Há quem ache que o terror é um género menor — e, pior ainda, quem o reduza a uma espécie de subgénero de comédia. Quem partilha da primeira opinião, arrisca-se a descartar bons filmes que sobreviveriam além do rótulo caso os cinéfilos lhes dessem uma hipótese. Quem partilha da segunda, talvez ande a ver filmes que de tão maus lhe deem uma genuína vontade de rir ou talvez seja o medo do medo que precipite a gargalhada nervosa.

Só não me venham dizer que gostam de filmes de terror porque vos fazem rir — isso quer dizer que nunca viram um filme de terror na plena aceção do termo. Seria como dizer que gostam muito de ver pornografia porque vos comove. Terror é, geralmente, entretenimento. Mas nem todo o entretenimento implica dispor bem ou não sofreríamos tanto a ver a bola.

O cinema de terror pode encerrar sátiras sociopolíticas, reflexões filosóficas ou, simplesmente, cumprir a função relativamente gratuita de nos confrontar com o medo a partir de um lugar seguro. Para mim, que tenho medo de tudo, é uma catarse. Procuro o próximo choque, o próximo susto, o próximo incómodo. É uma experiência que, quando bem elaborada, equivale a um desporto radical para medricas como eu. Se for mais que uma experiência bem elaborada, pode ser mesmo um bom filme. Mas se fizer rir a bom rir, que não haja dúvidas: ou é uma boa comédia ou um mau filme de terror.

Quero deixar isto bem claro porque sou uma snob: recuso-me a ver bom cinema de terror em sala porque o riso alheio me provoca instintos assassinos e há quase sempre quem solte uma piada ou uma gargalhada sonora num momento de tensão para mostrar aos restantes que nada lhe mete medo. Esse tipo de espectador, se fosse inteligente, pedia o seu dinheiro de volta. Mas não o faz porque certamente apreciou pagar para exibir os seus pequenos testículos aos demais, recusando-se a abraçar a experiência cinematográfica e sabotando a dos outros. E se viram o “Hostel 2”, calculam o que eu desejo que aconteça a esses testículos.

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É como se eu fosse para a beira de um avião rir alto em vez de saltar de paraquedas. Simplesmente não me meto nisso. O meu desporto radical é ver filmes de terror e posso afiançar que também acarreta os seus riscos: por exemplo, o risco de acrescentar à minha imaginação neurótica mais material para pânicos e pesadelos. É um risco bem perigoso que posso vir a pagar em terapia. Mas cada um é afoito à sua maneira — por exemplo, há pessoas que mais depressa se atiram de paraquedas do que falam sobre a morte. Esse é um terror que não querem enfrentar, que as perturba demasiado — e, no entanto, expõem o corpo à falibilidade. É um risco bem perigoso que podem vir a pagar, na melhor das hipóteses, em fisioterapia. No final de contas, tanto o filme de terror como o salto de paraquedas são simulações.

Se reduzirmos o terror a um género, ele é tão variado quanto a mente humana — que o cria, que o protagoniza, vê e interpreta — é perversa. Isso dá cerca de uma infinitude de variedade, para todos os gostos e sobretudo desgostos. A lista que se segue pretende, por isso, acabar com os preconceitos. Tenham medo.

“Essas coisas sobrenaturais são parvas, não me metem medo”

Essa é uma ideia errada. O cinema de terror não é só protagonizado por criaturas fantásticas, mais ou menos mortas. O mais temido agente do terror é o ser humano e, nesse caso, o medo não depende do nosso grau de ceticismo: somos bem mais torcidos e imprevisíveis do que, por exemplo, um zombie. Basta olharmos para os livros de História — quer dizer, basta olharmos para as redes sociais. Mas, enquanto não estreia “A Noite dos Indignados-Vivos”, vale a pena arranjar coragem para enfrentar “Salò ou os 120 Dias de Sodoma” (1975), o filme de Pier Paolo Pasolini que junta as perversões do Marquês de Sade às da república fascista de Mussolini. Há violência sexual, escatologia e tortura — enfim, coisas que vos fariam preferir o convívio com espíritos malignos se não fosse esse maldito ceticismo.

Outros filmes bons para temer a humanidade: “Cães de Palha” (1971), de Sam Peckinpah, “A Última Casa à Esquerda”, de Wes Craven (1972); “Fim-de-Semana Alucinante”, de John Boorman (1972)

“O meu vizinho o quê? Impossível, ele é uma joia de pessoa!”

Se calhar é por causa de “Psico” (1960), de Alfred Hitchcok, que desconfiamos sempre de um adulto que viva com a sua mãe, mas o Michael Myers de “Halloween” (estreou-se a 25 de outubro de 1978 e esta semana chega uma nova sequela às salas) confirma-nos que a psicanálise explica muita coisa que nem sempre se vê a olho nu. O terror pode vir na forma de um tipo educado como o Norman Bates ou habitar o nosso bairro na forma de encarnação do mal como Michael Myers. Nas prequelas e sequelas do clássico de John Carpenter, bem como no universo literário a que o filme deu origem, são-nos dadas pistas acerca dos traumas que fazem de Myers um assassino com espessura e credibilidade. Nem os comentadores da CMTV conseguiriam dar conta do seu perfil.

Outros filmes bons para temer os vizinhos: “Jogos Perigosos”, de Michael Haneke (1997); “O Lago Perfeito” (2008), de James Watkins; “Hounds of Love”, de Ben Young (2016)

“Deixem-me, só gosto de cinema francês”

Os franceses não são nada delicados no que toca ao cinema de terror. Aliás, o seu arrojo mereceu a criação de um género intitulado “novo extremismo francês”, de que tanto fazem parte François Ozon como Gaspar Noé ou Alexander Aja. Fica, no entanto, a sugestão desafiante de verem “Mártires”, de Pascal Laugier, do princípio ao fim. Até porque o sofrimento pode compensar a reflexão sobre a vida e a morte que o filme proporciona.

https://www.youtube.com/watch?v=Jbct9qWBSME

Outros filmes bons para quem “só gosta” de cinema francês: “Eles”, de David Moreau e Xavier Palud (2006); “Fronteira(s)”, de Xavier Gens; “À L’Intérieur”, de Alexandre Bustillo e Julien Maury

“Para terror já basta a vida”

Tenho de concordar, sobretudo nos dias que correm. Mas isso não quer dizer que não haja filmes de terror que nos ajudem a pensar sobre o real, sempre houve. “Foge”, escrito e realizado por Jordan Peele, conseguiu a proeza (rara no que toca ao cinema de terror) de ganhar um Óscar para Melhor Argumento Original, muito graças à força inequívoca da parábola que constrói sobre o racismo.

Outros filmes que refletem sobre o terror da vida: “A Terra em Perigo”, de Don Siegel (1956); “Videodrome”, de David Cronenberg (1983); qualquer um de George A. Romero (ver abaixo)

“Isso dos zombies é uma estupidez, eles andam tão devagar que é impossível ninguém os apanhar”

O sucesso da série “Walking Dead” provocou uma febre de zombies que não é para aqui chamada. A verdade é que os zombies de George A. Romero tinham uma função além do entretenimento: a de nos alertar para os verdadeiros perigos da sociedade do seu tempo, como o racismo ou o consumismo. Quanto à credibilidade da sua ameaça, há que dizer que nem todos os zombies são coxos e tolos, por isso há que ver “28 Dias Depois”, de Danny Boyle (2008), não só porque eles são assustadoramente ágeis mas porque se revelam menos perigosos do que outras espécies, tipo a espécie humana.

Outros filmes com zombies que não têm tempo a perder: “O Renascer dos Mortos”, de Zack Snyder (2004); “28 Semanas Depois2, de Juan Carlos Fresnadillo (2007); “Rec”, de Jaume Balagueró e Paco Plaza

“Os filmes de terror só são bons para quem quer engatar”

Velho truque, esse de pôr o braço à volta do amigo ou amiga mais assustados. Mas pensem no que se estão a meter: não se esqueçam de que as relações são também matéria-prima para verdadeiro terror. Um dos filmes de terror mais interessantes dos últimos anos, “Vai Seguir-te”, de David Robert Mitchell (2014), faz da clássica maldição sobrenatural uma espécie de doença sexualmente transmissível.

Outros filmes que tiram a vontade de… amar: “May”, de Lucky McKee (2002); “Dentes”, de Mitchell Lichtenstein (2007); “O Corpo de Jennifer”, de Karyn Kusama (2009)

“Não vejo filmes de terror… porque metem medo”

O que não tem remédio, remediado está — mas as boas comédias de terror permitem flirtar com o género sem ir aos confins do medo. Há obviamente o gore cómico da série B (como a trilogia “Evil Dead” de Sam Raimi) à série Z (do início da carreira de Peter Jackson), mas se procuram maior sofisticação não podem perder o mockumentary vampiresco “O Que Fazemos nas Sombras”, de Jemaine Clement e Taika Waititi.

Outros filmes para rir sem medo e com propriedade: “Um Lobisomem Americano em Londres”, de John Landis; “Beetlejuice”, de Tim Burton (1987); “Shaun of The Dead”, de Edgar Wright (2004)