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Uma imagem do desfile de Susana Bettencourt, em outubro passado, que antecipou a primavera-verão 24.

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Uma imagem do desfile de Susana Bettencourt, em outubro passado, que antecipou a primavera-verão 24.

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Portugal Fashion. Entre a "serenidade", "reflexão" e "nuvem de medo" na Europa, a Moda para lá dos desfiles

Num fim de semana que seria de desfiles a norte, tomamos o pulso às estratégias dos designers, que refletem sobre o melhor formato para (espera-se) mostrarem novidades em abril.

O balanço da sua passagem recente pelo shoowroom em Milão dá conta dos desafios extra-nacionais que vão sendo colocados diante dos caminhos em geral, e dos da Moda em particular. Ao leme da Pé de Chumbo, habituada a criar maioritariamente para um público internacional, Alexandra Oliveira nota como uma Europa em ebulição é o espelho das limitações correntes. “Esta estação em Milão foi como apresentar uma coleção em pandemia. Não tivemos americanos nenhuns, que dizem que não viajam por causa da guerra, nem árabes, que sinto que estão a deixar de vir à Europa fazer compras. Eram só italianos e muito poucos. Sente-se que as coisas não estão bem.”, reconhece a designer, que costuma considerar o seu habitual desfile do Portugal Fashion o seu final de estação. Chegados a março de 2024, também por cá há alterações na calha.

Depois da ModaLisboa, rezaria a tradição que as agulhas das novas coleções se virassem para o Porto. Ao contrário do esperado, este fim de semana não será de desfiles do Portugal Fashion. Se a organização do evento esclarecia no começo do mês ao Público que se encontrava a “trabalhar na próxima edição”, sem adiantar datas, alguns designers admitem ao Observador terem a expectativa de mostrar as novidades para o próximo outono-inverno na primeira metade de abril. Resta saber qual o formato mais conveniente para esta fase tardia no calendário, a que se junta uma conjuntura de mudanças rápidas e profundas.

“Talvez as pessoas estejam a dar valor a outras coisas, sinto que viajam mais, gostam mais de ir a um bom restaurante do que comprar roupa. No inverno aposta-se num bom casaco e já não importa tanto o que está por baixo”.
Alexandra Oliveira (Pé de Chumbo)

“[O Portugal Fashion] Não conseguiu apoios a tempo, e fazer a correr de facto não valeria a pena. Disseram-me que haveria alguma coisa no início de abril, num formato à escolha dos designers. Pode não ser desfile, mas antes uma apresentação, ou um vídeo. Ainda não pensei bem no formato, mas em princípio não farei desfile, que implica uma coordenação dos modelos que uma presença no charriot não implica; traz mais encargos”, aponta Alexandra. É mais vantajoso ter uma campanha, para ter conteúdo para as redes sociais, por exemplo.

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As novas perspetivas em cima da mesa só apanharão desprevenidos os mais distraídos. A edição do passado mês de outubro realizou-se de novo num duro limbo, e foi confirmada praticamente em vésperas do dia do arranque. Várias baixas de peso no calendário — sem Marques’Almeida, Maria Gambina, Katty Xiomara, Sophia Kah, ou a pré-anunciada retirada de Diogo Miranda — e a Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE) a lamentar em comunicado “os atrasos no processo de atribuição dos fundos europeus prometidos, [que] têm estado a pressionar as contas da associação, que tem assumido o esforço recente para manter o evento”.

Uma imagem da coleção apresentada em outubro pela Pé de Chumbo

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Recorde-se que as edições do evento lançado em 1995 estavam a ser financiadas em 85% por fundos comunitários do Portugal2020, quadro que acabou — o financiamento não chegou às últimas edições de outubro de 2022, março de 2023 e outubro de 2023, sendo que a previsão de abertura para o quadro Portugal 2030 estimava-se então em abril de 2024. As edições do ano anterior foram possíveis com a ajuda de parceiros privados e institucionais, com destaque para a Câmara Municipal do Porto.

Para a Pé de Chumbo, há novos ciclos no ar, necessariamente ligados a fatores como os conflitos na Ucrânia ou no Médio Oriente mas que não começam nem acabam em momentos negros como estes. Sente que o próprio setor do têxtil acusa mudanças, bem como o estilo de vida dos consumidores, a forma como vestimos o que vestimos – ou como as prioridades se reinventam e forçam o mundo da Moda a repensar estratégias. “Talvez as pessoas estejam a dar valor a outras coisas, sinto que viajam mais, gostam mais de ir a um bom restaurante do que comprar roupa. No inverno aposta-se num bom casaco e já não importa tanto o que está por baixo”, arrisca Alexandra Oliveira, preparando-se para os desafios que o seu setor enfrenta num contexto como este. “Sinto as coisas a diminuir. Vamos ter que mudar”.

Pelos bastidores do Portugal Fashion em 78 imagens

Desde 2007 que a Pé de Chumbo está focada no exterior, tendo chegado mais tarde a Portugal, onde vende apenas em três lojas e onde sente que o mercado ainda “está muito fechado às marcas portuguesas”. “Os clientes que mantemos cá entram em contacto connosco diretamente, vêm ao nosso atelier”. Depois da edição mais recente do Portugal Fashion, realizada em outubro de 2023, Alexandra levou algumas peças até ao Funchal. No Savoy, organizou uma venda direta mediante convite. Quanto a novidades para conhecer em breve (ou lá para o outono), manter-se-ão as reconhecíveis formas da Pé de Chumbo, apostando na diferença que as texturas conferem. O próximo inverno, antecipa Oliveira, trará consigo muitas franjas, rendas (ligeiramente diferentes do que tem mostrado) e como habitual para a estação fria, mais roupa do dia a dia que de festa.

“O próprio mercado já pede dinâmicas diferentes. Estamos sempre confortáveis com aquele registo das semanas da moda, mas o mercado está “crazy”, há paradigmas a mudar, há marcas que já só fazem bons lookbooks e campanhas. Todo o mundo está literalmente à procura da fórmula de sucesso para o momento”.
Alexandra Moura

Há vida para lá do momento do desfile, e pausas e paragens que vêm por bem, convidando a pensar sobre os próximos passos. Pelo menos assim acredita Alexandra Moura, que há muito vem defendendo um inevitável abrandamento – sem que isso signifique parar, claro está, ou um torpor que anestesie o passo. “Temos sempre que ter uma coleção, ela está sempre em movimento, por acaso acabou de chegar do nosso shoowroom em Paris. É para aqui que o nosso foco se direciona, até porque em termos de timing as datas internacionais são antes de Portugal.”

Quanto a apresentações, repete a lição que vem transmitindo aos seus alunos nos últimos anos, em tempos marcados pela urgência e frenesim. “O próprio mercado já pede dinâmicas diferentes. Estamos sempre confortáveis com aquele registo das semanas da moda, mas o mercado está “crazy”, há paradigmas a mudar, há marcas que já só fazem bons lookbooks e campanhas. Todo o mundo está literalmente à procura da fórmula de sucesso para o momento”.

Uma imagem da coleção apresentada em outubro por Alexandra Moura

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Com 21 anos de marca, e o legado e reconhecimento do seu lado, é sem surpresa que tem visto marcas internacionais a cancelarem desfiles e a optarem por outro tipo de apresentações, ou inclusive a redirecionar holofotes para mercados que se encontram na estação inversa do ano. Percebe que o espectáculo proporcionado pela passerelle continue a gerar encanto entre o público mas “para mim é daquelas coisas que já não fazem grande sentido.” “Não vejo esta coisa do Portugal Fashion como uma coisa negativa, vejo como um ajustar à realidade. Eles continuam com as mangas arregaçadas e com a força, as coisas têm que mudar, não estou nada stressada com isto. Estou com eles, apoio-os, de forma serena”, descreve, apontando (à semelhança de Pé de Chumbo) para a instabilidade e imprevisibilidade do cenário internacional. “Não se sabe nada do que vai acontecer. As mudanças têm que acontecer. Os mercados estão a mudar, os buyers também. Acredito que o Portugal Fashion também tenha isto em mente. A moda tem que ter sonho e glamour, com certeza, mas se calhar podemos fazer as coisas de outra forma”.

Sobre a coleção que mostrou recentemente em Paris, o destaque continua a ir para as matérias-primas. O floral, a desconstrução, o cruzamento do clássico com o desportivo, são ingredientes que reincidem na coleção outono-inverno, que faz por liderar esse processo de mudança. “Quis fazer uma coleção mais pequena, mais condensada, para que o ADN da marca seja mais evidente. Já não faz sentido fazer coleções só para show off, já não me sinto bem a gastar só para mostrar uns minutos. Nós que já somos conhecidos nem que seja na nossa rua queremos passar a mensagem na mudança de atitude. Estamos a dar sinais para não termos medo”, remata.

“Tenho pena que culturalmente o nosso país não aprecie ou valorize o nosso trabalho como outros países fazem, que compram mais o que é deles quando há crise, no entanto sinto-me abençoada pelas clientes que tenho, que são muitos fiéis"
Susana Bettencourt

Para o rosto da NOPIN, trabalhar “em cima da hora” está longe de ser uma novidade, e também não aterroriza, já que o foco vira-se sobretudo para os clientes, acabando a temporada de desfiles por ser uma montra complementar do trabalho desenvolvido ao longo de todo o ano. “Sempre que terminamos um Portugal Fashion começamos logo a pensar na próxima edição, mas sempre atendendo à parte comercial da coleção. Temos lojas e clientes que compram em antecipação ao próprio desfile. Quando as últimas notícias chegaram, recebeu-as com  normalidade. “Soubemos no começo de março que o Portugal Fashion não ia ser este mês. As datas que nos deram apontam para o começo de abril. Para algumas lojas internacionais sei que já é um pouco tarde, mas esta mudança até pode ser vantajosa. E não é por isso que vamos alterar algo”, desdramatiza Catarina Pinto. “Está tudo normal. A coleção está pronta. Se apresentássemos este fim de semana já teríamos tudo alinhado, assim faltam alguns ajustes”.

Sobre o que aí vem, Catarina destaca uma coleção forte, feminina, com um toque contemporâneo, irreverente, e ajustada a “diferentes idades e personalidades”. Das peças mais utilitárias às ocasiões de festa, certificado de conforto e tecidos “quase todos portugueses” são pedra de toque na coleção. Com presença em várias lojas multimarca, do Porto à China, passando pelo Canadá, Catarina Pinto frisa um dos objetivos principais a cada estação para manter a boa saúde da marca: “tentamos sempre conquistar mais um ponto nacional ou internacional.”

Uma imagem da coleção apresentada em outubro pela NOPIN

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

Por agora, partilha, ainda estão a terminar a produção da coleção de verão 24, destinada a algumas lojas que a querem receber mais tarde. Entre planos futuros, revela que gostava de fazer uma apresentação internacional numa semana da moda lá fora e sente que o universo das feiras já não é a forma mais eficaz de encontrar buyers, concretizando esta ponte sobretudo através do digital. Nem de propósito, está a criar um novo site, que deverá ser lançado no final de março, para poder projetar as vendas online. “É essencial ter uma boa rede digital”.

Por falar em digital, Susana Bettencourt não tem dúvidas sobre o imperativo por estes dias. Ponderar estratégias fora da caixa é mais do que nunca determinante. “Neste momento penso naquilo que é importante agora para a marca. Quem conseguir ser inteligente a traçar estratégia, financeiramente ou nas redes, vai fazer toda a diferença. Confesso que quero ter tempo para refletir”.

Esse olhar com crivo sobre o atual momento que se vive vem já de coleções anteriores. Tentando comunicar através do produto final, desde 2017 que aposta no made to order, na produção tanto quanto possível à medida das solicitações do cliente, tentando contornar um desperdício que motiva títulos que alarmam, nomeadamente sobre os valores do dead stock acumulado por grandes conglomerados de luxo como o LVMH, como contava recentemente o Business of Fashion. A designer nota como a tendência de fazer coleções mais curtas e assertivas chega até ao fast fashion e a “marcas como Bimba y Lola”.

Uma imagem da coleção apresentada em outubro por Susana Bettencourt

MELISSA VIEIRA/OBSERVADOR

“Confesso que estou a aproveitar o tempo de reflexão. O que se vê mais lá fora é as marcas a usarem as contrariedades como comunicação.” Um scroll pelos últimos desfiles devolve uma imagem de pouco risco para não comprometer as vendas. “Está tudo a construir sobre uma nuvem de medo”, lamenta Susana, saudando antes desfiles como o da Avavav, etiqueta baseada em Estocolomo, com muito pouco produto novo e fazendo eco desse no time to design – uma “mensagem choque que foi muito partilhada”.

Quanto ao Portugal Fashion, mantém a fidelidade a uma plataforma que tem permitido aos designers mostrar o seu trabalho e levar o têxtil além fronteiras. “Foi das organizações que mais se esforçou para a internacionalização. As nossas fábricas não estariam a produzir Vuitton ou Balenciaga se não tivesse havido internacionalização. Estou com eles e estou confiante. Para fazer uma edição a correr, com menos estrutura, mais vale parar para pensar”, defende.

Vulcânicos, tropicais, e resilientes como um cacto. Os desfiles do Portugal Fashion em 188 imagens

Talvez mais difícil de mudar seja a visão crónica de um país  em tempos já de si marcados pela incerteza e pela perspetiva de “vários anos de crise pela frente”. “Tenho pena que culturalmente o nosso país não aprecie ou valorize o nosso trabalho como outros países fazem, que compram mais o que é deles quando há crise, no entanto sinto-me abençoada pelas clientes que tenho, que são muitos fiéis, a marca tem um DNA muito próprio, quem gosta investe nas coleções.”

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