“É uma oportunidade especial para a cidade se confrontar com nomes fundamentais do pensamento contemporâneo e descobrir alguns discursos que vão marcando a produção do conhecimento atual nas artes, ciências sociais e humanas, mas não só.” É assim que Rui Moreira descreve o Fórum do Futuro, um evento organizado pela Câmara do Porto desde 2014 e que, anualmente, envolve várias instituições culturais da cidade – como a Fundação Serralves, a Casa da Música, a Mala Voadora, o Rivoli e o Teatro Nacional de São João.
Entre 4 e 10 de novembro, no “Ágora Club” – como foi batizado o fórum deste ano –, discute-se “como é que a Antiguidade se manifesta na sociedade atual” e procura-se “o sentido e a forma das ágoras de hoje”, adianta Guilherme Blanc, curador do evento. E quando se fala em “sociedade”, fala-se em literatura, política, arquitetura, astronomia, filosofia e artes visuais – todas estas áreas representadas por 52 convidados que chegam ao Porto de quatro continentes diferentes.
Nadya Tolokonnikova, ativista e cofundadora da banda punk feminista russa Pussy Riot, é uma das protagonistas da sessão de abertura do Fórum do Futuro (no dia 4 de novembro, às 16h, no Rivoli). A artista licenciada em Filosofia Clássica fala sobre o ativismo artístico na Grécia antiga, focando-se no conceito da filosofia prática – a ideia de que essência da sabedoria reside na ação. No mesmo dia, o realizador do filme “Chama-me pelo teu nome”, Luca Guadagnino, discute o desejo e a forma como este está tatuado no seu trabalho, que frequentemente vai buscar referências à antiguidade greco-romana.
O filósofo e sociólogo italiano Maurizio Lazzarato, conhecido por ser um dos maiores críticos do capitalismo na atualidade, também vem ao Porto falar sobre a dívida como uma arma de construção imperial e como um mecanismo de exploração de classes (no dia 5 de novembro, às 19h, no Rivoli). Da sociologia passamos para a astronomia, com uma conversa com o astrofísico Michel Mayor, responsável, em conjunto com Didier Queloz, pela descoberta do primeiro planeta extra-solar. “Será realista ambicionar encontrar sinais de vida em planetas fora do nosso sistema solar?” é uma das questões centrais da palestra, que se foca na pluralidade de mundos no cosmos, um interesse (e um sonho, também) comum aos gregos, que já desenvolviam instrumentos para a observação e estudo do cosmos.
De estátuas de mármore branco a corpos nus coloridos
A maioria das estátuas da Antiguidade Clássica eram intensamente coloridas, mas chegaram aos nossos dias despidas de cor. E o mármore branco fez-se símbolo, erradamente, da arte da Antiguidade Clássica – nos livros, nos museus, no imaginário. O historiador e arqueólogo Vinzenz Brinkmann, que há 25 anos estuda a policromia das esculturas clássicas, explica como o branco é apenas uma mera consequência do desgaste do tempo, num almoço-palestra na sede da Mala Voadora (no dia 6 de novembro, pelas 13h). E fazendo referência à investigação deste último orador, surge a performance “As Metamorfoses de Ovídio”, adianta Jorge Andrade, fundador d’A Mala Voadora. No dia 9 de novembro, às 23h30, “as pessoas pessoas podem entrar [na sede do coletivo] de copo na mão, a beber whiskey, vodka ou gin” e assistir a “50 pessoas que vão estar sentadas, nuas, cada uma pintada de uma cor diferente, a reagir a uma banda sonora que faz uma alusão à história do mundo – desde os discursos políticos que mudaram o curso da História até ao último hit de Verão”, revela.
O arquiteto japonês Toyo Ito, é outro dos nomes que saltam à vista desta edição do Fórum. O Pritzker de 2013 vem pela primeira vez a Portugal para refletir sobre a importância das ruínas contemporâneas (no dia 7 de novembro, pelas 17h, no Rivoli) – “Milénios depois, as ruínas de ágoras, anfiteatros, templos, estádios e outros edifícios públicos simbolizam o que foi a Antiguidade. A partir de que princípios clássicos devemos construir (ou reconstruir) o espaço público?”, lê-se na programação. E a literatura não fica de fora do programa. No dia seguinte, Margaret Atwood, escritora reconhecida mundialmente pela sua obra “The Handmaid’s Tale”, vai refletir sobre a importância da mitologia na sua obra e como, a partir desta, tem trabalhado temas como o género, a ordem social, a identidade e a linguagem. “Um dos pontos altos deste Fórum do Futuro”, assegura Guilherme Blanc.
Outras antiguidades para lá da Ocidental
O último dia inicia-se na Casa da Música com um debate que procurará responder à questão “A influência do teatro e dos mitos da Antiguidade clássica ainda é relevante no campo da música contemporânea?”. A conversa será feita entre o compositor britânico Harrison Birtwistle, “um dos compositores vivos cuja obra mais se deixa impactar pela mitologia grega”, e a editora-chefe de Cultura no jornal britânico The Guardian, Charlotte Higgins, destaca o diretor artístico da Casa da Música, António Jorge Pacheco.
Vendo a ágora como “lugar de encontro e troca de pensamentos”, o fórum quis ainda olhar “para lá da Europa, para outras antiguidades e outras Histórias”. É por isso que, no seu encerramento, o ensaísta e romancista Pankaj Mishra irá falar “sobre a necessidade de rever a nossa compreensão do mundo”, dado que “as nossas narrativas estão condicionadas pela hegemonia do Ocidente, que apaga o legado de outras antiguidades”, adianta o curador do Fórum do Futuro.
Destacam-se ainda as duas performances do coreógrafo Trajal Harrell, que cruza o teatro grego com o voguing de Harlem e a ação performativa contínua de Alexandra Pirici, que se desenrola durante três dias e que é uma reflexão sobre o roubo arqueológico e imperialista das obras de arte pelos museus.
No ano passado, o Fórum do Futuro recebeu 43 convidados de 10 países diferentes. Neste ano, com um orçamento de 225 mil euros (mais 30 mil euros do que em 2017), o Porto vai receber 52 personalidades de 17 nacionalidades distintas. O evento é de entrada gratuita mediante o levantamento de bilhete no dia e no local da sessão. A programação completa pode ser consultada aqui.