O tornado que atingiu um jardim escola em Tomar, há cinco anos, deixou cicatrizes físicas e emocionais em dezenas de crianças, mas uma intervenção em saúde mental inédita, que decorreu no local, impediu que as perturbações evoluíssem para doença.
Uma criança que “voou” com o telhado da escola, outras soterradas em armários ou cobertas de vidros são algumas das imagens que, durante muito tempo, alunos e professores do Jardim Escola João de Deus, em Tomar, não conseguiram apagar após o tornado que atingiu aquela escola, a 07 de dezembro de 2010.
O fenómeno meteorológico deixou cicatrizes físicas, mas também psicológicas nas crianças, cujos pais começaram a identificar sinais como medo do vento e da chuva, enurese noturna e pedidos para dormir com a mãe ou o pai.
Na escola, os tempos seguintes também foram de medo, principalmente em dias de vento, de tal forma que a direção pediu ajuda ao hospital local, sem capacidade para realizar uma intervenção a 136 crianças, familiares e professores.
Para contornar a situação, a Proteção Civil de Tomar pediu ajuda à pedopsiquiatria do Hospital Dona Estefânia, do Centro Hospitalar de Lisboa Central (CHLC), que atende a zona sul do país.
Mas os custos para deslocar 136 crianças, familiares e educadoras semanalmente, durante seis meses, e o impacto no absentismo laboral dos pais e no funcionamento do jardim-escola ameaçavam tornar a intervenção inviável, pelo que uma equipa coordenada pelo enfermeiro António Nabais apresentou uma alternativa: levar a intervenção ao contexto escolar.
A iniciativa, inédita em Portugal, decorreu em 2011, ano em que quatro enfermeiros (dois especialistas em saúde mental e dois de cuidados gerais) da Área de Pedopsiquiatria do CHLC trabalharam uma vez por semana com estas crianças, mas também com pais e professores.
António Nabais disse à Lusa que, na avaliação realizada através de inquéritos e pela interpretação dos desenhos das crianças — com idades entre os três e os dez anos — foi possível averiguar que quase metade (41,7 por cento) apresentava possível perturbação mental.
Destas, a grande maioria já apresentava perturbação mental — nomeadamente ao nível do comportamento – antes do tornado, tendo com este aumentado em dez vezes a possibilidade do seu problema se agravar e evoluir para doença mental.
As crianças que ficaram marcadas após o tornado manifestavam perturbações emocionais, tendo sido estas as que mais facilmente melhoraram.
Os profissionais organizaram grupos terapêuticos, consoante a idade das crianças, com as quais dramatizaram histórias com o objetivo de verbalizar a situação vivida e ultrapassar o seu impacto.
Para os mais pequenos, entre os quatro e os seis anos, foi escolhida a história de “Os três porquinhos”, envolvendo “a construção, a destruição e reconstrução de uma casa, numa alusão à escola que foi destruída pelo tornado e depois reconstruída”, explicou António Nabais.
Aos que frequentavam o segundo, terceiro e quarto ciclo do ensino básico foi proposta a construção de uma história e a definição de personagens, que no final do ano foi apresentada como peça de teatro.
Segundo António Nabais, a intervenção permitiu que a maioria das crianças melhorasse o seu estado, sendo que as que não melhoraram ou até pioraram foram encaminhados para consultas de pedopsiquiatria.
Este projeto venceu, em 2014, o Prémio de Boas Práticas em Saúde.