Ao sexto disco a solo, Norberto Lobo continua o debate com a dúvida. “Não sei”, responde-nos prontamente a quase todas as perguntas. Não é calculismo nem ingenuidade, é o que é. “Não quero saber de tudo o que diz respeito às coisas de que gosto, às vezes prefiro ficar na ignorância”, explica numa esplanada do Jardim da Estrela, em Lisboa. “E depende sempre do estado do plafond do 3G”. Norberto Lobo é o tipo mais prático que existe mas faz a música que nenhuma outra pessoa poderia — ou conseguiria — fazer. O homem está cheio de incertezas e paradoxos e ouvir isso em disco, outra vez, parece sempre a melhor das novidades. O novo álbum chama-se Muxama e tem apresentação ao vivo marcada para esta quarta-feira, dia 23, no Teatro Maria Matos, em Lisboa.

muxama

Avancemos com as definições. Muxama é uma espécie de presunto do mar, lombos de atum salgados e secos que começaram a ser feitos pelos fenícios há dois mil anos. Mas esta é só uma informação extra, um fun fact como outro qualquer. Ao escolher um título para o disco, Norberto Lobo não estava necessariamente interessado em estabelecer uma relação entre a música e uma palavra em concreto. “Não há nada de muito conceptual aqui, aliás, nunca há”, avisa antes de concluir a explicação: “Gosto da palavra, parece quase um planeta, numa civilização antiga e distante. E depois… enfim, é muito mais prosaico que isso, é porque como muxama com o meu pai há uns anos. É assim um ‘olá’ ao meu pai”.

Tentemos de novo: “Mas a muxama não se come com ‘Colheres’ [nome da primeira faixa do disco], pois não?”, dizemos. E lá vamos nós de cara no muro, outra vez. “O ‘Colheres’ é mais um daqueles temas que foi batizado pelo engenheiro de som, algo que já me aconteceu antes. Chama-se isso porque, provavelmente, na hora de dar um nome para meter na tracklist de trabalho enquanto não tínhamos títulos, ele olhou para a mesa e estava lá uma colher”, responde Norberto Lobo.

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O homem e a guitarra (foto de Clarita Phiri B)

Mas atenção, que ninguém vá ao engano. Estas obras do acaso não são a regra com Norberto Lobo nem com Muxama. E no meio de uma obra cuidada, à conversa com um artista que assina uma espécie rara de artesanato, não há como não falar da origem de tudo isto: nada mais nada menos que uma nova guitarra.

“Este disco partiu de um instrumento novo, que é a guitarra com que fiz a maior parte do disco, e que me pôs a fazer uma linguagem algo diferente, tinha mais uma ideia do som que procurava antes de ter propriamente composições”. E que som é esse? Cá está, Norberto não sabe bem: “Não sei, passa tanto por cenas técnicas, a maneira como é gravado e tal… [pausa longa]… acho que queria que fosse um bocado mais devagar”.

Muxama é mais um capítulo do livro sem palavras de Norberto Lobo. O que parece acontecer desta vez é a desagregação da guitarra de forma ainda mais assumida, como se as regras existissem mas pouco, como as notas e as escalas tivessem vindo ao mundo para lhes darmos a volta. Pelo menos Norberto dá. Editado pela suíça Three:four, o sexto disco do guitarrista é um corredor de onde o eco nem sempre regressa, onde os efeitos e a reverberação nos distorcem os músculos, cheios de vontade de ir para outro lado, por onde Norberto Lobo vai, sem o desejar de facto mas, ainda assim, seguindo caminho.

E é incrível ver que, apesar de tudo o que o músico já fez, há sempre mais, sempre um incansável explorador sonoro, danado para estar onde nenhum homem antes dele esteve com uma guitarra:

“Faço sempre discos de guitarra porque aquilo é mais do que isso, gosto de imaginar que há mais som para além daquele que se ouve ou se espera, que o instrumento é, basicamente, apenas um veículo para dizeres uma ideia em voz alta, que pode ser tocado com qualquer instrumento e com muitas roupagens. Acontece que toco melhor guitarra do que outros instrumentos”, esclarece.

Deixemo-nos, por fim, de classificações demasiado técnicas ou de tentativas falhadas de definir esta estética. Isso fica para quem sabe, ou para quem julga saber, pois se às vezes nem Norberto Lobo sabe, qual é a certeza que teremos? Muxama, para Norberto Lobo, é como é: “Quando faço um disco a minha maior preocupação é que as canções falem umas com as outras, é sempre uma espécie de suite, estão todos no mesmo espaço e espírito. Não sei se faz sentido, mas preocupa-me que aquilo possa ser escutado do início ao fim”.

Sobre aquilo que se diz sobre o artista, as adivinhas sobre o feitio, a vontade ou os anseios, digamos que o Lobo do nome fica-lhe bem como é raro ver nisto dos batismos. Sabemos pouco porque sabemos o que é preciso. Norberto garante que tudo “é mais fácil quando tens letras”. “Quando estás a cantar sobre um malmequer e a canção chama-se ‘Meu rico malmequer’ ou então chama-se ‘Banha de Porco’ e as pessoas ficam: ‘Wow, este gajo chamou ‘Banha de Porco’ a uma canção sobre um malmequer’”. Bem te queremos, Norberto, bem te queremos.

Concerto no Teatro Maria Matos, em Lisboa, esta quarta-feira, dia 23, às 22h. Bilhetes entre os 6 e os 12 euros. Ainda em novembro, Norberto Lobo atua dia 25 em Braga (gnration) e dia 27 em Ílhavo (Teatro da Vista Alegre).