Segunda-feira às 11 da manhã o Museu da Eletricidade parece um formigueiro. Operários pintam paredes e envernizam o chão, máquinas apitam por todo o lado, gruas sobem e descem, um frenesi de pessoas e vozes. Consta que os trabalhos duram noite e dia, porque o objetivo é não falhar a data: 19h00 de quarta-feira, 29, dia de abertura das primeiras quatro exposições temporárias do MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, o novo museu de arte contemporânea de Lisboa.

O velhinho Museu da Eletricidade, ou Central Tejo, que funcionou como fábrica termo-elétrica entre 1914 e 1975, vai fazer parte desse grande complexo chamado MAAT. Mantém a estrutura, mas está a ser adaptado e ficará com quatro novas salas: Central 1 e Central 2, as novas, e Sala das Caldeiras e Sala do Cinzeiro 8, que já existiam.

Ali ao lado aparecerá até de 5 de outubro, dia da inauguração, um imponente edifício da autoria da arquiteta britânica Amanda Levete – o edifício principal do MAAT, com um custo de 19 milhões de euros. Contará outras quatro salas: Oval, Galeria Principal, Project Room e Video Room.

Por enquanto, só a Central Tejo está em condições de ser visitada e foi isso que o Observador fez, na companhia do diretor do MAAT, o arquiteto Pedro Gadanho, de 48 anos, e da curadora internacional Inês Grosso.

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“Este museu vai ter um perfil diferente dos outros que já existem na cidade, pela combinação de arte com tecnologia”, descreve o diretor. “É um museu com perfil internacional que combina a apresentação de artistas portugueses.”

Gerido pela Fundação EDP, funciona como montra da coleção de arte da empresa e terá dois milhões de euros para a programação anual. Não é muito, admite Pedro Gadanho, tendo em conta que serão apresentadas em média 18 exposições por ano – no edifício principal e também na Central Tejo.

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Pedro Gadanho, de 48 anos, é diretor do MAAT depois de ter sido curador no MoMA, Museum of Modern Art, em Nova Iorque.

Os bilhetes vão custar cinco euros e permitirão a vista a todas as exposições. Mais tarde, o preço será alterado. A expectativa é a de atrair mais de 250 mil visitantes por ano, sendo os estrangeiros um dos públicos principais.

“Há muito turismo city-break [mini-férias urbanas] em Lisboa, de pessoas com nível cultural alto para as quais a ida ao museu faz parte de um passeio de fim de semana”, analisa Pedro Gadanho.

O mesmo responsável rejeita que a cidade tenha demasiada oferta museológica de arte contemporânea, identificando até uma “crise de programação nos museus”, devido à crise económica e financeira dos últimos anos em Portugal.

“O Berardo, apesar de muitas visitas, vive da coleção e o número de exposições temporárias tem diminuído, por causa de problemas financeiros. O Museu do Chiado tem salas fechadas. A Gulbenkian juntou os seus dois museus numa só marca. E quanto à Culturgest não se sabe o que vai acontecer. Por isso, acho que os outros museus contemporâneos estão a perder gás, há uma certa recessão”, sustenta.

O MAAT surge, assim, como “alternativa para as exposições que vêm do estrangeiro e que praticamente tinham deixado de passar por Portugal”, diz o diretor, que entre 2012 e 2015 foi curador no departamento de arquitetura e design do MoMA, Museum of Modern Art, em Nova Iorque.

“Receber exposições itinerantes é uma coisa que acontece muito na Europa, mas a Portugal raramente chegam, por falta de recursos. Se chegavam, deixaram de chegar depois de 2012”, insiste. “Esperemos que as coisas comecem a mudar.”

Lightopia, umas das quatro exposições que abrem esta semana no Museu da Eletricidade, resulta precisamente da inclusão do MAAT em circuitos de itinerância. Quanto à conhecida exposição World Press Photo, que desde há vários anos era exibida no Museu da Eletricidade, continuará a fazer parte da programação do MAAT, diz Pedro Gadanho.

“Lightopia”, 30 de junho a 11 de setembro (Central 1)
As caixas de madeira com os objetos da exposição amontoam-se nos corredores. Viajaram por vários países, o último dos quais a Suécia e daí vieram para Lisboa de camião, numa viagem de quase quatro dias.

A mostra “combina design e trabalhos de artistas sobre a luz”, resume Pedro Gadanho.“É o género de exposição que leva dois ou três anos a construir, até se reunirem todos os objetos, e depois anda em digressão mundial.”

Com curadoria de Jolanthe Kugler, Lightopia é uma criação do Vitra Design Museum, na Alemanha, e apresenta trabalhos de artistas, designers e arquitetos sobre a relação da luz artificial com a cultura contemporânea, incluindo uma zona com projetos de designers de investigação sobre o futuro da luz e novos modelos de candeeiros.

É exibida na sala Central 1, a qual representa “o principal investimento desta remodelação” do Museu da Eletricidade, segundo o diretor. Tem um sistema de ar condicionado e controlo de humidade, imprescindível para objetos de algumas exposições – como esta.

“Segunda Natureza”, 30 de junho a 16 de outubro (Central 2)
Com montagem em fase muito inicial, não foi visitada pelo Observador, que apenas a pôde observar de cima, a partir de uma estrutura da Central Tejo – de onde se avistavam algumas obras já desembrulhadas de Gabriela Albergaria e de Manuel Baptista.

Vasco Araújo, Fernando Calhau, Noronha da Costa, Mariana Marote e Luís Correia Pereira são outros dos nomes contemporâneos que estarão representados, todos com obras pertencentes à coleção da Fundação EDP.

De futuro, a Central 2 funcionará como espaço para retrospetivas de artistas portugueses com carreiras consolidadas mas ainda não consagrados (mid-career surveys, assim é chamado este género de exposições). Eduardo Batarda e Fernanda Fragateiro são os senhores que se seguem.

Artists’ Film International 2016, de 30 de junho a 16 de outubro (Sala das Caldeiras)
Com curadoria de Inês Grosso, esta proposta surge no meio da única exposição permanente do MAAT, a dos objetos industriais da Central Tejo: caldeiras de alta pressão e turbo-alternadores.

Esta Sala das Caldeiras, que por si só engrossará o número de visitantes, pois é procurada para visitas de estudos de muitas escolas, passa agora a ter uma intervenção contemporânea com projeção de videoarte.

O MAAT integrou a rede Artists’ Film International, que surgiu em 2008 e junta já 16 instituições de arte contemporânea da Turquia, do Irão, dos EUA, de Hong Kong, etc. “Trocamos os ficheiros dos vídeos pela internet, é um contacto virtual”, precisa Inês Grosso. “É um programa pioneiro, porque dá a oportunidade de circulação global a novos artistas”, acrescenta.

Cada museu envolvido escolhe o vídeo de um artista, este ano sob o tema “tecnologia”. Dos 16 disponíveis, o MAAT vai exibir nove, quase todos de autores nunca antes mostrados em Portugal, nem sequer em coletivas, caso da britânica Rachel Maclean. Igor Jesus (n. 1989) é o representante português, com um vídeo intitulado “VOP”.

“Foi difícil encontrar obras portuguesas, porque não temos muitos artistas de videoarte a trabalhar o tema da tecnologia, nem num sentido de crítica sobre o impacto da tecnologia no mundo globalizado, nem que que se sirvam da tecnologia como ponto de partida para uma criação”, contextualiza a curadora.

“Silóquios e Solilóquios sobre a Morte, a Vida e outros Interlúdios”, de Edgar Martins, 30 de junho a 16 de de Outubro (Sala do Cinzeiro 8)
“Já se faziam exposições deste género nesta sala, mas agora foi ampliada para ter 200 metros quadrados e continuará a programar artistas portugueses mais jovens, a quem é dada oportunidade de apresentar trabalho novo”, explica Pedro Gadanho.

O fotógrafo Edgar Martins é o primeiro, com uma proposta considerada nova em termos da linguagem do autor: fotografia, fotografia de fotografia (apropriações), textos, projeções. O projeto demorou três anos a concluir e foi feito com base numa pesquisa no Instituto de Medicina Legal de Lisboa.

“O tema da morte é aqui explorado através de uma articulação produtiva entre registos documentais e imagens que procuram incitar o potencial especulativo, ficcional e imaginário em torno do tema”, lê-se na folha de sala.