Os especialistas calculam que a pintura foi feita por volta de 1626 ou 1627 – há quase quatro séculos. É, por isso, necessário recuar até àquela época para se entender a importância de “Combate Naval Frente a uma Costa Rochosa”. Trata-se de uma paisagem naturalista que representa o combate entre uma galera turca e um navio holandês, o que não corresponde a qualquer acontecimento histórico concreto, mas ao tipo de batalhas próprias da Europa da Idade Moderna.

O autor, Hendrick Cornelisz. Vroom (convencionou-se que o nome do meio leva um ponto para assinalar a abreviatura, em holandês, de “filho de”: ou seja, Corneliszoon), é considerado o pioneiro da pintura holandesa de marinhas, também chamadas paisagens de água.

O pintor nasceu em Haarlem, em 1566, teve como mecenas o cardeal Fernando de Médicis e terá sido este a criar em Vroom o gosto pelas cenas marítimas. Durante algum tempo, o artista viveu em Portugal e ganhava dinheiro com a venda de pinturas em Lisboa e Setúbal.

“Combate naval…” faz parte do acervo do Museu do Prado, em Madrid, desde meados do século XIX e foi visto há pouco tempo em Lisboa, na exposição Rubens, Brueghel, Lorrain: A Paisagem Nórdica do Museu do Prado, promovida pelo Prado no Museu Nacional de Arte Antiga entre dezembro de 2013 e abril de 2014.

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Os quadros de Vroom foram “muito apreciados na época e alcançaram um preço elevado”, explica o catálogo daquela exposição.

1. Duas faixas de cor
“Este quadro reúne todos os recursos estilísticos idealizados por Vroom para a representação de barcos no porto ou no mar alto e que logo seriam adotados pelos seus seguidores”, lê-se no site do Museu do Prado. Um desses recursos é a “distribuição da cor por duas faixas”, ou seja, “um primeiro plano mais escuro, ocupado pelo mar tormentoso, e um segundo plano luminoso e atmosférico, onde se fundem a água, o céu e o pequeno fragmento de costa”. Neste tipo de paisagens, também chamadas marítimas, e sem conteúdo religioso patente, o céu e o mar ocupam a maior parte da superfície da tela.

2. Lembrança dos naufrágios ou dos perigos da vida?
Atentemos, ainda, no mar escuro e revolto – que surge como se o pintor tivesse feito um corte longitudinal no mar. Que significado, além do óbvio? Há duas hipóteses. “As figurações de tempestades poderiam representar a luta do homem contra os elementos” e “uma lembrança dos perigos e dificuldades que a frota mercantil enfrentava nas longas expedições comerciais”, escreve a conservadora Teresa Posada Kubissa no catálogo da exposição Rubens, Brueghel, Lorrain: A Paisagem Nórdica do Museu do Prado. Ou então, em sentido alegórico, seriam “símbolo dos perigos que rodeiam o homem ao longo da vida”.

3. Bandeiras retocadas
As bandeiras do barco da direita eram originalmente as da Holanda. O pavilhão tricolor, saído de Vroom, está hoje escondido debaixo da bandeira com cruz vermelha, isto é, a cruz de Santo André, da armada espanhola. O repinte, informa o Museu do Prado, terá tido por objetivo simular uma batalha de Espanha contra os turcos. A alteração pode ter sido feita antes de 1746, ano em que o quadro figura pela primeira vez, sem dados sobre intervenções, no inventário da rainha que o comprara, Isabel de Farnesio, mulher de Filipe V (reza a lenda que ela tinha uma alimentação farta em manteiga e queijo parmesão). Os especialistas não conhecem o motivo concreto para o retoque.

4. Rochas e paisagem
Porque é que o fragmento de costa, tão pequeno, foi suficientemente importante para que o puxassem para o título do quadro? Há uma hipótese e relaciona-se com a importância da paisagem e com o facto de Vroom ser holandês. Ao contrário dos pintores italianos, que preferiam motes religiosos em que a paisagem funcionasse como cenário, os holandeses valorizaram a paisagem e a natureza-morta, sobretudo a paisagem marítima, a partir da segunda metade do século XVI. O mar, os canais, os rios, os diques são parte integrante da realidade neerlandesa e a sua representação, um claro símbolo de orgulho nacional, foi também uma forma de as Províncias Unidas se afirmarem como território independente e poderoso por via do ascendente marítimo, refere Teresa Posada Kubissa.

Título: “Combate Naval Frente a uma Costa Rochosa”
Autor: Hendrick Cornelisz. Vroom (1566-1640)
Data: Cerca de 1626-27
Técnica: Óleo sobre madeira
Dimensões (cm): 37×58
Coleção: Museu do Prado, Madrid