mendes ri-se. “Tirado do contexto, dá uma situação cómica. Nós próprios nos fartámos de rir ao ver aqueles sete segundos de vídeo”, conta. O lançamento do aparelho “é um momento crítico da missão porque pode correr mal”. E correu. “Foi de facto uma situação desagradável, sobretudo pelo impacto mediático que teve”, lembra o responsável. Mesmo se, imediatamente a seguir, e perante o ministro da Defesa e dezenas de jornalistas, se tenha feito novo lançamento que “correu otimamente”.

Drones para todos os gostos

Ao contrário do que se possa pensar, os drones podem ser usados para muito mais do que missões militares. “A utilização desta tecnologia vem tradicionalmente do mercado militar, foi aí que ela nasceu e é aí que ela tem sido muito utilizada”, explica Ricardo Mendes – mas são equipamentos com potenciais de utilização bastante diferenciados. “Levam a bordo espaço para câmaras, medicamentos, comida, todo o tipo de coisas, são um veículo, no fundo”.

Levam tudo, incluindo mísseis. Não é algo a que a Tekever se dedique atualmente. Já Lemos Pires não fecha a porta a tal. “A posição do Exército relativamente aos novos armamentos e equipamentos é acompanhar a evolução” dos mesmos, refere. Este responsável prefere destacar as muitas parcerias entre as Forças Armadas e as empresas. “Neste momento estamos a ajudar muitas empresas a desenvolverem, por exemplo, têxteis – os mais adequados ao frio e ao calor, que resistam ao fogo e à fadiga”, afirma, acrescentando que esse trabalho também passa pelo desenvolvimento de tecnologias para aquilo a que chama “o soldado do futuro” (capacetes, captação de imagens, etc.).

Mas, dizíamos, os drones podem ser usados noutras coisas que não sejam missões militares ou policiais. Agricultura e proteção da Natureza estão na primeira linha dos potenciais usos. “Num futuro próximo, e já no presente começa a acontecer, o mercado civil [vai] começar a crescer”, explica Ricardo Mendes, para quem este mercado só não é já o maior devido ao “enquadramento legal” necessário. “Enquanto que no mercado militar normalmente as missões são feitas num espaço aéreo preparado para o efeito, no mercado civil isso não acontece da mesma forma”.

Atualmente, os drones da Tekever já voam um pouco por todo o mundo. Um dos locais mais recentes é o Brasil, onde foi celebrado um contrato com uma das maiores empresas do setor, que fornecerá a carcaça dos aparelhos à tecnologia portuguesa. Também na Colômbia a empresa já está presente, trabalhando “com diversos tipos de instituições quer do foro militar e da segurança quer do foro civil”. Mas a ambição é chegar a outros países da América do Sul, do Médio Oriente e de África. “Estamos em todos os mercados a apostar em todas as frentes”, remata Ricardo Mendes.