Apenas uma novidade no debate de urgência sobre o futuro do Teatro Maria Matos, terça-feira à tarde na Assembleia Municipal. Uma novidade pela voz do presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina: “A Câmara está muito disponível para continuar o processo de debate sobre quais os termos do concurso ou as valências que mais falta fazem”. De resto, nem Medina nem a vereadora da Cultura, Catarina Vaz Pinto, se mostraram dispostos a recuar na decisão.
Em resposta a críticas de falta de transparência na decisão de concessionar o Maria Matos a privados, medida anunciada em dezembro pela vereadora da Cultura em entrevista ao jornal Público, Fernando Medina afirmou que “nada mais público pode haver do que um pronunciamento às claras na comunicação social”. “Não se refugiem na forma”, pediu.
O debate, com carácter de urgência, foi convocado pelo grupo municipal do PCP e serviu para um combate de argumentos. No fim, o vereador comunista Carlos Moura disse que o partido “vai analisar os próximos passos e não quer de maneira alguma render-se às pretensões” de Medina. Revelou que na próxima sexta-feira participa numa reunião sobre o futuro do Maria Matos marcada pela vereadora da Cultura.
Ainda nem tinha começado o debate quando se soube que Catarina Vaz Pinto não é obrigada a levar a reunião de Câmara a decisão de concessionar a privados o Teatro Maria Matos. A informação foi prestada ao Observador por fonte oficial do Bloco de Esquerda, segundo a qual é entendimento do partido que “do ponto de vista jurídico, não há obrigatoriedade de ir a reunião de Câmara”. No entanto, “do ponto de vista político, não faz sentido tomar uma decisão destas de ânimo leve”.
No mesmo sentido, o grupo municipal do PCP fez saber ao Observador que se a intenção da Câmara for a de concessionar a gestão artística do Maria Matos mantendo o edifício sob gestão da EGEAC (empresa municipal de cultura) não é necessária aprovação da medida em reunião do executivo, bastando uma decisão conjunta da vereadora ou da EGEAC. A interpretação coincide com a que é feita pelo gabinete de Catarina Vaz Pinto. Mesmo os termos do concurso de concessão, a lançar ainda este mês, só têm de ser aprovados pela EGEAC.
Ainda assim, os comunistas defenderam no debate na Assembleia Municipal que a “ideia da concessão é inadmissível” e que foi comunicada de “forma autocrática”. Pela voz da deputada Municipal Ana Margarida Carvalho, o PCP afirmou que a “concessão da gestão não é privatização” mas implica retirar o Maria Matos “da iniciativa pública e do escrutínio público”.
“Se vingasse a tese do PCP não tinha havido um teatro entregue à Barraca, à Comuna, ao Teatro Aberto”, respondeu Fernando Medina. A atriz Joana Manuel, presente na assistência, interrompeu o discurso do presidente da Câmara e gritou “vergonha” e “mentira”, porque, contrariamente ao afirmado, a Comuna e o Teatro Aberto “foram ocupados”, disse.
O deputado municipal Ricardo Moreira, do Bloco de Esquerda, foi quem dirigiu críticas mais veementes à vereadora da Cultura, dizendo que esta “não tem legitimidade política e executiva” para avançar com a concessão. “Não escreveu em nenhum documento oficial uma só linha” sobre a matéria. Para Ricardo Moreira, a petição “Por Uma Gestão Pública do Maria Matos”, assinada por mais de 2.500 pessoas e entregue na Assembleia Municipal e na Câmara nesta segunda-feira, demonstra que “este processo já morreu”. O presidente da Câmara disse tratar-se de um discurso “demagógico” e o deputado contestou dizendo que demagogia é a não inscrição da medida nas Grandes Opções do Plano, o documento que descreve a atividade do executivo camarário.
Catarina Vaz Pinto mostrou-se intransigente (“queremos e vamos fazer”, afirmou) e levou ao debate uma informação nova: a concessão do Maria Matos será por cinco anos e a entidade será “selecionada não com base no preço, mas com base na qualidade do projeto artístico” que apresentar.
Uma nota escrita distribuída pela assessoria da vereadora da Cultura, minutos antes do início da sessão no Fórum Lisboa, onde se reúne a Assembleia Municipal, refere que “não está em causa uma privatização” do Maria Matos, “uma vez que este espaço continuará a ser propriedade” da Câmara de Lisboa. A mesma nota acrescentava que a Câmara é hoje proprietária de 10 salas de teatro sob tutela da EGEAC, das quais seis são “geridas por companhias de teatro ou entidades na área da música, na sequência de protocolos ou concurso”, como sejam A Barraca ou o Teatro da Garagem.
“O modelo que se pretende aplicar no Teatro Maria Matos é semelhante a estes”, refere a nota do gabinete de Catarina Vaz Pinto. “A Câmara tem investido de forma regular, todos os anos, cerca de cinco milhões de euros nas artes performativas”, lê-se na nota.
Nas intervenções, Simonetta Luz Afonso, deputada pelo PS, saiu em defesa da vereadora e do presidente da Câmara, considerando estar-se perante “uma tempestade num copo de água”. João Diogo Moura, do CDS, falou em “desnorte” no executivo. “Não temos, por regra, nada contra a concessão a privados, mas estamos contra a falta de rumo. Esta é uma proposta avulsa e mal explicada, não teve em contra a opinião dos órgãos municipais”, afirmou. Cláudia Madeira, de Os Verdes, reafirmou que a concessão é feita “em claro favorecimento do interesse privado”.
Catarina Vaz Pinto garantiu que os 24 trabalhadores que estão ao serviço do Maria Matos vão ser “ouvidos individualmente” e defendeu que a “nova identidade teatral” do Maria Matos tornará a sala “vocacionada para teatro de grande público”, o que vai “diversificar a oferta cultural” na capital.
No período de antes da ordem do dia, a Assembleia Municipal rejeitou a moção do grupo municipal do PCP pela recusa da concessão do Teatro Maria Matos a uma entidade privada e pela manutenção da sala “na sua esfera de responsabilidade e gestão” da Câmara Municipal.
Foi igualmente rejeitada a recomendação de Os Verdes contra a “entrega do Teatro Municipal Maria Matos à gestão privada”.
Uma recomendação de última hora apresentada pelo Bloco de Esquerda pedia a “constituição de um grupo de trabalho independente”, composto por artistas, programadores, produtores, encenadores e técnicos, para que daí resulte até julho deste ano uma proposta para “reestruturação da rede de teatros municipais e manutenção da gestão pública” do Maria Matos. Também foi rejeitada, com a abstenção dos comunistas. António Modesto Navarro, deputado municipal do PCP, pediu a palavra para justificar: o partido não está de acordo com aquilo que entende ser a “deslocação da responsabilidade municipal para fora da câmara” através de um grupo de trabalho.