Jen (Matilda Lutz) é uma rapariga nova que tem um amante mais velho – e casado e pai de filhos. O amante, Richard (Kevin Janssens)  leva-a para uma luxuosa casa alugada junto ao deserto, onde todos os anos vai à caça com dois amigos, casados e ricos como ele. Má ideia. Um dos amigos viola Jen. E quando ela se queixa ao amante, este oferece-lhe dinheiro para ela se calar. Péssima ideia. Jen ameaça contar tudo à mulher dele, é perseguida pelos três homens, foge para o deserto, fica cercada junto a uma ravina e acaba lá no fundo, espetada no ramo de uma árvore seca e dada por morta. Engano. Jen não morreu, consegue libertar-se da árvore e transforma-se em caçadora daqueles que fizeram dela sua presa. O filme, é claro, chama-se “Vendeta” (“Revenge”, no original), é o primeiro da francesa Coralie Fargeat e foi rodado em Marrocos, que passa pelos EUA.

[Veja o “trailer” de “Vendeta”]

O filme de vingança, ou “revenge movie”, é um subgénero do cinema de acção que também tem sido declinado no feminino (o “rape and revenge movie”), em filmes tão variados na qualidade como nos propósitos. Exemplos: “Mulher Violada”, de Meir Zarchi (1978), o clássico “Vingança de uma Mulher”, de Abel Ferrara (1981), os “Kill Bill”, de Quentin Tarantino (2003/4) ,“Vingança Planeada”, de Chan-wook Park (2005),  “A Estranha em Mim”, de Neil Jordan (2007),  ou ainda a violentíssima série “I Spit on Your Grave”, iniciada em 2010 e que já vai em quatro títulos. A fita de Fargeat é mais uma que se junta a estas, mas como é assinada por uma mulher, foi imediatamente qualificada de “feminista” (“cripto”, “neo” ou “pós”, à escolha do freguês) pela crítica mais afoita no que ao alinhamento politicamente correcto diz respeito. (Até o diligente “Le Monde” foi logo buscar o #balancetonporc).

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[Veja a entrevista com a realizadora e a actriz]

Mas trata-se mesmo de só mais uma etiqueta ditada pela moda ideológica. Coralie Fargeat é uma “Tarantino wannabe”, e “Vendeta” é mais um exercício de psitacismo cinematográfico do que uma qualquer releitura ou subversão dos estereótipos do “rape and revenge movie”, à boleia do pretenso “feminismo”. A fita é dominada pelo exagero e pela caricatura, na caracterização das personagens (os três homens são brutais, sádicos e covardes, equiparados a animais repugnantes do deserto), no tratamento visual e sonoro (cores saturadas, música torturada, estilo de “videoclip” exibicionista) e na encenação da violência, gráfica e detalhada, quer se trate da explosão de uma cabeça alvejada a tiro, quer da extracção de um caco de vidro de um pé ou da cauterização de uma ferida a sangue-frio. E há ainda o simbolismo de trazer por casa (o empalamento “fálico” de Jen na árvore).

[Veja uma sequência do filme]

https://youtu.be/41e3p74PtWA

O sangue corre em tal quantidade em “Vendeta”, que numa sequência perto do final, duas das personagens andam a patinar nele enquanto se tentam matar uma à outra, numa desastrada tentativa da realizadora de fazer comédia com o “gore”. Isto já para não falar na sobrenatural capacidade de rcuperação da rapariga, que sobrevive a uma queda e um empalamento sem a seguir se esvair em sangue, e anda e corre (descalça!) pelo deserto com toda a calma e desenvoltura, enquanto, qual Diana da vingança, caça os três homens que a trataram como um objecto sexual e depois a tentaram matar. “Vendeta” só serve mesmo para mostrar que uma mulher pode realizar um “rape and revenge movie” tão sensacionalista tão grotesco e tão primário como um homem. O “girl power” não imuniza contra a mediocridade.