No dia em que o Portugal Fashion chegou ao Porto — depois de um aquecimento feito no Terminal de Cruzeiros, em Lisboa, na semana passada — foram muitos os novos designers que fizeram desfilar as respetivas coleções de outono-inverno 2018-2019. Como vem sendo costume há algumas edições, a plataforma Espaço Bloom permitiu a novos talentos, alguns deles estreantes, revelarem-se ao mundo: aos jornalistas, aos buyers e aos curiosos que foram enchendo os lugares disponíveis numa de duas salas de desfiles no Parque da Cidade do Porto, numa estrutura montada para acolher a 42ª edição do evento dedicado à moda nacional.
No primeiro dia de Portugal Fashion regressámos ao passado e à nostalgia da infância
Joana Braga foi responsável por um dos primeiros momentos do dia, mas só depois do desfile conjunto de 0.9 VIRUS by Filipe Ferreira e de Daniela Pereira — se o primeiro apostou em coordenados com base em roupa interior fluída, construída a partir de materiais leves e delicados, com algumas transparências, Daniela Pereira inspirou-se no movimento Black Panther Party, criado na década de 60 para contestar a brutalidade policial.
Mas voltemos a Joana Braga, cujo desfile conta a história de uma mulher “livre e sonhadora” e de um homem controlador e austero q.b — a jovem criadora foi buscar inspiração em poemas escritos por si ainda na adolescência. As diferenças assinaláveis entre as duas personagens manifestam-se nos coordenados: se do lado feminino prevalecem os materiais leves e esvoaçantes, com sobreposições, estampados e algumas peças desconstruídas, tal como nos conta a designer nos bastidores, do lado masculino há uma seriedade implícita na escolha do preto que domina todos os looks. Num sentido mais lato, a coleção que demorou dois meses a ser criada é dominada por blocos de cor e pelos muitos laços que invadem peças de roupa e os acessórios.
Bastante diferente foi a coleção que se seguiu, com Sara Maia a procurar inspiração em movimentos de sub-cultura para trazer à passerelle uma estética contemporânea e andrógina, facilmente identificável nos cortes rígidos e na influência militar. Apesar de esta ser uma coleção feminina com base em peças do sexo oposto, Sara Maia garante que a ideia passa pela afirmação da mulher e pela desconstrução de estereótipos. “Quero transmitir a mensagem de uma mulher mais similar ao homem na forma como se veste, no sentido em que não há tanto uma diferença entre o que são peças de homem e peças de mulher.” Desse ideal resultam, então, vestidos impermeáveis, feitos com “materiais de proteção”, mas também conjuntos de calças e casacos que variam de tecidos — da bombazine ao cabedal.
Chamem a Millie Bobby Brown
Susana Bettencourt e Beatriz Bettencourt partilham o apelido, a profissão e a paixão por uma série em particular. Tanto quanto sabemos, não são familiares, mas uma coisa é óbvia: houve muitas sessões de “Stranger Things” nos sofás lá de casa. Se no passado dia 17, Susana levou a Lisboa uma coleção com associações pontuais à enigmática série que nos transporta a todos até aos anos 80, Beatriz encarou a inspiração bem mais à letra e replicou a personagem principal da história, a jovem Eleven, interpretada por Millie Bobby Brown, em diferentes looks.
Não é por acaso que a coleção leva o nome “Upside Down”, numa alusão clara ao “mundo invertido” da série de ficção científica que já vai a caminho da terceira temporada. As peças desenhadas e apresentadas por Bettencourt apostam, então, em dois conceitos irmãos: dualidade e versatilidade. Quer isto dizer que há vestidos e casacos, a título de exemplo, cuja parte da frente nada tem ver com as costas — falamos não só de formatos distintos, como também de tecidos antagónicos. Os coordenados — marcados por materiais tão diversos como felpas, ganga, flanela e vinil — retratam a evolução da própria personagem, que vai de um estilo mais grunge e punk até culminar em silhuetas marcadamente femininas. A paleta de cores, por sua vez, tem no preto a sua expressão máxima, mas também há amarelo torrado e verde floresta que facilmente nos transportam para determinados momentos da série.
As saudades de Sara deram origem a uma marca
Seguindo as pisadas que a levaram a Roma, Nycole voltou a apresentar a coleção “Unknown”, que encontra no cantor e compositor britânico King Krule o ponto de partida para silhuetas inspiradas no hip hop e no streetwear. Silhuetas largas e peças icónicas dos anos 90, tal como as camisas de basebol, sweatshirts e casacos acolchoados fazem parte da coleção, que não deixa de lado os atacadores largos que invadem várias peças.
Em Roma, eles não foram romanos. Foram embaixadores da moda portuguesa
Para o fim ficou Sara Marques e a marca que criou colando o nome da mãe e do já falecido pai, Olimpia Davide. Apesar de nova — nasceu em 1994 –, a designer vai remexer o baú de memórias para criar as suas coleções. Esta não é exceção e tem como musa o irmão mais velho de Sara Marques, que nasceu no dia do pai (19 de março). “Esta coleção é dedicada ao meu irmão. Tem vários elementos desportivos porque ele é muito ligado ao desporto, é professor de educação física, o desporto é a sua grande paixão”, diz.
Cordões, riscas em camisas e sweatshirts são alguns exemplos do que Sara Marques apresentou esta quinta-feira. E entre os materiais trabalhados estão malhas felpas, camisas, ganga, fazenda, brilhos (associados aos anos 90) e veludo, porque “a banda preferida dele é os ACDC”. Não custa, por isso, adivinhar a banda sonora do desfile, ainda que o refrão de Anitta — “livre, leve e solta” — fizesse algum jus às coleções do primeiro dia na Invicta.
De referir ainda que das oito mulheres a participarem no concurso Bloom, apenas duas foram consagradas vencedoras — Mara Flora e Maria Meira –, pelo que nas próximas duas edições do Portugal Fashion serão convidadas a apresentar os seus trabalhos. A 42º edição do Portugal Fashion prolonga-se até sábado, dia 24 de março.