O presidente do Banco Privado Atlântico reiterou esta terça-feira em tribunal que nada tem a ver com o contrato de trabalho que o magistrado Orlando Figueira assinou e que o levou a abandonar a magistratura. Carlos Silva, que se tornou uma figura central do caso Fizz, voltou a sublinhar que tem uma assistente para lhe filtrar as quatro contas de email, logo não viu a minuta do contrato que lhe foi enviada. Manteve este argumento mesmo quando confrontado com as provas de que respondera a alguns deles do seu próprio iPad. E que o irritaram.
Naquela que foi a segunda sessão do depoimento tão esperado pelas defesas, o juiz presidente Alfredo Costa acabou por explicar ao banqueiro as razões que o levavam ali. O Ministério Público (MP) acusa Figueira de ter sido corrompido pelo ex-vice-presidente Manuel Vicente, para arquivar os processos que tinha em mãos em que o governante era investigado. Acusando também o advogado de Vicente, Paulo Blanco, e o seu representante legal em Portugal, o empresário Armindo Pires.
— O senhor sabe que substitui Manuel Vicente ao nível da responsabilidade destes contratos?, perguntou o juiz presidente, Alfredo Costa
— Não tenho nada a ver com esses contratos, mas enquanto presidente do banco, um dos meus clientes terá sido responsável porque a auditoria assim o diz, respondeu o banqueiro, referindo-se à Primagest.
— Qual o objetivo de os doutores Orlando Figueira e Paulo Blanco terem apresentado este argumento? Aconteceu alguma coisa?, questionou, então, o magistrado, salientando que esta posição lhe causa alguma “perplexidade”.
— Até ao momento ainda não consegui encontrar, disse Carlos Silva.
Momentos antes, o advogado de Manuel Vicente e de Armindo Pires tentara encontrar uma razão para o banqueiro ter sido envolvido no processo. Numa inquirição que levou Carlos Silva a exaltar-se e a ser chamado à atenção pelo juiz presidente, Rui Patrício exibiu algumas notícias e perguntou ao banqueiro se, por acaso, mantinha uma “má relação” com o ex-diretor do BESA, Álvaro Sobrinho. Carlos Silva agitou-se na cadeira em frente ao coletivo de juízes e começou por responder um “não comento”. Depois classificou a relação como outrora já tinha feito em relação a outros. “Há uma relação formal, uma má relação não é verdade”.
— Mas são inimigos?, perguntou o advogado.
— Não, por vezes há agendas com origens diferentes e que lançam angolanos contra angolanos, justificou.
Não é a primeira vez que o nome do empresário luso-angolano é referido no julgamento. Álvaro Sobrinho já tinha sido investigado pelo magistrado Orlando Figueira, agora julgado por corrupção, e teria sido no âmbito de uma dessas investigações, no chamado caso Banif, que Figueira conheceu pela primeira vez Carlos Silva. Um encontro que, segundo o banqueiro, Figueira lhe trouxe à memória naquele dia de maio de 2011, em que se deslocou ao Departamento Central de Investigação e Ação Pena (DCIAP) para testemunhar num outro processo, nas mãos do procurador Rosário Teixeira.
Depois dessa inquirição, que terá sido tratada diretamente entre Rosário Teixeira e o advogado Paulo Blanco, Orlando Figueira ter-se-á juntado ao banqueiro, ao advogado Paulo Blanco e ao próprio colega procurador. E como Carlos Silva tinha outros compromissos, como explicou na sessão anterior, terão combinado almoçar dias depois para continuarem a conversa sobre o tema do dia: Angola.
— Sendo o doutor a pessoa ocupada que é, manteve a cortesia do almoço?, perguntou Rui Patrício.
— Sim, com o advogado do estado angolano [Paulo Blanco] e com dois magistrados que são pessoas educadas, justificou, ressalvando que em momento algum desse almoço numa suite do Hotel Ritz se falou em trabalho.
O advogado focou-se, então, nos mails trocados entre o banqueiro angolano e o arguido Paulo Blanco. Momentos antes, a advogada de Blanco, Ana Rita Relógio, tinha oportunamente juntado ao processo meia dúzia de mails que ainda não tinham sido analisados. E que mostravam algumas comunicações registadas entre 2011 e 2012, que confirmam que Carlos Silva respondia, de facto, aos mails de Paulo Blanco através do seu iPad — contrariando a versão que manteve segunda-feira, em que disse que a partir de dezembro de 2011 tinha deixado de responder ao advogado, por este “ter um estilo muito próprio”.
— O doutor está aqui numa situação aborrecida por causa destes emails. Queria perceber melhor como se dá esta monitorização com a assistente, até porque gostaria de seguir o mesmo método, ironizou o advogado Rui Patrício. Como se operacionaliza?, insistiu.
— Ela tem acesso direto, respondeu secamente Carlos Silva.
O banqueiro assumiu não ser um homem “connected” às novas tecnologias, mas também não ser “um excluído”. “Não uso mails em telefones… porque isso me tira tração, nem estou à secretária porque isso tira foque das responsabilidades”, respondeu. “Mas tem um iPad?”, atirou o advogado. “Sim, para quem viaja de um lado para o outro é o mais eficaz”. Carlos Silva continuou a explicar que quando está em viagem também é a assistente que vê os mails e que reencaminha apenas aqueles que interessam.
— Mas também há emails em que responde… Aparece no fundo do mail “sent from my iPad”, salientou Patrício.
— Mas qual é a pergunta?, atirou Carlos Silva, incomodado.
— Também acontece responder esporadicamente, concluiu o advogado, para depois confrontar o banqueiro com algumas respostas enviadas por mail a Paulo Blanco que não parecem indicar um corte de relações entre os dois.
“Alterei o meu modelo de gestão de relação. Eu continuo a ter relação, é o advogado que representa o estado angolano, mas com mais atenção… Não posso cortar com a pessoa… não misturo é as coisas”, disse, voltando a referir que Blanco queria, sim, uma avença com o BPA. “Não estou disponível para determinados temas, mas para um tema do investidor sim”, acabou por dizer.
Patrício não descolou e voltou a perguntar sobre o mail que Blanco lhe enviou com a minuta do contrato de trabalho de Orlando Figueira, um dos motivos para estarem agora a ser julgados por corrupção. “Este documento inicial não tem Finicapital [empresa com a qual iria assinar contrato, mas que depois mudou para Primagest], como sabe a sua assistente que isto nada tem a ver com o banco?”. A pergunta ficou com a mesma resposta de sempre: o mail não teve qualquer resposta e não foi visto por ele.
— As relações não são lineares, atirou, por seu turno, Carlos Silva
— Não, são como os eletrocardiogramas quando as pessoas não estão mortas, andam para cima e para baixo, respondeu Rui Patrício.
— Não estou aqui para ouvir as suas considerações, disse Carlos Silva, visivelmente incomodado.
O juiz Alfredo Costa acabou a pôr água na fervura. “Temos que ter algum cuidado com as perguntas e com as respostas”, alertou.
É do Benfica e tem um processo familiar complicado. O que interessa aos bancos
Nos mails com que Carlos Silva foi confrontado em julgamento, aparece um do gerente de conta de Orlando Figueira no Banco Privado Atlântico — onde contraiu um crédito. Aos olhos da acusação este crédito foi fictício e serviu para lhe pagar “luvas” pelos arquivamentos no DCIAP. Figueira justifica-o, no entanto, como tendo servido para pagar as tornas do divórcio à ex-mulher. Nesse mail, assinado por Pedro Soares, é traçado um perfil de Orlando Figueira.
Refere a informação que Figueira é magistrado do MP em licença sem vencimento, trabalha no ActivoBank e tem um “processo familiar complicado”. Há informações do divórcio, dos filhos, das suas profissões, com quem se relacionam e por quem “tomaram partido”. Outra informação que parece ser importante para a instituição bancária são as preferências clubísticas de Figueira: “É do SLB”, lê-se. Refere-se ainda que é de Direito, embora “não entendido em mercados”, que chega sempre às reuniões “meia hora antes” do seu início e que tudo o que esteja relacionado com ele deve ser tratado diretamente com o “PCA”.
Esta sigla tem chamado a atenção de advogados e juízes ao longo do julgamento e já houve testemunhas que a decifraram. Trata-se do “presidente do conselho de administração”. Carlos Silva, no entanto, negou esta terça-feira ter tratado seja o que for com este cliente. “Não posso ser eu, eu nunca tratei de nada com o dr. Orlando Figueira, esta informação é feita de acordo com o profile do cliente”, disse.
“Eu acho que indiquei o Proença de Carvalho”, disse Carlos Silva
O administrador do Banco Privado Atlântico Europa, em Lisboa, Iglesias Soares, tinha dito em tribunal que quando Orlando Figueira lhe falou num contrato com os angolanos e lhe pediu que falasse com Carlos Silva, o banqueiro ter-lhe-ia recomendado que tratasse com o seu advogado, Proença de Carvalho. Foi a única testemunha que fez esta ligação.
Confrontado, Carlos Silva diz recordar-se dessa conversa e até admitiu ter sugerido o nome do advogado Proença de Carvalho. Mas noutros termos.
— Eu disse que não havia nada pendente para esse beneficiário [Orlando Figueira]. Ele diz-me: mas o homem diz que teria um contrato com angolanos. E eu disse qualquer coisa como: mas há 30 milhões de angolanos. Disse-lhe para falar com um advogado, disse Carlos Silva
— E sugeriu o nome do advogado Proença de Carvalho?, perguntou Rui Patrício.– Eu acho que indiquei o Proença de Carvalho ou o Dr. Frutuoso de Melo, que são advogados que, em grosso modo, recomendo, respondeu.
A audição de Carlos Silva continua esta quarta-feira.