Ainda lhe soa a presunção descrever-se como animadora dos estúdios Aardman. Mas é mesmo essa a função da portuguesa Rita Sampaio num dos melhores estúdios de animação do mundo, desde que terminou a rodagem de A Ovelha Choné – O Filme. A longa-metragem só vai chegar aos cinemas portugueses em setembro, mas a antestreia acontece esta quarta-feira, às 20h00, no Cinema São Jorge, com a presença dos realizadores, no âmbito do Monstra – Festival de Animação de Lisboa.

Rita Sampaio, que coordenou uma equipa de animadores assistentes durante a rodagem do filme, não vai estar em Lisboa para a exibição. Está em Bristol, onde continua a trabalhar com a famosa ovelha, na quinta temporada da série, cujas filmagens deverão terminar em maio. Foi a partir daquela cidade que conversou com o Observador sobre o percurso que a levou até aos estúdios Aardman, de onde saíram animações em stop motion como Wallace e Gromit e A Fuga das Galinhas. Com 37 anos, já conta cinco deles passados ali. A portuguesa diz que teve sorte, mas desde que descobriu a paixão pela animação que tem trabalhado para estar onde está.

Criada em Portalegre, antes de sequer sonhar em animar algumas das marionetas favoritas de miúdos e graúdos Rita quis ser inventora, cabeleireira e até astronauta. Mas, aos 18 anos, regressou à cidade onde nasceu, Lisboa, para estudar na Escola Superior de Teatro e Cinema, onde fez cenografia. “Depois, em 2000, fiz o curso de especialização em animação de volumes, no CITEN, da Fundação Calouste Gulbenkian, trabalhei com o José Manuel Ribeiro na série As Coisas Lá de Casa, em outras curtas, dele e da Sandra Santos”, conta.

Deixada a cenografia, e depois de trabalhar muito a fazer as marionetas, o que Rita queria era animar. “Eu só me apercebi que gostava de fazer animação quando a fiz. Achei piada fazer o curso e gosto do produto feito, mas quando chegou à parte de animar, adorei. Adorei mesmo. Achou que estava na altura de ir para fora e escolheu estudar na University of the West of England, em Bristol, ainda não tinha 30 anos. “Foi um grande salto. Mas quando se quer emigrar, ir estudar é a melhor maneira de o fazer. E eu tive bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian.” Saiu de Portugal em 2007. O mesmo ano em que A Ovelha Choné foi apresentada ao mundo, em formato série.

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Rita Sampaio, Assistant Animator.

A “secretária” de trabalho de Rita, nos estúdios Aardman. ©James Fisher/Aardman Animations

Já na universidade, Rita apercebeu-se que a Aardman também estava sediada em Bristol. Quando soube que ia começar a fase de produção do filme Os Piratas, não hesitou. “Consegui o contacto da responsável de model making e fui entregar em mão o currículo e um portefólio.” Um dia, o telefone tocou. “Acho que estava a fazer um bolo qualquer nesse dia e ia deixando queimar!“, conta. A resposta do outro lado era um sim.

Conseguiu um estágio no departamento de model making da Aardman. Ou seja, começou a fazer os bonecos, não a animá-los. “Mas n’Os Piratas começaram a abrir vagas para animador assistente e eu concorri internamente. Fui selecionada e a partir d’Os Piratas tenho trabalhado em variadíssimos projetos”, entre os quais curtas-metragens dos famosos personagens Wallace e Gromit”, alguns projetos animados de publicidade para a McDonald’s e nas temporadas quatro e cinco de A Ovelha Choné.

Cinco anos de trabalho intenso depois, o ânimo não parece ter esmorecido. “Eu, por mim, estava fechada naquele estúdio o tempo todo do mundo“, diz. Pela rotina diária que descreve, não está o dia todo, mas quase.

“Acordo por volta das sete da manhã, saio de casa uma hora depois e chego ao estúdio às 8h40. Vou ao meu set, onde está a minha parte do estúdio — cada animador tem o seu cenário com as marionetas que está a animar –, vejo se as luzes já aqueceram, e começo a animar. A hora de almoço é fixa para toda a gente, entre as 13h00 e as 14h00, para o estúdio estar todo parado e para todos começarem ao mesmo tempo. Depois, das 14h00 às 18h30 continuo a animar. Se entretanto conseguir acabar o plano chamo a segunda assistente de realização. Ela vem com o realizador, ele aprova, ou não — esperemos que sim –, e se está aprovado vamos fazer o setup para o plano seguinte. Posso precisar de mais marionetas, ou pode ser outro episódio. Às 18h30 os eletricistas desligam o estúdio e vai toda a gente para casa.”

As marionetas ficam à espera de um novo dia.

Rita Sampaio, Senior Assistant Animator.

Rita com Shaun, o nome inglês da Ovelha Choné. ©James Fisher/Aardman Animations

Rita só começou a prestar atenção à mundialmente famosa ovelha em 2010, quando entrou na Aardman. “Já conhecia o Wallace e Gromit e A Fuga das Galinhas, e pensei: vou começar a ver isto. E achei muito engraçado, é humor tipicamente britânico.” No final de cada semana de trabalho, sexta-feira às 18h00, toda a equipa reúne-se numa sala com um grande ecrã, para fazer o balanço do trabalho. Para isso, assistem a um vídeo com o trabalho de cada um. “E todas as semanas nós rimos a bandeiras despregadas com a Ovelha Choné”, conta, a rir-se.

Mas porque é que estes bonecos que não falam fazem tanto sucesso? “Não tenho bem a certeza, mas acho que os personagens têm muita força. O Shaun é como um miúdo de nove anos, depois há o Bitzer [o cão de guarda] e o agricultor, que está completamente a leste… O facto de eles não falarem ajuda. As ações têm de ser muito bem planeadas, a linguagem é toda ela corporal, tem de ser feito ao detalhe. A comédia é física e traduz-se para todas as culturas”, arrisca.

Por ser uma comédia mais física, a animação tem uma importância ainda maior. No primeiro filme vai ser possível ver mais uma aventura da ovelha. “Por ser muito traquinas, o Shaun vai ter de visitar a cidade grande. E como é que uma equipa de ovelhas e um cão se integram numa cidade de humanos e como é que fazem para passar despercebidos?”, adianta Rita, mas sem querer desvendar muito mais.

Ao contrário da Ovelha Choné, Rita não quer deixar nunca para trás a cidade grande da animação. Seja ela qual for. “Depende sempre de onde está o trabalho. Por enquanto estou a trabalhar na Aardman e é fantástico, mas eu trabalho em regime freelancer e nunca sei. Tenho tido sorte, mas se tiver de arranjar trabalho noutro sítio preferia ficar no Reino Unido na mesma. Gosto de viver aqui e há mais variedade de trabalho do que na maior parte dos países da União Europeia. Em termos de stop motion, há mais coisas a acontecer.” Voltar a Portugal fica, por isso, difícil.

Rita já foi contactada algumas vezes por portugueses que gostavam de lhe seguir as pisadas e trabalhar num dos estúdios de animação de maior prestígio. A animadora faz por responder sempre. Mas com um alerta: “pedidos de amizade no Facebook eu não aceito!” – avisa, entre risos.

E deixa um conselho em forma de provérbio. “Reza a deus, marinheiro, mas rema para a praia“. Ou seja, é preciso ir trabalhando nos sonhos que se tem. “Eu tive muita, muita sorte, mas uma pessoa tem de ir tentando que a sorte seja mais fácil de acontecer.”