Nicolau Breyner pertencia àquela geração de atores portugueses hoje quase extinta que fizeram tudo: teatro e cinema, canção, televisão e teatro em direto na televisão, sem esquecer a revista. Vasco Santana dizia: “Ó menino, se fizeste revista, então podes fazer tudo.” E Nicolau Breyner, que também frequentou o Conservatório, tinha essa escola prática do Parque Mayer, essa rodagem especial da revista que lhe dava a capacidade de ir a todas qualquer que fosse o meio ou o sítio, um palco, um estúdio ou um ‘plateau’. E que, casada com a sua espontaneidade, o seu sentido de improvisação e o seu longo alcance dramático (raras vezes devidamente aproveitado fora do teatro), o transformaram num ator único e muito querido pelo público, com o qual tinha aquela empatia instantânea que é privilégio apenas dos grandes, muito ligada também ao dom de Nicolau para personificar, em especial na televisão, o português médio, grande sofredor anónimo de todos os regimes, poderes, governos e suas receitas político-económico-sociais.

Se tivesse nascido noutro país que não Portugal, Nicolau Breyner teria sido (também) um belíssimo ator de cinema. Quando chegou aos filmes, no início dos anos 60, fazendo algumas “pontas” antes de lhe começarem a dar papéis um pouco mais notados, o cinema português agonizava em comédias pífias que se socorriam, em vão, de atores da revista e de cançonetistas da moda, e em dramas de fados e toiros. E por isso andou a saltar de “Pão, Amor e… Totobola” para “Sarilhos de Fraldas” para “O Destino Marca a Hora”, entre outros horrores cinematográficos dessa época.

[“Crónica dos Bons Malandros”]

Logo depois do 25 de abril, Nicolau continuou a marcar o ponto esporadicamente no cinema em papéis cómicos (um dos melhores em “Crónica dos Bons Malandros”, de Fernando Lopes, em 1984). Foi só em 1999 que dois papéis dramáticos de substância, em “Inferno”, de Joaquim Leitão, e em “Jaime”, de António-Pedro Vasconcelos, mostraram o belo ator “sério” de cinema que ele era. E foi sob a direção do autor de “O Lugar do Morto” que continuou a distinguir-se na tela. Nomeadamente no solitário, diligente e batido inspetor de polícia de “Os Imortais” (2003), e no autarca corrupto, seduzido e embarretado pela prostituta de luxo de Soraia Chaves de “Call Girl” (2007), duas personagens de uma verosimilhança humana e arrancadas à realidade como poucas no cinema nacional. Pelo meio, esteve ainda muito bem em “O Milagre Segundo Salomé”, de Mário Barroso (2004). Mas foi pouco, muito pouco, para um ator que merecia uma cinematografia que o tivesse espremido devidamente de tudo o que Nicolau lhe tinha para dar.

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[“Inferno”]

[“Os Imortais”]

Fiel à sua personalidade de homem dos sete ofícios artísticos, Nicolau Breyner experimentou também a realização no cinema, com um trio de filmes. Dois policiais indiferentes, “Contrato” (2009), adaptação, por Pedro Bandeira Freire, do “Requiem para D. Quixote”, de Dinis Machado escrevendo como Dennis McShade, e “A Teia de Gelo” (2012); e a comédia “7 Pecados Rurais” (2013), feita para capitalizar a popularidade de um duo de cómicos da televisão, e que à falta de outra coisa, foi um sucesso comercial à nossa pequena escala, e onde Nicolau fazia uma breve participação no papel de Deus.